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JÁ MORREU
Durante a reunião no grupo de AA em Ceará Mirim, em 05-05-19, o Sr. T. foi à cabeceira de mesa para dar o seu depoimento e um fato chamou minha atenção. Falou que vinha andando pela rua em que morava e uma pessoa o chamou ironicamente de “Já Morreu”. Lembrei que também já fui chamado por semelhante apelido, e hoje com o amadurecimento espiritual que obtive, faço outras interpretações desse e de outros fatos da minha biografia.
Esse apelido aplicado a mim, era devido ao meu aspecto introspectivo, olhar mortiço, sem participar das brincadeiras próximas das orgias do prazer, que tanto é comum em marinheiros. Isso não me incomodava tanto, reconhecia o motivo de tal apelido pelas minhas características, que eu não tinha interesse em mudar. Nunca forcei a minha índole para acompanhar os meus colegas em suas farras e brincadeiras.
Hoje, tenho uma compreensão mais aprofundada e considero o apelido uma verdade que em mim se desenvolveu num nível bem significativo: o distanciamento dos valores mundanos, chegando inclusive a controlar com rigidez o meu próprio corpo, como se estivesse bem deslocado em direção ao mundo espiritual. Por isso, intimamente, recebo como elogio a alcunha de “Já Morreu”, pois isso mostra que essas pessoas me consideram bem desligado do mundo material. Sei que quem age dessa forma, age com ironia, mas reconheço nessa ignorância do que se passa dentro de mim, algo que me deixa até vaidoso, por estar numa plataforma tão alta que isso já não me atinge, e eles nem sequer percebem isso. Claro, não recebo mais essa alcunha, pois o grau de evolução social, com um status bem diferenciado, me coloca longe do nível daquele marinheiro de 40 anos atrás.
Quando vejo o relato do membro de AA dissertando sobre o apelido que recebera, colocando o quanto a ironia lhe causou chateação, avalio o quanto distante estamos no ponto de compreensão e aceitação de tal observação externa, da ligação que podemos fazer com o mundo espiritual e isso nos deixar mais gratificado que humilhado. Mesmo com nossa participação no mesmo ambiente, uma sala de Alcoólicos Anônimos, onde durante o funcionamento se forma o Poder Superior, que envolve a todos, essa influência divina alcança cada um de forma diferente, de acordo com o arcabouço consciencial conquistado por cada um.
  Essa conquista espiritual que todos podemos alcançar, nos coloca numa posição privilegiada, que poucos compreendem, como se estivéssemos no alto de uma montanha, mesmo que não estejamos no topo, mas em posição suficiente para observar muito mais horizontes do que aquele que ainda se move na base.

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 19/05/2019


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr