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SONHO REALIZADO
Jamais diga que um sonho não pode se realizar. Tenho provas disso. Eu mesmo tinha um sonho que todos diziam ser impossível, mas consegui realizar, mesmo que eu não tenha testemunhas do que vou dizer. Peço apenas sua credulidade, caro leitor para aquilo que vou narrar.
Tudo aconteceu a partir de um fato bastante comum e corriqueiro. Fui ao Instituto Médico-Legal e autorizei colocar na minha identidade: doador de órgãos. Queria pelo menos ajudar alguém a realizar seus sonhos já que os meus todos diziam ser impossível. Eu queria encontrar o amor perfeito, incondicional, com as tinturas de um romantismo inclusivista, que não pensasse na exclusividade de ninguém; um amor que não precisasse de palavras para dizer: eu te amo, bastaria fitar nos olhos que a linguagem silenciosa deles se processaria e somente as lágrimas poderiam sinalizar a intensa emoção que experimentavam; um amor que pudesse suportar a ausência, mesmo sabendo que naquele momento o seu amor, outro amor estaria dando a outra pessoa; um amor que no silêncio da voz e na ausência do corpo soubesse me sentir dentro dela tão forte quanto qualquer experiência real; um amor que tomasse a lembrança de um minuto do tempo que passássemos juntos como um antídoto para qualquer sofrimento que a dúvida pudesse trazer quantos os anos felizes do porvir; um amor que não tivesse medo de entrar em qualquer incêndio emocional, de acusações e perjúrios, só para evitar que uma lágrima de tristeza caísse dos meus olhos; enfim, um amor para recordar que a vida é sentida no coração, que eu o completo por total na minha presença e que na minha ausência fica a minha aura capaz de exalar seu perfume a quantos se aproximem de minha amada! Por isso todos diziam: você é louco, lunático, idiota, infantil... jamais conseguirás encontrar uma pessoa assim! Isso de certa forma era confirmado, pois minhas namoradas acabavam o relacionamento afetivo comigo quando percebiam o que meu coração procurava. Vivia só apesar de ter tanto amor no coração, pois quem de mim se aproximava passava mais a sofrer do que ter prazer, ser feliz, não conseguiam fazer de mim o que elas sonhavam. Então, era melhor a separação.
Eu vivia assim uma espécie de castigo de Sísifo (entidade mitológica que foi condenada pela eternidade a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, se tornando assim o símbolo do esforço inútil) afetivo. Desenvolvia relacionamentos amorosos profundos para logo a força da incompatibilidade levar tudo ao ponto zero, e assim com tantos outros e mais outros...
Foi quando o inesperado aconteceu. Sofri um acidente fatal e meus órgãos sempre saudáveis foram doados para quem os necessitavam. Meu coração foi doado para uma jovem compatível que tinha a minha idade aproximada. Parece que minha consciência seguia aquele órgão, meu coração. Nos primeiros dias foi tudo muito estranho, era como se eu tivesse sido acolhido em outro lar, o corpo da minha hospedeira. Também eu passei a conhecer os pensamentos e sentimentos dela, apesar dela não demonstrar ter o conhecimento da consciência no meu coração. Passei a acompanhar seus pensamentos e sentimentos em volta com a natureza. Voltei a sentir o mundo através das percepções dela. A cada dia que passava eu ficava mais encantado com a forma dela agir, sentir e amar!?! É aqui que surgiu a confusão. O amor sentido era meu ou era dela? O coração era meu, mas o pensamento era dela. Onde estava a fonte do amor, no coração ou no cérebro? Não fiquei insistindo nesse ponto, era perda de tempo. O que valia a pena era desfrutar desse amor que eu sentia como se fosse um prisma dentro do peito.
A minha amada proprietária me levava consigo para os locais mais belos: ao por ou nascer do sol, para caminhar nas areias da praia e puxar a rede com os pescadores; aos santuários ecológicos a caminhar pelas trilhas cobertas de folhas em busca de observatórios onde podíamos divisar o encontro do mar com o céu; até o ápice do amor, quando ela encontrou um namorado que se tornou seu companheiro e eu percebia nos mínimos detalhes todos os sentimentos que eu sempre esperava que uma mulher sentisse por mim. Fiquei perdidamente apaixonado por ela e ela pelo namorado. Sei que o amor dela por ele será eterno e também sei que o meu amor por ela é eterno.
Assim, meu caro leitor, evoco seu testemunho, com a minha história, de que os sonhos podem ser realizados, por mais impossíveis que pareçam. Só não me peçam para explicar um detalhe que até hoje eu não sei o que dizer: será que ela ama agora com o meu amor e eu não fiz mais do que me apaixonar por mim mesmo?
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 17/11/2012
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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr