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EU VI UM CORDEIRO
Sou um viajante das estrelas, meu papel é visitar cada planeta e fazer considerações sobre seus habitantes e enviar para os meus superiores no meu planeta de origem. Gosto de fazer comparações com os animais que encontro, colocando as características de uns nos outros, isso ajuda a fazer meu trabalho com diversão. Pois bem, na visita que fiz ao planeta Terra achei por demais engraçado colocar as características de animais menos nobres no homem, o qual se acha superior a todos e a tudo, o rei da Natureza, somente por ter uma inteligência mais sofisticada. Então eu via o comportamento de cada ser humano e logo meu delicado sentido cognitivo fazia a comparação com outra espécie animal.
Era aquele valentão que não levava desaforo para casa, brigão e desaforado, comparava com o leão; aquele que atacava covardemente pelas costa, era a hiena; o que fazia gracinhas e piruetas para divertir os presentes, era o macaco; o que não tinha cuidado com a higiene e vivia sujo pelas ruas, era o porco... Assim eu ia observando e classificando, me divertindo e trabalhando, até que encontrei um ser humano que incorporava o mais humilde e delicado dos animais, o cordeiro. Ele tinha um porte elegante, atlético, másculo, poderia incorporar um animal mais valente, agressivo, mais impositivo. No entanto era de uma candura e serenidade impressionante. Acompanhei a sua entrada triunfal em Jerusalém montado em um simples jumento, pisando sobre flores e ao som das palmas de regozijo do povo em frenesi. Mas ele não perdia a serenidade, não se deixava levar pelo entusiasmo jubiloso da massa.
Acompanhei logo depois a sua prisão e o seu julgamento. Em nenhum momento observei alteração da serenidade, reclamação ou protesto. Apenas a um brutamontes que lhe esbofeteia o rosto ele faz uma indagação: - “Por que me bates assim se eu não faço nada?” Frente aos poderosos da realeza romana ou da religiosidade Judéia, ele não se defende, não denuncia, nada pede.
Mas o que mais me impressionou foi o percurso que ele fez com uma pesada cruz sobre os ombros até o local do suplício final. Mesmo após ter sido chicoteado de forma selvagem, ter recebido em sua cabeça uma coroa de espinhos, ter caído várias vezes no trajeto, mesmo assim não perdia a dignidade, sob o olhar surpreso ou irônico do mesmo povo que há poucos dias o havia recebido como rei. Mesmo colocado de forma vil, pregado na cruz entre dois ladrões, não perdia sua majestade!
Enfim, ouvi dos seus lábios ressequidos, da voz abafada pela secura do vento frio do fim de tarde, aquelas palavras que marcariam para sempre a minha consciência: -  “Perdoa-os, meu Pai! Eles não sabem o que fazem!” Toda a orquestração de dor converteu-se em musicalidade de esperança e amor. Ele não perdoava apenas os crucificadores, mas também os desertores, os negadores, os receosos e pusilânimes, os ingratos e maledicentes, os insensatos e rebeldes... Na imensa gama dos acolhidos pelo seu perdão, alcançava os promotores dos mil males que engendram nos homens a prova de suas mazelas e o agravamento de suas penas... Sua voz alcançou o penetrais do infinito e lucilou nos báratros das consciências inditosas de todos os tempos, abrindo-lhes os  braços da oportunidade ao recomeço da redenção pelo seu exemplo.
Sim, eu vi um cordeiro, e coloquei no meu roteiro todos os detalhes do meu testemunho. Desta vez eu não ria como acontecia com a marcação dos outros animais. Desta vez as lágrimas acompanhavam as palavras que eu escrevia. Eu não sei qual o objetivo dele com aquele comportamento, afinal eu não pertenço aquele planeta. Mesmo assim o meu coração criou uma forte simpatia por aquele homem que parecia um cordeiro.
Agora, na minha viagem de regresso ao lar, voando de volta no meio das estrelas, por mais que eu veja as maravilhas do universo, dos sóis, dos planetas, dos cometas, dos buracos negros, das galáxias, da velocidade da minha nave no mergulho do infinito, nada, mas nada mesmo!, consegue tirar de minha mente a minha última experiência na Terra, local que eu vi um homem com tanta beleza interior, que eu vi um cordeiro, um cordeiro de Deus!
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 11/02/2013
Alterado em 11/02/2013
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