Meu Diário
11/05/2018 00h59
A SOLIDÃO DO MESTRE

            Ao vir à luz material neste planeta de provas e expiações, eu deveria saber que iria encontrar com facilidade o sofrimento por onde eu andasse. Mesmo porque eu não iria me comportar como um boi dentro de uma manada, seguindo os pensamentos e ações da maioria, sem crítica, sem contestações daquilo que eu considerasse incorreto, para mim ou para os outros.

            Assim aconteceu. Atravessei a infância, meninice, adolescência até chegar à idade adulta, me sentindo um “estranho no ninho”. Apesar de considerar tão bela esta natureza deste planeta azul, a natureza dos meus irmãos em espécie destoava muito da minha e me causava grandes impactos emocionais. Mesmo estando na companhia de tantas pessoas como gosto de estar, de interagir, de brincar, de comer, mesmo assim eu percebia que não devia colocar minha forma de pensar, pois isso traria sobre mim muito preconceito, desconfiança e até rechaço. Ficava calado... pra que conversar, a não ser futilidades?

            Assim seguia minha vida achando por um lado bom, quando explodia no meu peito alguma paixão e toda minha alma se voltava para a figura amada. Mas logo que esse encantamento passava, voltava a prevalecer a minha forma de pensar que entrava em conflito com o pensamento de minha companheira, e daí para a minha expulsão do seu convívio era apenas um passo.

            Passei a me adaptar com essa situação e já ficava preparado a mais dia, menos dia, ser expulso da presença daquela pessoa que num determinado momento me dedicava tanto bem. Era até paradoxal, pois mesmo eu percebendo que ela ainda tinha grande afeto por mim, não vacilava em me expulsar da sua frente quando se achava exageradamente ofendida. Eu compreendia a razão de cada uma delas e a ninguém eu culpava por esse acontecimento e me preparei para viver na solidão, procurei ser amigo dela, e até deslocar os meus sentimentos afetivos para ela, pois sabia que ela nunca iria me abandonar.

            Porém a sensação de que eu era único no mundo veio ser aliviada quando eu soube da existência de Jesus que esteve conosco há 2 mil anos. Também Ele tinha uma forma diferente de pensar, não quero dizer que seja igual a minha, mas ninguém com quem Ele se relacionou pensava como Ele. Mesmo entendendo que Seu raciocínio era muito correto e coerente, mesmo assim não chegava a sintonizar com o Mestre na dimensão que seria o esperado.

            A passagem da Sua vida que mais me emocionou e me colocou nas atitudes bem próximo dEle, foi quando ele já estava prevendo a sua prisão, suplício e morte sob tortura na cruz. Se eu estivesse no lugar dEle, também estaria muito ansioso e podia até suar sangue como aconteceu com Ele. Gostaria de ter alguém ao meu lado, que me entendesse, que partilhasse comigo os motivos de tais acontecimentos. Mas isso não aconteceu com Ele. Apesar de toda a aura divina que emergia dEle e influenciava quem estava próximo, os discípulos, que eram as pessoas mais íntimas do Mestre, estavam dormindo nesse momento tão trágico, mesmo o Mestre tendo pedido que eles ficassem acordado, que lhe fizessem companhia.

            É este momento que ficou gravado na minha alma. O Mestre sozinho, angustiado ao extremo, orando ao Pai com muita humildade e até tocado de alguma forma de medo, pedindo para aquele cálice de tortura ser afastado, que Ele iria sofrer muito, mas se essa era realmente a vontade do Pai Ele estaria disposto a cumprir. Jesus já sentia antecipadamente o que logo iria se realizar. A prisão, a humilhação, ser esbofeteado sem nenhuma justificação, cuspido, desmentido, ironizado, ter suas roupas rasgadas, sua pele lacerada pelo chicote de ponta de aço, uma coroa de espinhos na cabeça suarenta que se tornou sanguinolenta, os pregos lhe fixando no madeiro da cruz...

            Tudo isso se desenrolava na mente do Mestre, enquanto Ele orava ao Pai e seus amigos, discípulos... dormiam! O Mestre estava sozinho, estava na solidão dos seus pensamentos, de suas ações. Tanto amigos, tantas pessoas beneficiadas, que foram curadas de cegueiras, de aleijões, de possessões... mas não tinha ninguém ao seu lado neste momento e logo Ele iria verificar que também estaria sozinho naquelas vielas de Jerusalém carregando o pesado tronco na costas.

            Quando costumo conversar com o Mestre, eu tento algumas vezes consolar à sua solidão ao invés de pedir para Ele consolar a minha, pois reconheço que a dEle foi muito maior no passado do que a minha é hoje. Sei que Ele continua conosco, somente não o vemos materialmente pois ele está na dimensão espiritual. Sei que Ele não tem tanta solidão agora como antes, pois já existem pessoas como eu, que entende o que Ele queria dizer e procura colocar as suas lições em prática.

            Talvez agora eu esteja ganhando do Mestre neste item solidão. Cada vez mais eu vejo pessoas que compreendem melhor o Mestre e procuram praticar o que Ele ensinou, mas eu continuo a não encontrar ninguém que pense como eu. Pelo menos eu sei que o Mestre me entende e me atenua a solidão.   


Publicado por Sióstio de Lapa em 11/05/2018 às 00h59


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr