Meu Diário
30/12/2016 18h16
ABORDAGEM DAS DEPRESSÕES (I) – VALENTIM GENTIL FILHO (02)

            Vou mudar o título das sequencias em torno de cada assunto, uma vez que a questão das drogas vai ser encontrada mais adiante. Não faço reparos na palestra do Professor Valentim, pois o pensamento dele se enquadra totalmente no meu. Caso aconteça alguma opinião contrária da minha parte, irei colocar no próprio texto que esteja sendo apresentado.

- (E) – Professor, eu também queria apontar uns dados da Organização Mundial de Saúde, que é o seguinte: no ano 2000 ela apontava a depressão como a 5ª causa de incapacitação. A previsão é que em 2020 a depressão seja a 2ª causa. Dados do Ministério da Previdência Social mostram que no ano passado mais de 100 mil trabalhadores foram afastados do trabalho por conta de depressão. E dados de medicamentos apontam que houve um crescimento de 49% de 2007 a 2011 no consumo de antidepressivos no Brasil. Em 2011 foram 34 milhões de unidades vendidas. O que eu queria saber do senhor é o seguinte: as pessoas estão mais deprimidas, há um excesso de diagnóstico, e um excesso de indicação de medicamentos?

- (V) Um pouco de cada uma dessas coisas. Existem alguns trabalhos mostrando, que ao contrário do que se diz, a incidência de doenças mentais graves está aumentando na população. Tem um livro que eu gosto muito de citar, que chama “A peste invisível” de Fuller-Torrey e uma coautora chamada Judy Miller. É um livro da década de 90. O que eles viram, são dados estatísticos confiáveis, em cinco países, de 1750 até 1990. E a prevalência, na verdade, de transtornos mentais significativos, como depressão grave, psicose e outras coisas, aumentaram nove vezes. As pessoas falam que não está aumentando a incidência de esquizofrenia. Tá aumentando, tem um estudo no sul de Londres mostrando que está aumentando a incidência de esquizofrenia, principalmente na população com menos de 35 anos. Quando a gente vai para a depressão, depressão é descrita desde o Velho Testamento. Só que existem muitas síndromes, muitas formas de ver a depressão. Algumas delas são conceituações mais recentes que a psiquiatria fez. Então, houve uma expansão do conceito de depressão. Nós não ficamos só naquelas síndromes clássicas, mais nucleares, que são do ponto de vista médico as mais consistentes. Nós temos hoje algumas formas de depressão reativa, que passam a ser reconhecidas, algumas formas de pressões sazonais que não eram bem identificadas que hoje a gente sabe que existem, formas de depressões que são consequências de doenças médicas e que são mais valorizadas. A população começou a perceber que aquele sofrimento que ela tinha não era compreensível simplesmente como uma reação, mas que era uma coisa tão fora do padrão normal dela que devia se constituir em alguma coisa médica e começaram a pedir ajuda. A indústria farmacêutica encontrou moléculas diversas capazes de ser mais eficazes nesses diversos quadros do que placebo que é uma substância inerte. E quando você tem um ensaio clínico controlado mostrando que uma nova molécula se mostrou segura, é mais eficaz do que placebo em condições controladas ela pode ser chamada de antidepressivo e o que a gente tem hoje são 30, 40 moléculas antidepressivas, e é claro que por razões econômicas, os medicamentos mais recentes recebem maior publicidade e os fabricantes que têm de responder aos seus acionistas gastam uma quantidade significativa de recursos para poder recuperar o dinheiro que hoje é estimado em mais de 1,3 bilhões de dólares por molécula lançada. O que está acontecendo hoje é que não existe mais perspectiva de moléculas novas serem lançadas nos próximos anos. As linhas de produção estão secas. Muitas poucas moléculas vão aparecer, e o que existe depois de 60 anos, desde o primeiro antidepressivo, quase 60 anos, é que o último lançamento não é mais eficaz que o primeiro. Então, o que nós temos é que todos eles são mais eficazes que os placebos. Alguns deles funcionam mais em determinadas formas de depressão do que em outras. Alguns talvez devam ser mais chamados antidepressivos do que os outros. Alguns desses que são muito eficazes são muito antigos. Não existem medicamentos modernos, existem medicamentos recentes. Então, se a gente somar os medicamentos recentes com os medicamentos antigos, nós veremos que eles tem ligeiras diferenças de perfil de ação. Mas toda a publicidade em relação ao lançamento de novos medicamentos são feitas como se eles fossem todos equivalentes. Esse aqui é tão eficaz quanto o anterior, mas mais seguro. Isso na verdade não se comprovou. Então, tudo isso que você falou é verdade. A gente teve um aumento da conceituação de depressão e isso dá um aumento na população que a gente identifica, isso nos estudos epidemiológicos de depressão. Essa população pede ajuda, só um terço dessa população recebe ajuda efetiva, mas isso é um volume crescente. E quando a gente fala de bilhões de unidades a questão toda é: foram bem escolhidos? Foram adequados para aquele tipo de problema? E é isso que eu acho nesses próximos anos, o que a gente vai passar. É ver de fato qual é a efetividade do tratamento que é feito, qual a eficiência do investimento do dinheiro público.

- (E) Porque tem a questão dos efeitos colaterais também nos pacientes.

- (V) É tem a questão dos efeitos colaterais e aí tem a questão do custo-benefício. Se você está medicando em excesso, é inadequado. Por outro lado, o que a gente tem de informação dos estudos epidemiológicos, não é que estamos medicando em excesso, pois só um terço da população com diagnóstico está recebendo tratamento. Na verdade nós temos dois terços da população que tem diagnóstico no último ano e não recebeu nenhum tratamento, no Brasil e em vários países. Se nós fôssemos pensar em termos de mercado, o mercado é muito maior do que está aparecendo. O problema é: será que todo mundo precisa ser tratado com medicação? Existem algumas formas de psicoterapia que são muito eficazes. Qual é o custo-benefício dessas formas de psicoterapia? O que a gente pode fazer de prevenção? O que a gente pode fazer de prevenção de recaída? O que a população está fazendo para se prevenir contra depressões, por exemplo? Quantas coisas a gente faz e deflagram depressões? Isso tudo, e a gente não tem, infelizmente ainda, programas de prevenção implantados. Então, a racionalização, o uso adequado, o diagnóstico correto, e a forma eficiente de atendimento é uma questão para os próximos anos.


Publicado por Sióstio de Lapa em 30/12/2016 às 18h16


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr