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QUANDO O ANO PERDEU UM DIA
O Natal e o Ano Novo foram sempre momentos de muita tristeza para mim. Enquanto todos ao meu redor ficavam a cada hora mais contentes até o momento de alegria apoteótica do fim de ano, eu me encolhia dentro de mim mesma até o momento em que vazava todos esses sentimentos acumulados em lágrimas, que passaram a ser minhas fiéis companheiras nos últimos dias do ano.
Eu sabia qual era o motivo de tudo isso. A falta que meu pai fazia nesses momentos. Apesar do amor da minha mãe, do carinho da minha tia e da atenção cuidadosa de todos os meus demais parentes, eu não tinha a presença do meu pai! Ele era soldado das forças de segurança que mantinham a nossa sociedade estável e sempre era convocado para a frente de batalha nesses momentos que era preciso a consolidação das instituições sociais, principalmente a família. Quem me dera que ele fosse comandante, com certeza colocaria em prática os seus pensamentos e tantas pessoas como eu, que derramam lágrimas nesse período do ano, deixariam de tanto sofrer. Mas o que eu poderia fazer? Era somente uma menina de 13 anos. A ninguém eu poderia apelar para resolver meu problema. Papai Noel? Eu já tentara em diversos anos. Deixava minha meia pendurada na janela e dentro dela um pedido: “Papai Noel, traga o meu papai para perto de mim neste fim de ano! Já estou cansada de ficar sozinha enquanto todos brincam, riem, fazem brindes, fotos, estouram fogos ao lado de seus pais e eu aqui sem o meu”. Mas Papai Noel nunca conseguiu me atender. O máximo que ele conseguia era uma boneca, uma bicicleta e assim por diante. Eu sorria para fora para ser simpática e agradecida, mas por dentro ficava frustrada e fazia força para prender as lágrimas e assim não tirar o disfarce do meu sorriso.
Não sabia mais a quem recorrer para resolver meu problema. Já pensava que iria carregar isso comigo durante toda a minha vida, infância, adolescência e ter que administrar enquanto adulta esses sentimentos reprimidos. Foi quando surgiu à minha mente uma outra probabilidade.
Aprendi que nós temos além de nossos pais biológicos, um outro Pai muito mais poderoso, que a tudo criou, inclusive a mim e meus pais. Aprendi também que podia conversar com Ele através da oração, agradecer pela existência e pedir àquilo que tivesse necessidade. Caso Ele achasse justo, providenciaria de algum modo.
Eu já possuía conhecimento suficiente para saber que esse pedido era de difícil, quase impossível realização. Mas também sabia que para este meu Pai nada era impossível, Ele era criador também de milagres. Então, a partir do momento que completei meus treze anos, nas minhas orações com Deus sempre colocava o problema das festas de fim de ano.
Uma noite, depois de ter feito uma prece fervorosa onde meu coração falara por mim, sonhei que encontrava na frente da minha escola um velhinho que tocava uma música maravilhosa com seu violino. Ao me ver ele parou com a música, olhou dentro dos meus olhos como se quisesse reconhecer minha alma e falou simplesmente: “menina, você foi atendida!” Em seguida voltou a tocar sua música sublime e eu entrei na escola com a cabeça cheia de interrogações. Só sei que a partir daí, o fim do ano se aproximava e também o meu pai se aproximava cada vez mais de mim. Já não tinha em meu coração tanta tristeza pela proximidade do Natal, pelo fato do meu pai está decididamente perto de mim, pela chuva de presentes que a cada dia ele trazia com tanta diversidade, pelos banhos de mar, brincadeiras nas ondas, fotos, beijos, abraços... Sim, eu estava repleta de sua presença e não era a sua falta na noite de Natal que iria tirar essa felicidade de mim. Foi a primeira vez que comemorei o aniversário de Jesus junto aos meus demais parentes com alegria no coração. Já agradecia a Deus nas orações o que Ele havia feito por mim e me preparava para enfrentar o fim de ano nas mesmas circunstâncias. Foi aí que o milagre aconteceu.
O meu pai ficou comigo todo o dia 30 de dezembro o que ele nunca antes fizera. Disse que esse seria considerado para nós o último dia deste ano.
Com que autoridade ele dizia isso? Pensei.
Logo, como se ele tivesse lido meus pensamentos, argumentou: “ora, se os homens a cada ano diminui ou aumenta uma hora no relógio, com o horário de verão, para distribuir melhor a energia elétrica, porque nós não podemos mexer um dia no calendário para distribuir melhor o amor”?
Achei muito lógica a sua argumentação e a partir daí esse meu “fim de ano” foi maravilhoso. Fomos para uma praia longínqua e exótica, tomamos banho à luz do luar, pulando sobre as ondas e levando oferendas ao rei Netuno, tiramos fotos de nossas poses e de caranguejos, comemos pizza, sorvete e refrigerante. Voltamos para casa com nossos corações exultantes. Depois de tomar banho e tirar o sal do corpo, fomos para a mesa. Cortamos um pudim, colocamos suco de uva em nossas taças e comemoramos ao som de uma música espiritualizada dirigida à passagem de ano que meu pai colocou no seu notebook. Lemos em alta voz a mensagem que passava na tela e depois cada um de nós fez um brinde expressando àquilo que sentia dentro do coração. Concluímos com muitas fotos, beijos e abraços enquanto a música terminava e passava a estourar fogos de artifícios que coloria a tela do computador em todos os matizes. Senti realmente que estava com o meu pai no início de um novo ano.
Foi uma experiência maravilhosa, mas sei que não poderei contar para ninguém. Mesmo porque muitos não acreditam nem que temos um outro Pai, quanto mais que Ele possa fazer esses milagres, tirar um dia do calendário e atender nossos pedidos. Agora sei que mais tarde enquanto todos estiverem comemorando o início do novo ano eu também estarei rindo com eles. Só que eu terei um motivo extra para rir: eles não sabem que eu entrei no ano novo há 24 horas atrás.
Quanto ao meu pai não estar presente, é mais um engano de todos. Da mesma forma que sei que meu Pai celestial existe, que é Criador de tudo, tudo pode fazer e sempre está comigo mesmo que eu não O possa ver, assim também sei que o meu pai existe, que me gerou por amor, que muito pode fazer e sempre está comigo mesmo que os olhos não possam lhe ver.
Feliz 2010!

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 26/12/2011
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