Meu Diário
28/01/2016 00h59
HISTÓRIAS QUE CURAM

            Ao ler o livro da médica Rachel Naomi Remen, “Histórias que curam”, deparei-me com uma história que já havia imaginado colocar em prática algum dia. Referia um paciente que sofria de câncer e que foi encaminhado ao seu consultório para participar do programa de Treinamento de Visualização Ativa para esse tipo de paciente. A indicação, conforme ela explicou ao paciente, era fazer meditação diária com as imagens mentais com o objetivo de reverter suas tendências autodestrutivas e encorajá-lo a lutar pela vida.

            O paciente era controlador de tráfego em um grande aeroporto. Era homem reservado e calado, que poderia ser julgado tímido até que se notasse a firmeza do seu olhar. Ele contou embaraçado que era o único nas aulas de treinamento de visualização que não conseguia acompanhar o programa. Ele não entendia por quê. Apesar disso ele não apresentava sinal algum de autodestruição. Ele gostava do trabalho, sua família e queria muito criar o seu filhinho.

            Quando foi pedido para ele contar a respeito do treinamento, ele desdobrou um papel com o desenho de um tubarão. A boca do animal era enorme, aberta e repleta de dentes afiados e pontudos. Por 15 minutos, três vezes ao dia, ele tinha de imaginar milhares de tubarões minúsculos caçando dentro do seu corpo, atacando e destruindo selvagemente toda célula cancerosa que encontrassem. Era um tipo bem tradicional do sistema imunológico, recomendado por muitos livros de autoajuda e usado por inúmeras pessoas. Ela indagou o que parecia impedi-lo de fazer a meditação. Com um suspiro ele respondeu que achava maçante.

            O treinamento não dera certo com ele desde o início. No primeiro dia, foi pedido a classe que encontrasse uma imagem para o sistema imunológico. Na discussão subsequente, ele descobriu que não encontrara o tipo “certo” de imagem. Toda a classe e o psicólogo/líder trabalharam com ele até que lhe veio à ideia daquele tubarão.

            A médica olhou para o desenho em seu colo e o contraste entre a imagem e aquele homem reservado era marcante. Curiosa, ela perguntou qual tinha sido a sua primeira imagem. Desviando o olhar, ele murmurou: “não era feroz o bastante”. Era a do peixe dojô (parecido com o peixe cascudo entre nós, brasileiros).

            Rachel ficou intrigada. Ela nada sabia sobre o dojô, nunca vira um, e ninguém antes lhe falara dele nesse papel de curador. Com entusiasmo crescente o paciente descreveu o que os dojôs fazem no aquário. Ao contrário dos peixes mais agressivos e competitivos, eles se alimentam no fundo, peneirando a areia com as guelras, constantemente avaliando, separando o que presta do que não presta, comendo o que já não sustenta a vida no aquário. Nunca dormem. São capazes de tomar decisões rápidas e precisas. Como controlador de tráfego aéreo o paciente admirava essa capacidade.

            A doutora pediu que o paciente descrevesse em poucas palavras o dojô. Ele usou as palavras como “perspicaz, vigilante, impecável, minucioso, inabalável e confiável”. Foi informado mais uma vez ao paciente sobre o sistema imunológico. Ele ainda não sabia que o DNA de cada um dos nossos trilhões de células possui uma assinatura individual, uma espécie de logotipo pessoal. Nossas células do sistema imune são capazes de reconhecer o logotipo do nosso DNA e destroem toda célula que não o possua. Esse sistema é o defensor de nossa identidade celular, patrulhando constantemente as fronteiras do Eu/não-Eu, discernindo o que é Eu, e o que não é, sem nunca dormir. As células cancerosas perderam seu logotipo de DNA. O sistema imune saudável as ataca e destrói. Na verdade, a mente consciente do paciente fornecera-lhe uma imagem particularmente precisa para o sistema imune.

            Dra. Rachel ainda disse que quando era estudante de medicina, participara de um estudo no qual um micro enxerto, um minúsculo grupo de células epiteliais, fora retirado de uma pessoa e enxertado na pele de outra. Em 72 horas o sistema imune da segunda pessoa, procurando entre os trilhões de células possuidoras da assinatura de seu próprio DNA, encontrava aquele minúsculo grupo de células com o DNA errado e as destruía. Foram feitos numerosos truques para esconder e disfarçar o micro enxerto, mas por mais que fosse tentado não se conseguia “passar a perna” no sistema imune. Infalivelmente ele encontrava aquelas células e as destruía.

            O paciente lembrou que o professor e a classe haviam conversado sobre a importância de um “espírito de luta” agressivo e da “motivação assassina” de uma imagem mental eficaz para combater o câncer. Nesse momento o paciente corou e explicou que no lugar onde crescera, os dojôs ficavam grandes e em certas épocas do ano “andavam” pelas ruas. Quando ele era criança, isso lhe parecera uma espécie de milagre, e ele nunca se cansava de observá-los. Tivera vários dojôs como animais de estimação. Depois de indagado sobre isso ele respondeu o que era um animal de estimação: aquele que gosta de você incondicionalmente.

            Depois disso foi pedido para ele sintetizar sua imagem, fechar os olhos e descrever milhões de dojôs que nunca dormem, movendo-se por todo seu corpo, vigilantes, incansáveis, dedicados e seletivos, examinando pacientemente cada célula, deixando todas as que estavam saudáveis, comendo as cancerosas, motivados pelo amor e pela devoção incondicionais de um bicho de estimação. Era importante para eles se o paciente viveria ou morreria. O paciente era único e especial para eles tanto quanto para seu cachorro.

            Essa imagem comovia-o profundamente, e não era difícil lembrar-se dela. Nem maçante. Por um ano ele fez essa meditação diariamente. Anos mais tarde, depois de plenamente recuperado, o paciente ainda continua com essa prática algumas vezes por semana. Diz que ela o lembra de que, no nível mais profundo, seu corpo está do seu lado.

            Enfim, a Dra. Raquel conclui dizendo que as pessoas podem aprender a estudar sua força vital da mesma maneira que um jardineiro perito estuda uma roseira. Nenhum jardineiro jamais fez uma rosa. Quando suas necessidades são atendidas, a roseira produz rosas. Os jardineiros colaboram e dão condições que favorecem esse resultado. Como sabe qualquer pessoa que já tenha podado uma roseira, a vida flui de cada roseira de modo ligeiramente diferente.

            Esta história da Dra. Raquel lembrou muito depois que fiz um curso de hipnose e também raciocinava que eu poderia ajudar aos pacientes com dificuldades semelhantes, sugerindo essas imagens defensivas para o corpo. Infelizmente nunca tive oportunidade de aplicar na prática. Agora vejo que adquiri mais informações e que estarei mais apto a fazer um trabalho parecido para ajudar os pacientes que me procurarem com tais problemas.


Publicado por Sióstio de Lapa em 28/01/2016 às 00h59


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr