Meu Diário
25/01/2016 10h51
REGRESSO A TIPASA

            No ano em que nasci, 1952, o filósofo argelino Albert Camus publicou um texto, “Regresso a Tipasa” que me trouxe parecidas reflexões, mas diferentes conclusões.

            Ele entende que se nos foi dada, embora numa só vez, a oportunidade de amar intensamente, passamos o resto da vida à procura de uma renovação desse mesmo ardor e dessa mesma luz.

            Eu entendo que o nosso coração é uma máquina de bombear sangue bem conhecida e esclarecida, mas também uma fonte de jorrar amor, pouco conhecida e esclarecida. O amor que fomos criados com a função de jorrar em direção ao outro, não deve exigir a reciprocidade que a bomba mecânica exige; o sangue que sai pelas artérias deve ser compensado pelo sangue que entra pelas veias. É uma bomba condicional, só bombeia o sangue arterial, se entrar o sangue venoso.

            O coração como fonte de jorrar amor tem a sua matéria prima não no amor do outro que vamos amar, mas do éter que nos rodeia como o hálito do Criador. Por um mecanismo ainda desconhecido, algumas pessoas disparam dentro do coração-fonte de outra pessoa, uma espécie de imprinting, que a faz se apaixonar perdidamente por ela. Vim descobrir esse mecanismo por experiência própria, não encontrei essa informação em nenhum livro didático até hoje. Vejo apenas a citação desse efeito de forma romanceada, mas passando por longe do seu significado natural e espiritual.

            Logo descobri, com meu olhar curioso sobre mim mesmo, que aquela paixão inicial que energizava meu coração-fonte, logo ia perdendo intensidade ao longo tempo e de certa forma armava um novo gatilho para ser acionado quando surgisse outra pessoa que possuísse os critérios (?) necessários para um novo disparo. Percebi que eu poderia me contrapor a isso, mas perderia uma função considerável da vida, que entraria numa espécie de compartimentalização afetiva dentro da pluralidade da Natureza. Tentei ensinar isso que estava aprendendo e surfar de forma justa com minhas companheiras essas ondas fortes de paixão que periodicamente surgiam. Compreendi que elas eram formadas a partir do oceano de amor etérico, captadas pelo coração-fonte, disparadas por mecanismos neuroquímico-fisiológicos desconhecidos e desenvolviam uma energia tão poderosa que podiam dominar o psiquismo e até transformar o bem transcendente que ela carregava no mal egoísta que os instintos exigiam.

            Então, não estou como Camus estava, a procurar um amor que foi vivido intensamente no passado. Sei que estou mergulhado no mar etérico do amor e que marolas de desejos ou ondas de paixão podem se formar regularmente ao longo da vida. Percebo agora que as ondas fortes da paixão não estão se formando como antes, com mais frequência. Vejo que aquela onda de paixão mais forte na minha vida, provavelmente não mais se repetirá com outra pessoa. Para isso seria necessário o combustível dos hormônios que agora começam a rarear. Não vou passar o resto da vida à procura de uma renovação desse mesmo ardor, dessa mesma energia. Estou sintonizado com as limitações que o tempo que conquistei me trouxe. Basta saber que no pretérito participei de tantas explosões de luz, de amor, e que uma delas foi a mais fulgurosa e resplandecente... que iluminou o céu da minha existência por mais tempo e que até hoje a sua memória traz o brilho fugaz do que eu não mais irei obter.

            Por isso eu me sinto mais confortável do que Camus, estou adaptado às minhas atuais condições naturais e afetivas, e satisfeito com minhas memórias, que enquanto a biologia permitir servem de aperitivo para tudo o que a vida ainda pode me oferecer.  


Publicado por Sióstio de Lapa em 25/01/2016 às 10h51


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr