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A LÁGRIMA QUE CORREU POR DENTRO
Sempre defendi com todos e principalmente com minha namorada, o amor incondicional. Eu dizia que a amava e era verdade, que o amor era eterno e é verdade, que a amava sem sofrer independente do amor que ela devolvesse para mim, e não foi verdade. Acaso um dia ela desenvolvesse amor por outra pessoa, dizia eu, automaticamente irei também gostar dessa pessoa e ficarei muito contente por você estar feliz, mesmo que seja por outro.
Ela acreditava em tudo isso, pois nunca disse qualquer mentira para ela sob qualquer pretexto. Ela achava até esquisito isso, mas muito bacana. Eu, acreditava piamente que tudo isso se enquadrava no amor incondicional, que o nosso amor era eterno e que nunca iria acabar. Mas o destino me pregou uma peça naquilo que eu era ignorante: o amor pode ser eterno, mas as pessoas mudam.
Um dia ela chegou para mim e com ar jovial de quem estava caminhando nas nuvens disse que estava apaixonada. Eu pensei logo que ela se dirigia carinhosamente para mim, disse que também estava apaixonado por ela, talvez mais do que ela mesma. Foi quando ela retrucou, sem perder o ar jovial.
- Deixa de ser bobinho, eu estou apaixonada por outra pessoa. Foi tudo tão de repente! Assim que nossos olhares cruzaram pela primeira vez eu senti como uma descarga elétrica em todo meu coração. Parecia que eu iria sufocar, perder o ar e desmaiar. O coração disparou e tive que baixar os olhos para ele não notar minha perturbação. Mas foi inútil. Ele já havia percebido. Aproximou-se de mim, conversamos, marcamos outros encontros, voltamos a conversar em diversas ocasiões e sentir que o primeiro sentimento estava se fortalecendo cada vez mais entre mim e ele. Ele ficou triste quando soube que eu tinha namorado, pois ele disse que sempre me procurava pelos caminhos do destino e até aquele momento não tinha ninguém na sua vida. Então eu falei para ele da beleza do nosso amor, meu e seu, que você, meu namorado, tinha um jeito divino de amar, que se eu um dia amasse alguém mais do que a ele, ele ficaria feliz com o fato de eu estar mais feliz do que com ele. Então fiquei de falar hoje com você e de marcamos um encontro para nos conhecermos e reajustar nosso relacionamento. Ficarei a namorar com ele e ficaremos como amigos e sei que todos ficaremos muito felizes com tudo isso, pois foi isso que sempre você procurou me ensinar.
Logo se formou um nó na minha garganta, acredito que tenha ficado lívido. Não encontrava palavras para lhe responder. Procurei controlar o coração que queria disparar e a voz que queria dizer num clamor: POR QUE? Virei o rosto como se tivesse procurando alguma coisa na parede oposta para disfarçar o esforço da minha boca, língua e voz, e conseguir dizer: tá certo...
Ela acertou logo o encontro para o próximo fim de semana. Queria o mais rápido deixar todo o seu sentimento com o recém descoberto amor da sua vida. Eu fui para o local acertado como um boi inteligente vai para o matadouro sabendo da sua sorte inevitável. Mas eu devia ser forte. Eu continuava acreditando no Amor Incondicional e que sentir-se feliz com a felicidade da nossa pessoa amada, mesmo nos braços de outra pessoa, era a consequência lógica disso. Eu sabia que a minha amada estava feliz, mas porque eu nãome sentia feliz na mesma dimensão, ou se assim não fosse, um pouquinho só? Mas tal não acontecia, nenhuma gota de alegria surgia na minha consciência por esse desenrolar dos fatos, e sim uma nuvem carregada de tristeza que queria a todo custo escurecer os meus pensamentos.
Eles já estavam sentados na mesa de uma cafeteria, na frente de um para o outro, de mãos dadas e com os olhares a se hipnotizarem mutuamente. A pessoa que eu amo está ali na minha frente, feliz com outra pessoa. Devo ficar feliz com a felicidade dela e amar também essa pessoa que a deixa tão feliz. Esta era a lição amor incondicional que eu como aluno aplicado estava fazendo racionalmente. Mas onde estava o sentimento de felicidade que deveria acompanhar esse raciocínio? Por que só queria vir tristeza para tomar conta do meu emocional? Mas se eu demonstrasse isso iria toldar a felicidade da minha amada, não poderia deixar isso acontecer. Forcei um sorriso e me apresentei, os cumprimentei e disse que era uma grande alegria para eu, conhecê-lo. Não consegui falar mais nada, pedi desculpa por ter que sair tão rápido, mas que tinha outro compromisso e que eles também prefeririam ficar sozinho. Os dois se mostraram encantados com minha atitude e sai sem saber que direção tomar. Imagino que ela tenha acreditado que eu realmente estava feliz com a felicidade dela como sempre ensinei que poderia acontecer. Ela não percebera o esforço que fiz para não deixar transparecer a minha tristeza. Só agora dimensiono o esforço que fiz para as lágrimas não banharem minha face, sinto um gosto salgado na boca que nada mais é que o desvio das lágrimas que correm como cachoeira por dentro do meu corpo.
Não deixarei de acreditar no amor incondicional, sei que ele é a maior força do Universo, que chega a se aproximar da personalidade de Deus. Mas ainda sou frágil na sua aplicação e portanto tenho que omitir a felicidade que ainda não tenho, quando perceber a minha amada sendo feliz nos braços de outra pessoa.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 26/03/2012
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