Meu Diário
21/11/2018 02h01
VISÃO CUBANA

            Quem está disposto a se comportar orientado pela verdade, deve procurar analisar todas as narrativas existentes e confrontar com a realidade. Daí podemos ter um diagnóstico mais preciso para adotar a narrativa mais coerente. Vejamos um novo texto colocado dentro da atual polêmica dos “Médicos” cubanos:

Pequeno guia para não falar bobagem sobre o Mais Médicos

16 de novembro de 2018       

Por Lara Stahlberg

Ponto 1 – O PMM não é um programa de contratação de médicos. É um programa global de fortalecimento da atenção básica no país e, para isso, conta com três eixos: infraestrutura (requalificação das unidades básicas para que tenham a estrutura necessária para o atendimento); readequação e expansão da formação médica (revisão dos currículos das universidades visando focar na medicina preventiva e não curativa, além de ampliar e descentralizar a oferta de vagas em cursos de medicina, prioritariamente pela rede pública) e, finalmente, o provimento emergencial de médicos (ou seja, “contratação” de médicos).

Ponto 2 – Os médicos do programa, todos eles, saem, depois de dois anos, com um título de especialização. Assim sendo, o médico do PMM não tem vínculo empregatício, pois integra um programa de formação em serviço. Logo, não faz sentido falar em CLT.

Ponto 3 – Os médicos cubanos atuam, em sua maioria, em locais em que brasileiros não querem atuar. Quando as vagas do programa são abertas, os primeiros a ser chamados nos editais são os médicos brasileiros formados no Brasil (com CRM); depois, os chamados intercambistas individuais, médicos brasileiros formados no exterior (importante notar aqui que são médicos que não têm CRM. Logo, não passaram pelo revalida que o presidente eleito quer forçar os cubanos a passarem). Só em caso de não preenchimento das vagas anteriores é que os médicos cooperados (no caso, os cubanos) são convocados.

Ponto 4 – Os médicos estrangeiros chegam não apenas para ocupar vagas que os brasileiros não querem ocupar (o que também é verdade), mas porque a formação médica atual não consegue atender à demanda de médicos no país.

Ponto 5 – A formação cubana em saúde é referência no mundo. Durante o governo Obama até os EUA tinham desenvolvido parcerias na área. A ELAM, escola de medicina da ilha, forma profissionais do mundo inteiro, incluindo brasileiros. Ainda assim, quando chegam ao Brasil, os médicos passam por um período de acolhimento, no qual são capacitados sobre o funcionamento do SUS, temas de saúde e português. Ao final desse período ainda passam por uma prova de admissão final. Logo, a revalidação demandada é surreal.

Ponto 6 (e talvez um dos mais importantes) – Os termos da cooperação são pactuados entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde de Cuba. Ninguém é “escravo” ou “obrigado a trabalhar” no Brasil. Os médicos recrutados são, em sua maioria, profissionais que já tiveram atuação humanitária em diversos países do mundo (como a crise do ebola na África ou países centro-americanos. Cerca de 25 mil profissionais atuam fora do país atualmente.

*Lara Stahlberg é Mestre em Brasil em Perspectiva Global pelo King’s College London. Tema da dissertação: International cooperation and health policy: An analysis on the design and implementation of the Mais Médicos Programme in Brazil.

            Parece que estamos falando de dois tipos de medicina: uma focada nas especialidades, que aprofundam o conhecimento, da fisiopatologia das células, órgãos e sistemas, do desenvolvimento de novas técnicas terapêuticas, psíquicas, químicas e fisiológicas, que implicam em laboratórios e hospitais com gente bem treinada e equipamentos de ponta; a outra medicina é focada nas necessidades básicas da população, nas doenças causadas por falhas na educação, higiene, condições socioeconômicas, etc. A primeira medicina exige um tempo de graduação de 6 anos, de pós-graduação de 4 anos, e talvez pós-doctor e outros treinamentos dentro e fora do pais ao longo da vida profissional. A segunda medicina necessita de um tempo menor, em torno de 4 anos, para apresentar ao futuro profissional as doenças que acometem a população de baixa ou nenhuma renda, de baixo ou nenhuma escolarização, como tratar e/ou encaminhar esses casos e que possam residir no local de trabalho. Isso justificaria nenhum desses médicos terem a competência para assumir um cargo num hospital preferido pelas autoridades que os equiparam com os primeiros, e correm para uma assistência tipo Sírio-Libanês.

            Focando esse aspecto, seria necessário o esclarecimento do tempo de formação de cada profissional que viesse a trabalhar conosco, com suas devidas denominações. Seria também importante que o país tivesse a preocupação de formar esses profissionais com um menor tempo de estudo para o enfrentamento das doenças de nossa população carente, mas sem desvirtuar o compromisso da Universidade com a especialização e o avanço da ciência médica. Seria mais eficaz, mais honesto, mais econômico e mais seguro a formação desses profissionais dentro do Brasil, sabendo a carga horária que eles teriam de cumprir, o local onde iriam atuar e o salário que iriam receber. Acredito que não iria faltar candidatos, professores e a própria Universidade poderia gerir dentro da academia a formação desses novos profissionais.

            O PMM do jeito que está sendo aplicado, principalmente em relação a Cuba, ao meu ver, está indo de encontro aos direitos fundamentais daqueles profissionais que chegam até nós e dos nossos compatriotas, pela falta de transparência de que tipo de profissional está chegando, que desperta o nosso alerta de defesa de nossa soberania.


Publicado por Sióstio de Lapa em 21/11/2018 às 02h01


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr