Meu Diário
30/03/2013 00h01
DAS CHAGAS

                Ontem fiz uma reflexão sobre os sofrimentos de Jesus, por ocasião da Sexta-Feira da paixão. Ao falar do sofrimento de Cristo, lembrei das marcas que ficaram em seu corpo, das chagas. Essas marcas podem até ser reproduzidas pela força da fé na forma de estigmas, como aconteceu com São Francisco.

                Foi aí que passei a considerar com mais profundidade o porque do meu nome ter essa partícula: das Chagas. Não poderia ser a partícula “de Assis” que indicava com maior precisão quem era o santo que minha mãe se valeu para salvar a minha vida através de um milagre? Pois na condição de primeiro filho, minha cabeça ficou presa no canal de parto e como tudo era feito na residência, sem um conhecimento técnico aprofundado, as forças espirituais eram quem podiam nos socorrer. Como era o mês de outubro e a lembrança do Santo mais importante na cabeça das pessoas era São Francisco da cidade de Assis, daí a promessa e a oferta da minha vida se eu alcançasse a salvação. Trato feito, trato cumprido! Fui batizado como Francisco, mas acho que a espiritualidade que me assistiu no parto, nessa hora do registro interferiu. Ao invés de colocar “de Assis” que fazia referência apenas a uma cidade do interior da Itália, preferiu que me colocasse a partícula “das Chagas” que faz referência a identidade universal dos filhos de Deus, que passam pelo sofrimento em Seu nome e carregam no seu corpo e alma as chagas dos padecimentos, com tolerância e resignação.

                Caiu a ficha! De repente todo o meu nome adquiriu o significado amplo da existência, do apelo dramático e emocional dos meus pais, à resposta compassiva e inteligente do mundo espiritual. Olhei para meu corpo para ver essas chagas que tão visíveis eram em São Francisco e das quais ele procurava sempre ocultar dos olhares curiosos. Mas não vi nada de significativo. Apenas um corte na superfície dorsal do meu pé direito, em decorrência de ter sido arrastado por uma cabra por cima de cacos de vidro; também na perna direita uma cicatriz na altura do joelho como marca de uma queda que sofri em sala de aula quando na infância corria sobre carteiras e devido a falta de luz do momento, era madrugada, eu estava na educação física, meu pé não encontrou a cadeira seguinte, mas minha perna encontro a quina da cadeira causando profundo corte. Não, no meu corpo não tem nenhuma chaga significativa ou emblemática da espiritualidade, apenas peraltices de criança.

                Agora, ao examinar a alma, sim! Encontrei chagas, muitas chagas, e de forte conteúdo espiritual. Chagas pelo sofrimento que passei por ter a determinação de cumprir a vontade de Deus. Chagas que, apesar do tempo que possam ter sido criadas, ainda hoje estão abertas. De pessoas que amo profundamente e por não poder dar o meu amor com exclusividade a elas, chego a ser expulso, esbofeteado, enxotado de suas casas e de suas vidas de forma inclemente, radical. Todo o meu amor que eu demonstrava e que ainda sinto, e que jamais irá morrer, não é considerado, pelas forças do egoísmo, da ignorância da Lei de Deus.

                São essas chagas que ninguém ver, mas que eu sinto espalhadas por minha alma. O único reflexo delas para o mundo material seriam as minhas lágrimas, mas assim como São Francisco procurava ocultar suas chagas com sua roupa comprida, procuro ocultar as minhas com o sorriso largo. Mas quando estou só eu deixo as lágrimas lavarem essas feridas, feridas que se renovam cada vez que vejo um filho que caminha sob o sol inclemente ou sob a chuva, mas recusa entrar no meu carro e pegar uma carona; de uma ex-companheira que não quer mais que eu vá a sua casa e não quer ouvir a minha voz;  de uma mãe que teme por sua filha e desenvolve extrema agressividade; de tantas pessoas que por não me verem seguir a ordem cultural que o homem criou e também não percebem a Lei de Deus que meus passos acompanham, desenvolvem raivas, ódios e resistências que dentro de mim abrem as chagas, mas eles não percebem.

                Sim, sou o Francisco das Chagas, tenho agora essa consciência mais lúcida, estou disposto a carregar minha cruz. A cruz que Deus me determinou dentro do cumprimento da missão que Ele colocou em minha consciência: aplicar o Amor Incondicional de forma ampla, geral e irrestrita, sem ter como obstáculo o padecimento dos outros, pelos preconceitos e pela ignorância da Lei, mesmo que isso me cause as chagas do sofrimento pessoal.


Publicado por Sióstio de Lapa em 30/03/2013 às 00h01
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