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O TSUNAMI
De repente me via fora do corpo acompanhado por uma pessoa que agora não lembro mais. Clóvis? Ficamos maravilhados com a situação, de poder flutuar, de poder penetrar na água, de atravessar paredes. Tudo isso acontecia e nossa consciência permanecia íntegra, nossa memória registrava tudo e ao mesmo tempo evocava o que era necessário, enfim uma vida normal. O corpo não fazia nenhuma falta, pelo contrário, a ausência dele deixava o meu ser com mais liberdade.
Encontrei logo adiante Edna. Estava muito bem vestida, com um vestido longo de babados e de cor acinzentada. A chamei pelo nome e foi difícil ela se dirigir para mim. Eu mostrava entusiasmo por ter lhe encontrado. Ela me reconheceu, mas permanecia com sua indiferença. Cheguei mais perto dela e a cumprimentei com alegria por ter lhe encontrado naquele local. Meu parceiro também a cumprimentou. Eu a beijei na face, mesmo assim ela continuava com sua passividade.
Continuei seguindo com meu companheiro e encontrei a minha avó materna, Sinina. Estava com um dos seus tradicionais vestidos simples, de bolinhas, e com um lenço amarrado na cabeça. Chamei-a pelo nome, perguntei se ela não se lembrava de mim, mas o seu olhar flutuava indiferente pelo ambiente. Meu coração sofria pelo estado de dementação que ela apresentava. Era como um robô cuja memória não funcionava adequadamente. Procurava ainda se ligar nos alimentos, na sobrevivência da carne, disso ela parece que não havia se desligado. Ofereci um pedaço de um tipo de pão que estava à minha disposição e ela o pegou como se o objeto fosse o mais importante e não quem o estava doando.
Quando voltei a caminhar com meu companheiro por aquele belo e estranho lugar, vi adiante uma enorme onda que avançava em nossa direção destruindo tudo que encontrava em sua frente. Logo percebi tudo o que estava acontecendo. Nossa terra material estava sendo fustigada por um tsunami e aquela saída do corpo funcionou como uma tábua de salvação para nossos espíritos. Meu companheiro falou que era como o arrebatamento dos católicos, quando o corpo cai de repente em qualquer lugar inconsciente e o espírito entra no gozo do Senhor. Preparei-me para entrar dentro do torvelinho da água e percebia tanta destruição que estava sendo processada. Comentei com meu parceiro por pensamento que acabara de passar por minha mente um sentimento de perda, do meu belo apartamento que foi o primeiro a ser destruído pela onda arrasadora.
Agradeci a Deus pela chance de ter sido um dos escolhidos. Ao acordar lembrava perfeitamente da face robotizada da minha avó. Pedi a Deus que a amparasse, que desse chances para ela entrar no caminho da justiça, do amor e da solidariedade.

(texto produzido em 06-04-10)
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 01/01/2012
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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr