Meu Diário
26/11/2016 13h31
UMA LIÇÃO DO MESTRE

            Filipe havia ficado perturbado, pois tinha tentado ensinar a Sultão, um velho ranzinza que ele encontrara, sobre o Reino de Deus. O velho saíra de sua presença resmungando, negando o que Filipe queria ensinar, negando a existência de Deus, a vinda do Messias. Insistente, Filipe ainda queria seguir o velho para demovê-lo de sua negação, mas terminou vencido pela firme determinação do velho que continuava se afastando dizendo impropérios.

A noite, quando Filipe teve oportunidade de falar com o Mestre, junto com os outros discípulos, reunidos na casa de Pedro, perguntou:

- Jesus, pode nos ajudar, principalmente hoje, a entender o que deve ser o Respeito aos outros? Senhor, encontro-me assustado, pensando no que devo fazer para entender e praticar o que chamas de amor ao próximo.

Assenta-se no banco liso dos velhos pescadores e limpa a mente, como se tivesse usando uma peneira no garimpo em busca de pedras preciosas. O Cristo, cintilando seu tranquilo olhar nos seus seguidores, inicia sua resposta:

- Filipe! Que a paz de Deus esteja em teu coração! O apreço que devemos ter às pessoas e, em certo ponto, até aos animais, exige de nós muita acuidade, muito senso espiritual, cabendo dentro da máxima que sempre repetimos: “Não fazer aos outros aquilo que não queremos que eles façam conosco”. Coloca-te no lugar daqueles que esperam o teu Respeito, que logo saberás como deves agir para com eles. Nem sempre os conceitos da vida que abraçamos são certos para nossos semelhantes. É importante quando atingimos determinado progresso na engenhosa arte de viver bem. No entanto, é meio perigoso o fanatismo. Vestir a capa de missão ou de cumprimento do dever é criar situações melindrosas, fazendo, por vezes, inimizades. Sei que tens grande dedicação aos velhos e pelas crianças órfãs que atravessam o teu caminho. Porém, não deixes que a piedade se exagere, para que ela não se torne em desespero ou revolta. Procura ajudar à altura das tuas possibilidades e na medida do interesse que o necessitado te mostrar. Sair procurando a esmo a quem socorrer ou a quem doutrinar fará com que a mágoa se instale em teu coração, podendo até enraizar-se, tornando difícil a desapropriação.

O Mestre se cala, olhando para a própria túnica que refulgia em cores variadas, refletindo no ambiente um clima de paz.

- Filipe, não esqueces o velho Sultão um só momento, achando que foste por demais exagerado como ancião. Poderias ter conversado sobre outros assuntos, sem levares o velho à irritação. Com pouco espaço de tempo, ficarias sabendo da opinião dele acerca da vida espiritual. Assim não fizeste, foste logo tocando no assunto e o teu tribunal íntimo te acusa, pedindo o reparo e sugerindo que não procedas mais assim.

Jesus, dono de uma sensibilidade altamente desenvolvida, tocara mais ou menos no assunto que preocupava o discípulo e o deixara bastante deprimido. Com habilidade, prossegue:

- Meu filho! O acatamento às pessoas é distinção da alma nobre. Mas saber como respeitar é inspiração da caridade integrada ao amor. Não queiras impor, a quem quer que seja, o teu ponto de vista. Não deves forçar as consciências, a título da vontade de Deus. Pois Ele, que é soberano, que não precisava esperar pela harmonia de tudo o que Ele mesmo fez, espera o trigo crescer e prosperar, espera os olivais ficarem no ponto da colheita, espera as fases certas de recolher as uvas, espera por algum tempo a procriação das ovelhas, e espera, sorrindo, pela natureza que nos cerca e pela nossa transformação, da ignorância para a sabedoria. E tu, quem és que não podes esperar? Não te preocupes com a velhice do corpo, no tocante à necessidade urgente de fazer com que a alma que o anima desperte para o Criador, pois, em verdade te digo que, em muitos casos, a que está vivendo como criança é verdadeiramente mais velha e amadurecida para as coisas do espírito. Se queres entrar nos corações alheios para levar a boa nova do reino de Deus, isso nos dá muita alegria. Todavia, Filipe, espera que os corações abram as portas dos sentimentos. O fruto verde dificilmente tem sabor e, acima de tudo, é nosso dever respeitar o ambiente alheio. Espera, espera, mesmo sendo convidado, para adentrar o lar que não seja o teu.

Os assistentes regozijavam-se com os ensinamentos do Mestre. Todos tinham um caso semelhante e alguns poucos sentiam mesmo vontade de partir para a agressão, quando alguém que eles provocavam na imposição doutrinária blasfemava contra o Cristo. E Jesus finaliza:

- Filipe! É bom que guardes isso na tua cabeça. Ninguém se perde, todos somos filhos do mesmo Pai, criados com o mesmo amor. Se alguém reluta e não aceita a verdade agora, o tempo será o portador dela mais tarde. Eu acho que existe tanta lavoura a espera de colheita, que parece perda de tempo preocupar-te com plantios novos, cujos frutos se encontram verdes. Filipe, procura mais um pouco de meditação, procura a oração que o fanatismo não perturbe e abraça a Deus, meu filho, esperando e trabalhando com fé, que esse mesmo Deus te guiará por todos os caminhos, para que sejas um homem reto, com reta justiça, com reto respeito e com reto amor.

Eu considero excelente essa lição de Jesus, pois se aplica diretamente ao meu caso. Eu também abracei um conceito que parece errado para a maioria das pessoas que se relacionam comigo. Porém não posso forçar ninguém a aceitar aquilo que considero certo e as pessoas consideram erradas. Eu sinto que estou amadurecido espiritualmente e que procuro seguir com fidelidade à Lei do Amor que o Mestre Jesus veio ensinar, e portanto, aprender a respeitar o próximo em suas convicções, mesmo que a lógica e a intuição mostrem que ele está completamente errado. Tenho que ficar mais próximo de pessoas mais amadurecidas onde a colheita de frutos são mais substanciais.


Publicado por Sióstio de Lapa em 26/11/2016 às 13h31


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr