Meu Diário
23/12/2016 08h07
HISTÓRICO DE UMA VIDA (08) – CHEGADA EM NATAL

            Aos 18 anos, em 1970, chego em Natal para servir à Marinha do Brasil. Vou para a escolinha de formação de marinheiros onde passo cerca de 8 meses estudando para poder engajar. A minha profissão dentro da Marinha já estava definida, eu não poderia mudar dentro das perspectivas do meu ingresso. Eu estava inscrito na área de Taifa, teria que servir na cozinha, na arrumação ou na barbearia. Dentro dessas opções a melhor que eu via era a barbearia. Mas meus propósitos eram maiores e dependia da capacidade de estudo que eu possuía, aliado a minha tendência introspectiva, tímida. Enquanto todos os meus colegas se divertiam e saiam do quartel para extravasarem as suas energias em bares ou boates, eu procurava estudar e penetrar cada vez mais no lado místico, religioso, como uma forma compensatória de aliviar o meu desconforto pela solidão. Entrei na igreja evangélica, na Assembleia de Deus, e aí toda a minha velha dificuldade com as garotas voltava a surgir. As meninas pelas quais eu me interessava, eu procurava ficar cada vez mais distante delas, como se o meu sentimento fosse algo ofensivo para elas.

Chegou o momento que nós podíamos sair da escolinha e ficar na cidade, podíamos alugar algum quarto nas redondezas. Aluguei o quarto de uma senhora que tinha uma filha de seus 15 anos aproximadamente. Tentava com ela alguma aproximação baseada nos desejos hormonais que estavam sempre na minha superfície. Não esquecia que eu tinha uma herança genética muito forte voltada para a sexualidade, vinda do meu pai. Com essa garota não passei de pequenos sinais de interesse que eram levados mais na brincadeira e nunca tivemos uma aproximação mais afetiva e efetiva. Como o cúmulo de minhas dificuldades e ironia do destino, terminei alugando um quarto numa boate sem o saber. Aí, se formava uma situação irônica. Vinha da igreja com minha Bíblia nas mãos e ia para o meu quarto, muitas vezes passando por mesas repletas de homens que bebiam com as mulheres da casa. Chegou o auge de um dia a freguesia ser tanta que faltou quarto para as mulheres que tinham ficado sem companhia para dormir. A dona da boate logo achou a solução e apontou que elas podiam dormir com o marinheiro que ele era inofensivo. Foi uma noite de tortura para mim, pois o desejo que eu tinha era namorar com aquela mulher que dormia ao meu lado, que eu sentia o calor do corpo dela junto do meu, mas eu não conseguia esboçar nenhuma reação nesse sentido.

            Afinal, terminou o meu curso preparatório na Marinha e fiquei classificado em 8º lugar. Como os 10 primeiros colocados podiam escolher em qual locar servir, eu evitei os navios, pois queria continuar com os meus estudos em terra. Escolhi servir no Hospital Naval. Como eu tinha o curso de datilografia, não fui para a cozinha como era de se esperar. Fui designado para a secretaria e auxiliar o sargento escrevente com a burocracia da área. Nesse interim, duas ocasiões mostrou o nível de minha personalidade. O primeiro foi quando um colega tentando ajudar a minha dificuldade de arranjar namoradas, levou-me para conhecer a irmã da namorada dele. Era uma garota simpática, mas não rolou nenhum clima, pois eu imaginava estar dentro de uma negociata onde o romantismo que eu tanto elogiava não estava presente. Desisti de manter esses encontros. O segundo, foi com uma garota simples da rua onde morava a minha avó, que já havia se mudado para Natal e eu morava junto com ela. Essa garota era menosprezada pelas amigas e notei que ela estava sendo humilhada quando dizia que estava querendo namorar com o marinheiro, que apesar do meu comportamento introvertido, era cobiçado por muitas meninas. Somente que, elas não tinham o perfil romântico que eu esperava. Mas quando notei que essa garota estava sendo humilhada por pensar assim, eu me aproximei dela para mostrar as outras que ela tinha valor e que poderia namorar com quem ela desejasse. Mas foi apenas uma aproximação, pois ela também não tinha o perfil romântico que eu esperava.

            Continuava os meus estudos e consegui passar no vestibular para biologia, junto com o meu irmão que havia sido criado por meu pai e minha avó paterna em Areia Branca. Nesse momento uma enfermeira da maternidade do Hospital Naval passou a se interessar por mim e procurou falar comigo por telefone de forma anônima. Vim a descobrir quem era oportunamente, e desenvolvi o sentimento de amor que eu tanto queria desenvolver. A paixão aconteceu e apesar de todas as dificuldades que nossas famílias apresentaram, chegamos a casar. Foi o momento que passei no segundo vestibular para medicina e tive que abandonar a Marinha, pois não dava mais para conciliar o estudo com o trabalho. Com o dinheiro que recebi da minha dispensa, organizei um mercadinho onde podia trabalhar junto com a família da minha esposa. Também dava aulas em colégios e consegui o crédito educativo para manter as minhas necessidades. O trabalho da minha esposa dava para ela ajudar na sobrevivência da família, já que o pai havia morrido e não deixou para elas nenhum recurso. Vieram os dois filhos biológicos e adotamos mais uma filha para completar o trio de nossos filhos.

            Esta era a minha intenção, terminar meus estudos e trabalhar como médico, ao lado da minha esposa e dos meus filhos, educando-os e aproveitando a vida nas suas mais diversas circunstâncias, sempre com todo amor e carinho, com lealdade e justiça, obedecendo o juramento que fizemos no momento do casamento. Era o meu romantismo de adolescente que eu agora teria oportunidade de colocá-lo em prática durante toda a minha vida.


Publicado por Sióstio de Lapa em 23/12/2016 às 08h07


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr