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A AMIZADE QUE RESTOU
Um dia fui expulso de casa. Não quero colocar culpas em ninguém. Caso eu tivesse feito tudo que minha mulher esperava ela não teria tomado essa decisão extrema, inclusive com o apoio do meu filho de 18 anos. Minhas convicções e ações terminaram por me tornar “persona non grata” para ela, dentro da minha própria casa. Mas será que minhas convicções estão erradas? Penso que o amor deva ser eterno, indestrutível, incondicional, ilimitado... mesmo que por qualquer acidente ele se torne obnubilado, sempre restará a amizade como base incorruptível e onde ele está assentado.
Pois bem, sinto que meus dois entes queridos ficaram com o amor que têm por mim obnubilados, principalmente a mulher que foi a mais afetada. Porém, mesmo eu não encontrando expressões de amor nas suas relações comigo, devia estar presente a amizade. Não encontro! Minhas convicções estão erradas? O amor pode ser destruído e junto com ele a amizade? Mas por que eu continuo sentindo o mesmo amor por eles? Por que a minha amizade que estende a mão nunca mais teve a recíproca? Será que somente algumas pessoas conseguem amar assim de forma indestrutível, incondicional? Devo colocar esse detalhe nos meus paradigmas de vida? Aquele lar que vivi 20 anos de minha vida tentando ensinar na teoria e nas ações essa forma de amar, não foi aproveitada nenhuma vírgula? Estou errado? Devo amar de forma condicional e sem a base sólida da amizade? Isso me parece tão pífio!
Dentro dessa confusão que se instalou na minha mente e constrangia meu coração, outro personagem surgiu para me trazer alívio. Foi o cão que morava conosco. Um alegre e brincalhão rottweiler. Notei que quando chegava no quintal e lhe agradava a cabeça como sempre fazia, seus grandes olhos negros que sempre eram alegres agora estavam tristes. Era como se me perguntasse por onde eu andava que o deixava tanto tempo sozinho, sem os passeios matinais, sem as corridas na praia... sem nenhuma explicação! Mas logo que o chamava pelo nome e perguntava como estava, seus olhos voltavam a brilhar. Jogava suas pesadas patas sobre mim e como um cabrito ficava a saltitar na minha frente chamando para brincar. Eu via ali uma demonstração clara de uma amizade inalterada, da amizade que restou naquela casa. Não tenho o tempo para brincar como ele quer, sou considerado na casa um pária, não tenho a chave da porta, só posso ir em horas controladas, minha presença traz mal estar...
Não consigo falar para ele essas justificativas, mas sei que há uma comunicação em nosso olhar. Dentro da sua agitação natural, ele consegue parar e me fitar por longo tempo. É como se tivesse absorvendo os meus sentimentos e entendendo o que meu coração pede: “fica meu amigo nesta casa e protege as pessoas que amo!”.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 11/01/2012
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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr