Meu Diário
14/05/2019 00h10
O AMOR E A FAMA

            Jamais pensei que o amor tivesse tanta força. Pensava que a minha vocação de professor, de ensinar alguém a ser importante, famoso e muito rico, era a grande ventura de uma vida. Conheci Lilian, e nunca imaginei que o meu peito iria explodir de tantos sentimentos contraditórios.

            Ela era uma jovem bonita, vivaz, encantada pela vida, e aprendeu a gostar tanto de mim que colocava o sucesso que já começava a ter, em segundo plano, queria casar comigo e viver uma vida simples, num ranchinho na montanha, ouvindo a sintonia do rio que corria diariamente sobre as pedras.

            Reclamei com ela, que ela era uma menina boba, que não queria aproveitar a oportunidade que lhe chegava nas mãos; estava com um convite de respeitada universidade para fazer o importante curso que ela tanto se destacava.

            Eu percebia lágrimas em seus olhos enquanto ela pedia para casar comigo, que nada mais lhe interessava que termos uma vida juntos, que pudesse sempre acordar pela manhã e abraçar o meu corpo, dividir sorrisos, beijos... ela pedia apenas que eu aceitasse casar com ela, que dissesse sim, e resistia o quanto podia, o que eu fazia para empurrá-la para a fama.

            Não percebi o quanto eu estava sendo mercenário ao ver uma aluna minha famosa e talvez me puxasse para a fama ao lado dela. Não percebi o quanto ela estava se afastando com os meus empurrões, o seu olhar de desamparo, de perder uma fatia do paraíso que experimentava quando juntos caminhávamos e brincávamos pelas trilhas dos caminhos verdejantes, sob o sol, o luar, ou mesmo sob os pingos da chuva.

            Ela foi embora como eu queria. Fez sucesso como eu imaginava. Agora era uma pessoa famosa, reconhecida em todo o país. Já faziam oitos anos que ela tinha ido embora, e nunca falamos depois daquele dia fatídico, que eu não sabia diferenciar o poder do amor. Era ainda iludido pelo poder da fama.

            Mas o tempo me fez ver a diferença. A ausência de Lilian em minha vida, deixou um vácuo que eu não conseguia preencher, nem com outras alunas que estudavam comigo e que também tinham vocações promissoras. Cada ano que passava eu vinha a conhecer a força de um sentimento que sempre está associado ao amor: a saudade. Aprendi que essa saudade era o amor de Lilian que ficou comigo. E cada dia crescia mais. Eu não podia podar. Pelo contrário, cada vez que eu lembrava dos momentos que eu tinha com Lilian, mais a saudade aumentava, mais eu reconhecia nela o sentimento do amor.

            Foi nesta época que foi anunciado com toda a pompa que a Dra. Lilian viria visitar nosso povoado, viria fazer um trabalho e seria muito bem recompensada. De início eu pensei em evitar me encontrar com ela, estava ressentido por ela nunca haver se comunicado comigo, de não ter respondido às minhas tentativas de falar com ela. Mas não consegui colocar isso em prática. O amor que se avolumou em meu coração era tão grande, que me forçou a ir correndo, literalmente, ao seu encontro.

            Cheguei no momento que ela finalizava seu trabalho, ovacionada de pé pelos presentes. Senti o rosto dela se alegrar quando percebeu a minha presença. Ela me convidou para conversarmos reservadamente, e perguntei porque ela não respondeu as tantas cartas que eu enviara. Ela respondeu com o semblante tristonho, que a raiva é uma coisa perigosa. Percebi que naquele dia que ela pedia para casar comigo, porque me amava tanto, e que eu a empurrei para a fama contra a sua vontade, ela se afastou de mim, fez o que eu pedia, mas levou consigo um vírus que eu criei na hora e inoculei dentro dela: a raiva.

            Percebia tudo isso, mas agora era tarde demais. Mesmo assim ainda tentei e pedi para ela casar comigo, que eu a amava. Mas ela disse que agora era tarde, era uma pessoa mudada, mesmo que ela quisesse não era possível.

            Minhas lágrimas banhavam o meu rosto e percebia também as lágrimas dela. Ela era agora uma pessoa coberta pela fama, com compromissos pelo mundo inteiro, muito dinheiro envolvido. Eu, que dava tanto valor à fama, fiz com minha atitude o congelamento dentro dela do amor que ela tinha por mim. E eu, que tanto valorizava a fama, o tempo me fez ver o poder do amor, que nada na vida me encanta, pois, o meu amor por Lilian está mais vivo e potente do que nunca, mas ela agora está longe do meu alcance, no seu coração existe um bloco de gelo que representa o amor que ela tinha por mim. E quanto mais ela recebe os aplausos da fama, mais esse amor ressentido dorme sem esperança.


Publicado por Sióstio de Lapa em 14/05/2019 às 00h10


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr