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LIBERTAÇÃO (20)
João Evangelista tinha boa disposição de espalhar a Boa Nova do Reino de Deus que Jesus lhe ensinara. Ao passear pelo Rio Jordão, sentiu que as águas pedem libertação do seio da terra. Refletia, por que ele, como discípulos do Cristo não consegue se libertar das prisões do cativeiro da carne?
Não gostava da pesca, por enxergar nos peixes seres vivos com o mesmo direito de viver. Tinha muitos amigos na cidade de Jericó e passou a ensinar o Evangelho da forma que ouvia do Mestre. Como intermediário da Boa Nova, acendeu a chama da fé e da esperança naqueles corações simples.
Certa manhã, quando ele era solicitado para falar de Jesus, de repente se ouvia gritaria no pátio. Era um louco chamado Janjão, cabelos em desalinho, roupas rotas e boca espumante, com muitas escoriações, fazendo todos correrem. De repente, paciente, João estava de frente a Janjão.
João observou a inquietação daquela alma pelo desespero dos olhos. Lembrou-se de Deus e não esqueceu Jesus. O homem doente começou a apagar sua fúria quando o Evangelista lhe ensinou o nome de Cristo. Janjão sentou-se no chão, pediu que João fizesse o mesmo e falasse mais daquilo que estava dizendo. João discorreu com veemência sobre o Messias, os curiosos se ajuntando. Uns diziam que João era filho do Deus do amor. Outros, que ele era um profeta que nada temia.
Depois da conversa, Janjão acompanhou o apóstolo até a estalagem onde bebeu e comeu com desembaraço. Entendendo muito bem o que João falava, quis várias vezes beijar a mão do apóstolo, mas este não permitiu, dizendo que a cura vinha do Mestre. O doente de Jericó às vezes chorava, às vezes sorria e dizia que via um homem vestido de luz ao lado de João.
Quando em Betsaida, João aproximou-se do casarão e entrou nele com Jesus. Todos os discípulos ali já estavam. André sentiu-se no direito de orar e o fez com respeito. Tiago, ao lado de João, acentuou com entusiasmo. Há muito que você não fala, por que não pergunta a Jesus hoje sobre qualquer coisa?
João olhou para o Cristo que autorizou com um sorriso.
- Mestre, ficaria muito contente se nos dissesses acerca da Libertação de uma alma, de um povo ou da humanidade.
- A Libertação da humanidade e de um povo depende muito, mas muito, da Libertação individual. Por enquanto vivemos nos ensaios, e nesses ficaremos milênios, para aprendermos a verdadeira Libertação.
‘Livres são aqueles que começam a amar a verdade. Às vezes, João, trabalhamos para libertar um povo a que pertencemos pelo sangue, por fazer parte da comunidade a que pertencemos por nascimento. Essa Liberdade custa, como a história atesta, vidas e mais vidas. O saldo, depois da luta, de mortes e estragos, não nos deixa a consciência tranquila, enquanto não repararmos a covardia, a vingança e o ódio a que demos vazão.
‘Quando saímos vitoriosos, ficamos mais escravos pelo constrangimento de fazer muito mal a criaturas que, muitas vezes, nunca desejaram brigar.
‘Libertar uma nação é muito mais difícil, porque, quanto mais se mata pela liberdade, mais o cativeiro se estampa na consciência. A libertação que queres, comparando-a com a Natureza, podes tê-la.
‘Na verdade, te digo que ser-te-á dado muito mais, pela vigilância do tempo. Ouve bem, para que não te esqueças nunca: conhecerás a verdade e ela te tornará livre. Todavia, não procures essa verdade somente em um ponto da vida. Ela se estende em toda a sabedoria de Deus. A verdade é como o ar que não cansa de soprar em todas as direções.
‘Os homens da lei na Terra propõem a Libertação de um povo ou de uma nação por caminhos errados, pelas vias largas e métodos selvagens. A verdadeira Libertação haverá de surgir de dentro de cada criatura. Esse pode e deve ser um esforço coletivo.  Não é um trabalho de dias, nem de anos, nem de séculos, pois é um tempo longo.
‘Essa Libertação é feita de pequenas coisas, como a tolerância com discernimento, o trabalho com disciplina, o perdão sem exigência, o sorriso temperado na dignidade, o amor sem paixão, a persistência sem fanatismo e o dever com respeito.
Jesus olhou firmemente para o discípulo e comentou com consciência, do fato:
- Meu filho, o que fizeste em Jericó e que tomaste por Libertação de um homem, na verdade é só na aparência de liberdade.  Não deixa de ter o seu real valor na pauta do bem; no entanto, só ele mesmo poderá e terá esse direito da sua própria Libertação. O que fizeste por amor, serviu de toque espiritual, mas o resto, o mais duro de fazer, pertence a ele, somente a ele, para que possa desfrutar dos seus próprios esforços no alvorecer da sua maturidade. Se queres desatar dentro de ti a força da Libertação, tal trabalho está em tuas mãos. Ama e começarás bem; ama e começarás a sentir a felicidade; ama que o amor te beneficia por dentro, igualmente te ajudando por fora. Se procuras uma liberdade fácil, tu mesmo és o primeiro a desconfiar dela, sentindo a sua falsidade.
‘A razão não inaugura no homem a Libertação. Somente quem tem o poder de fazer isso é o amor. E, para que a criatura ame a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, tem de passar por todas as fervuras do espaço e do tempo. A coroa dessa conquista é a Libertação.
‘Pensaste bem agora. Não foste somente tu que ajudaste o irmão enfermo a se livrar de perseguições espirituais. Primeiramente, foram as bênçãos de Deus, que te ouviu, o amor d’Ele que te ajudou a ajudar.
Encerrou-se a reunião naquela noite, com alegria e esperança a vibrar nos corações...
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 28/09/2019


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr