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TUDO ESTÁ ALGO MUITO ONDA
Afonso Soreano era uma alma boa, mas dominada pelo desejo do álcool. Seu coração era grande, cabia dentro dele muito amor e até que ele sabia distribuir. Mas infelizmente seu estômago também era grande e sedento de álcool, atrapalhava suavida e seus sentimentos. Era um bom trabalhador, conseguia ainda separar suas responsabilidades da incompatibilidade do uso do álcool. Infelizmente não teve a mesma sorte com as mulheres. Fora casado duas vezes e em ambas foi abandonado, literalmente expulso de casa por suas mulheres que não toleravam se verem trocadas por um copo de vinho. Não era falta de amor, nisso Afonso era insuperável, mas o abandono que ele deixava suas companheiras, o sentimento de solidão, de serem trocadas por algo tão abjeto, minavam o sentimento nobre do amor e adubavam o sentimento negativo, da raiva, da intolerância, até as raias do desespero.
Mais uma vez Afonso estava envolvido com um grande amor. Elisa, moça jovem, bonita, romântica, logo foi sensibilizada pela aura de amor que Afonso sempre exibia ao seu redor. Até que ele foi honesto, disse para ela a paixão que tinha pelo álcool, que não pretendia trocar o seu “vício” por nenhum tipo de relacionamento. Tinha o maior prazer em consumir o álcool, se deliciava com o efeito torporoso em seu corpo, com o apagar das angústias que por vezes queriam correr por sua alma. Elisa achou que isso não seria problema, acreditava que a força do seu amor iria colocar um freio em desejo tão destrutivo.
O tempo passou e não havia alteração no comportamento de Afonso, pelo contrário, parecia que cada vez mais ele era dominado pela força do álcool e Elisa cada vez mais se sentia abandonada, menosprezada. Mesmo nos momentos mais críticos da vida de Eliza, Afonso preferia ficar nas festas ao curtir sua bebedeira. Ela perdeu a paciência, não podia viver assim com uma pessoa que não a respeitava, não a priorizava, não cuidava. Foram conversar à beira-mar. Ela estava disposta a tudo terminar, mesmo que seu coração ainda reclamasse, ainda quisesse ficar com ele. Mas ela já decidira, este seria o seu último encontro.
Afonso se sentiu encurralado, sabia que ela tinha razão, ele priorizava o álcool em detrimento dela e confirmou essa verdade. Mas também confirmou o que ia dentro do seu coração. Disse o que seu coração pedia para falar, que a amava com toda a pureza d’alma, que não a queria perder, que sofria com o seu sofrimento... revoltada Elisa chegou a gritar em seus ouvidos, que não queria que ele dissesse que a amava, que não era verdade, que não a chamasse de querida ou amada, pois isso também era falso!
Afonso parou de falar, olhou para ela profundamente e disse com toda a sinceridade que o caracterizava, que ele iria lhe obedecer, não iria mais declarar o seu amor, não iria mais lhe chamar de benzinho, de amada, querida ou termos semelhantes. Não que esses sentimentos não existissem dentro dele, mas para atender o seu pedido, já que ele não costumava fazer algo repudiado pelo outro.
Foi um momento tenso do encontro. Afonso não estava alcoolizado, Elisa estava ressentida; ambos estavam sensibilizados. O silêncio imperava. Apenas o som das ondas do mar ao se espalhar pelas areias da praia era ouvido com repetição milimétrica. O sol se escondia no horizonte e o abraço lento da noite se fazia notar ao esconder no seu âmago a linha fictícia do horizonte, onde o céu encontra o mar. A brisa que soprava do mar para terra e espalhava no ar os cabelos de Elisa se tornava cada vez mais fria como se fosse uma parceira gélida do clima emocional que dominava no silêncio de ambos. Afonso se esforçava para conter o que coração queria dizer, estava proibido, mas não podia evitar das lágrimas se formarem e o denunciar ao correr sem vergonha pelo seu rosto. Elisa cada vez mais cruel, não perdoava, perguntava qual era a dramatização que o pobre Afonso iria representar dessa vez. Afonso permanecia calado e tentava com mais esforço segurar as lágrimas, mas essas como sinal de rebeldia do coração por não poder falar, engrossava cada vez mais a fonte.
Mas Elisa estava decidida a ser eficaz,, determinada e até cruel, não iria mais permanecer nesse relacionamento. Ainda era uma pessoa jovem, considerava, e tinha todo um futuro promissor pela frente. Por que desperdiçar tudo isso com um cachaceiro? Perguntou se ele não tinha nada a dizer, já estava indo embora. Afonso, preso ao compromisso de não poder falar de amor, olhava para ela com ternura, mudo. Conseguiu pegar na sua mão, beijou-a  com delicadeza, acariciou-a... depois, como se tivessse saindo de uma peleja onde o coração quer falar e a mente a impede, ele olhou ao redor, como se tivesse procurando alguma coisa na Natureza ao redor e disse uma frase enigmática, que Elisa não fez nenhuma relação:
- Tudo está algo muito onda! Tudo está algo muito onda!
Elisa franzia a testa tentando compreender o que Afonso queria dizer. Não conseguia alcançar o sentido. Perguntava a ele o que ele queria dizer com essa frase. Ele dizia que não podia, que estava impedido. Elisa começava a ter mais uma preocupação, será que o seu amado alem de alcoólico estava começando a demenciar, a enlouquecer como acontece com tantos como ele? Olhava para ele com pena e compaixão, ao mesmo tempo raiva e ressentimento. No olhar de Afonso só existia amor, amor que ele não podia dizer... e tristeza, uma profunda tristeza por mais uma vez ele perder na vida um grande amor. Elisa, inexorável, começava a tirar suas mãos de dentro das dele e se afastava... Afonso continuava sentado, agora a distância não deixava mais Elisa perceber que as lágrimas dobravam o seu fluxo. Só conseguia perceber como um solo enquadrado no marulhar das ondas a frase enigmática:
- Tudo está algo muito onda! Tudo está algo muito onda!
A noite dominava agora toda a extensão da praia, sem lua, sem estrelas. Um verdadeiro cobertor de trevas ao cobrir o corpo de Afonso, já que sua alma estava coberta pela tristeza. As lágrimas agora sem testemunhas se misturavam com as espumas salgadas que vinham do mar. Lágrimas que eram cada vez mais produzidas pelo coração machucado que num derradeiro esforço para não perder o amor enviou uma mensagem enigmática, mas que sua amada não entendeu, o coração dela não sintonizou com o seu, não conseguiu pegar na frase o que o acróstico queria dizer... e ele não podia explicar! Estava impedido! Somente resta agora repetir, repetir, repetir... insanamente, na esperança que o vento leve a mensagem e sua amada sintonize ou alguém a decifre e informe para ela e assim dar mais uma vez, chance ao amor.  
- Tudo está algo muito onda! Tudo está algo muito onda!
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 20/12/2012
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