Meu Diário
23/02/2013 19h30
AFLIÇÃO NO DESERTO

            Tudo depende da sinceridade com que encaramos as diversas facetas da vida. Se eu não tivesse encarando com tanta sinceridade esse mergulho num deserto mental, onde deixo mais afastado as coisas materiais e fico mais próximo das coisas espirituais, para testar a capacidade de levar à frente a vontade de Deus que Ele colocou em minha consciência, certamente eu não teria passado pela aflição que passei há poucas horas. Quando resolvemos nos isolar e ficar mais próximo de Deus uma série de fatores contrários chega à nossa vida para testar nossas convicções. Foi assim que aconteceu com Jesus. Eu esperava sair do deserto vitorioso desse embate com as forças contrárias aos desígnios divinos, como Jesus o fez. Mas no meu caso parece que tudo está acontecendo ao contrário. Não estou contabilizando nenhuma vitória até agora, a não ser uma discreta melhora na comunicação com Deus através das orações. Hoje a tarde minha derrota foi acachapante, vergonhosa, humilhante. Se não fosse pelo meu dever de honestidade e transparência, eu nem registraria aqui neste espaço, mas se eu não fizesse isso seria mais uma derrota. Afinal eu devo registrar tudo que acontece comigo no deserto, de bom ou de mal. Afinal se não fosse registrado o que aconteceu com Jesus no deserto, hoje não teríamos esse belo exemplo para orientar e reformular nossos comportamentos.

            Hoje foi dia do meu trabalho em Caicó. Desde ontem pensei em não comer nada hoje, deveria fazer parte do meu teste no deserto, resistir ao desejo de comer. Para mim não poderia ser tão difícil, eu que consigo ficar três dias sem me alimentar e não me sentir desconfortável. Mas, logo no caminho da ida, em Santa Cruz, entrei na padaria onde costumo tomar o café da manhã. Fiz o mesmo prato das semanas anteriores. Observei que não cumpri o que havia planejado, mas não dei muita importância. Pensei simplesmente, que era só esse café da manha, não haveria de fazer tanto mal Parece até que eu não estava no “deserto”! No caminho de volta, parando o transporte em Tangará como sempre faz, eu como estou fazendo nas últimas semanas, fui ao restaurante peguei o prato e o enchi normalmente e pedi a mistura de peixe e porco, regado com coca-cola e acompanhado por duas bananas. Belo deserto!

            Na hora e meia que faltava para chegar em casa, senti que os intestinos estavam incomodados. Comecei a sentir a produção de gases e as cólicas suaves querendo expulsar o que eu havia colocado para dentro. Não era nada tão forte, tanto é que pensei em ir para o apartamento de ônibus mesmo. Mas por prevenção, resolvi ir de táxi. Foi a minha sorte. Logo que entrei no carro e no trajeto de 15 minutos até chegar ao destino, as cólicas foram aumentando progressivamente. É tanto que sentei no banco de trás do carro em me prendi com as pernas. Acredito que o taxista tenha ficado preocupado comigo, um passageiro tão esquisito, que entrou no seu carro e disse apenas o destino de forma monossilábica e ficou calado, meio torto no centro do banco, sem dizer uma palavra sequer durante todo o percurso. Ele colocava músicas românticas no carro e eu tentava rezar para o Pai me ajudar a controlar e eu não me sujar naquela ocasião. Tentava rezar o Pai Nosso, mas não saía do primeiro verso, “Pai nosso que estás no céu”... usava esse verso como refrão, repetidas vezes, como forma de suplicar ajuda ao Pai ao mesmo tempo um pedido de perdão, pois  já tinha consciência que isso era consequência da gula que não consegui controlar.

            Felizmente cheguei no apartamento e senti uma leve aliviada ao descer do carro. Mas logo que peguei o elevador para o meu apartamento no 4º andar, senti ao subir uma fortíssima cólica que venceu minha resistência e senti descer os dejetos. Mesmo assim eu tentava atenuar o prejuízo, continuava a me conter enquanto corria para abrir a porta e ir logo para o banheiro. Mas foi derrota total! Já em frente ao sanitário, eu não consegui vencer a pressão e toda sujeira enchia minha roupa intima e se espalhava para a calça e pernas. Sentei com roupa e tudo no vaso sanitário, mas agora era tarde... eu estava todo sujo e a medida que eu ia tirando a roupa, sujava tudo ao redor. Fiquei aliviado, a sujeira saíra toda de dentro de mim, mas agora eu estava cercado pela sujeira externa e o fedor que se espalhava ao redor. Deixei tudo ao lado do sanitário e entrei no Box para limpar o corpo. Passei sabonete com antibacterianos no corpo repetidas vezes até sentir que estava limpo e sem fedor. Agora eu tinha que resgatar a calça. Coloquei dentro do Box e comecei a lavá-la e tomar outro banho concomitantemente. Fiz várias lavagens na calça grossa até verificar que não tinha mais sujeira. Fiz uma última lavagem também com o sabonete antibacteriano, a torci e deixei pendurada no Box do banheiro. Agradeci por ela ter me protegido, de não ter deixado eu espalhar a sujeira pelo caminho. Deixei ao seu lado o cinto que também foi lavado e perfumado. Depois foi a vez da cueca, mas essa foi a mais comprometida. Ainda tentei a resgatar, mas ela estava totalmente impregnada. Foi o jeito sacrificá-la, colocá-la no lixo. Peguei depois um rolo de papel higiênico e limpei onde existia sujeira, na tampa, no bojo, no chão... depois que não vi mais sujeira repeti o mesmo processo com o papel impregnado de perfume de lavanda. Ao terminar tudo espergi a lavanda por todo o ambiente do banheiro. Terminei a minha limpeza pessoal, também usei a lavanda e vesti uma roupa limpa e vim fazer esse depoimento e reflexões.

            Se eu tivesse com uma das minhas companheiras mais próximas, com certeza eu teria recebido auxílio e talvez não tivesse percebido as consequências do que fiz e do que era necessário fazer para corrigir. É como um dependente químico que precisa sentir os problemas que causa ao seu redor para pensar numa recuperação. Para isso é que serve o “deserto”, para observarmos nossas faltas e consequências e assim ter maior motivação para corrigir os erros.

            Estou agora envergonhado, mas pelo menos eu tive a coragem de fazer o relato, de expor minhas fragilidades, que eu não sou o super homem ou santo que muitos pensam. Tenho também a percepção deste deserto que estou dentro dele, que não é brincadeira, que devo respeitar suas condições e fazer o enfrentamento dos desejos incoerentes à vontade do Pai que chegam à minha consciência.


Publicado por Sióstio de Lapa em 23/02/2013 às 19h30
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