Meu Diário
01/01/2017 01h00
ABORDAGEM DAS DEPRESSÕES (II) – VALENTIM GENTIL FILHO (03)

            - (E) Senhor, Valentim, se eu fosse comparar o meu cérebro com uma máquina eu estaria falando de um fusquinha. Mas mesmo assim vou me atrever a fazer uma pergunta. Em que medida a organização que a gente tem nas nossas cidades, porque, veja, a medicina foi eficiente em reduzir tanto a incidência, quanto a prevalência e também a letalidade de doenças como infarto, câncer, pestes... Quer dizer, invenção de antibióticos, vacina, anestesia, manobras avançadas de vida, melhoraram a nossa vida, mas o que se nota é que a incidência e a prevalência de doenças mentais está aumentando. Em que medida essa forma de organização em torno de nossas vidas, essa pressão constante que nós temos, diga o celular que toca a qualquer momento, um excesso de pressão sobre a nossa vida, o fato de não poder mudar de faixa com medo de atropelar alguém, medo de sermos assaltados numa esquina, o que nos dá essa nova forma de organização que contribui para essa mudança do perfil epidemiológico das doenças mentais.

            - (V) Fora a pressão demográfica.

            - (E) Fora a pressão demográfica.

            - (V) Tem vários componentes. Um dos que chama mais a atenção é o quanto nós não temos uma atitude ecológica em relação a nós mesmos, né? Nós falamos do meio ambiente, nós achamos que não devemos poluir os rios, nossos recifes de corais que estão morrendo, achamos que não devemos poluir o ar que respiramos, mas na hora do meio interno... se você procurar a ecopsicologia, você vai encontrar psicólogos falando do meio ecológico, mas ninguém falando de...

            - (E) Não tem uma Sociedade Protetora do ser humano.

            - (V) Não, ninguém trata com a mesma consideração o meio interno como se espera seja tratado o meio externo. Veja o que nós estamos fazendo em termos de trabalho. Agora são 10h30 da noite, nós temos luz artificial, e se for 300 anos atrás, não existia luz artificial e ninguém ia trabalhar as 10h30 da noite. Só que nós desenvolvemos técnicas de resiliência para isso. Nós temos uma saúde melhor, todas essas coisas que você disse, nossas vacina, nossa alimentação, supostamente a gente descansa. Quando você vai para a população geral, isso já não é bem verdade. E se você tem aqueles parâmetros que você estava mencionando há pouco, quanto tempo a pessoa leva para ir ao trabalho e voltar para casa, ai, uma parte das 24 horas do dia é em condições estressantes. Eu gosto de lembrar sempre, que eu prefiro morar nas nossas condições estressantes de hoje do que nos tempos bíblicos. Eu acho que as condições eram muito estressantes. Primeiro, a gente vivia a metade do que a gente vive. Segundo, uma boa parte dos nossos filhos não viviam o suficiente para se tornarem adultos. Terceiro, as pessoas tinham um poder de destruição da vida humana não contido. Então, sob alguns aspectos eu me sinto mais seguro hoje do que me sentiria no ano 1000. Só que tem umas coisas que as pessoas estão fazendo que a gente pensa que faz como se fosse parte natural da nossa vida e que são, do ponto de vista médico, e você, como professor de patologia sabe melhor do que eu, são muito ruins, quer dizer, a gente consome de substâncias nocivas, do ponto de vista psiquiátrico, o que a gente consome de cafeína, o que a gente consome de teínas de forma geral, o que a molecada está usando de droga, o que isso vai piorar com a liberação geral que está se propondo por aí, o que a gente já sabe que isso compromete o funcionamento do sistema nervoso na adolescência, o quanto tem de medicamentos com efeitos nocivos para o sistema nervoso, tanto medicamento psiquiátrico como medicamentos que tem repercussões no sistema nervoso e que afeta o comportamento, o emocional, deflagra crises de pânico, deflagra depressão, deflagra transtorno bipolar, deflagra psicoses. Então, de fato, para esse conjunto é preciso muita resiliência para combater.

            - (E) Dr. Valentim, o senhor considera respondida a questão?

            - (V) Considero.

            - (M) É porque eu teria que encerrar o bloco, mas eu não quero fazê-lo antes da pergunta do próximo entrevistador.

            - (E) Valentim, eu tenho a impressão que a síndrome do pânico é uma questão complexa e perturbadora neste momento. Eu tenho uma experiência incomum que eu recebo na redação da Scientific American telefonemas e e-mails de pessoas se queixando, ou que ela própria está sofrendo ou que uma pessoa está sofrendo a síndrome do pânico. Eu tenho uma relação, evidentemente, de clínicas de atendimento e eu passo imediatamente. O que explica essa emergência da síndrome do pânico, o que o senhor diria para um dos nossos telespectadores que muito provavelmente está experimentando essa sensação descrita como dramática.

            - (V) Ela é dramática, eu posso garantir porque eu fui voluntário de uma pesquisa que eu era o coordenador e eu resolvi ser o primeiro a tomar determinado medicamento, e eu não sabia, mas deflagrava crise de pânico. Então, eu tive 40 minutos de crise de pânico dentro do hospital das clínicas e eu espero não ter uma segunda ...

            - (M) Como é que é...

            - (V) Eu estava anestesiado, com uma equipe de anestesistas competentes, com sedativos, na verdade não estava anestesiado, estava sedado, e esse medicamento era para reverter a sedação. E a instrução que eu tive do fabricante, na época, era que devia dar uma injeção em bolo, uma quantidade rápida para reverter a sedação. É um medicamento que é usado quando a gente quer interromper a sedação em procedimentos anestésicos ou sedativos, ou para reverter overdose, para reverter superdosagem, tentativas de suicídio, de acidentes ou coisa assim. Só que quando você usa o remédio dessa forma, você mexe com o controle emocional de uma forma tão brusca que a reação do organismo é de um alerta muito grande e de toda ativação do circuito de reação e defesa, o que te dá a sensação de morte eminente. Então, a sensação que eu tinha é que alguma coisa saiu errada no meu experimento e que eu estou desmaiando e que as pessoas não vão saber o que fazer comigo. Depois de um minuto ou dois eu sabia que não ia acontecer nada, mas eu estava tremendo, suando, taquicárdico, respirando com dificuldade...

            - (M) O senhor recomenda ao...

            - (V) Eu recomendo que não tome esse remédio desse jeito...

            - (M) Ao portador da síndrome do pânico

            - (E) Essas pessoas provavelmente estão nos vendo neste momento e sofrem dessa...

            - (V) A sensação pior da síndrome do pânico, é a sensação de que alguma coisa muito grave está acontecendo, que pode afetar a sua integridade física, a sua integridade mental. As pessoas que tiveram alguma crise sabem que isso não vai acontecer, ninguém morre de crise de pânico, mas o sistema é feito para te alertar para um risco eminente, e aí a tua respiração vai ficar rápida, superficial, vai ter formigamentos, seu coração vai bater forte, rápido, a sensação vai ser de zonzeira, se você pudesse se olhar estaria pálido, suando frio, você está tremendo por dentro que é uma sensação muito desagradável... e você pode não entrar em pânico...

            - (E) Você passou por todas essas experiências?

            - (V) Passei... então você pode pensar... eu estou tendo uma crise de pânico, vou esperar passar, eu conheço algumas pessoas que fazem isso. Mas isso é como se fosse um faquir aprendendo a lidar com a dor. Existem algumas técnicas comportamentais que ensinam você lidar com essas crises de pânico, tentando entender que você não vai morrer, que isso é uma coisa transitória. Existe outra forma mais eficaz de lidar com isso, existem algumas outras técnicas de terapia, que existem alguns medicamentos que são bastante eficazes. E não são só os calmantes. Os calmantes atuam na hora, mas não impedem que isso volte. Só que tem algumas coisas que deflagram crises de pânico, e uma delas é bastante café. Isso para não falar de drogas estimulantes de forma geral. A maconha pode dar crise de pânico, a cocaína pode dar crise de pânico, crack pode dar crise de pânico... mas cafeína... numa redação, por exemplo, a pessoa que toma meio bules de café ou mais, a mão vai ficar fria, o coração vai acelerar, a crise de pânico é muito maior. Você pode iniciar uma crise de pânico, simplesmente aumentando o teor de CO2 no ambiente; então, um lugar muito cheio de gente pode aumentar o CO2 e isso pós certo teor de gás carbônico, e quem já teve uma crise de pânico corre o risco de sofrer outra.

            - (E) Explica esse tipo de crise de pânico

            - (V) O reconhecimento, ne? As pessoas estão usando mais substâncias que deflagram essas crises, privação de sono que é uma das coisas que deflagram, as pessoas fazem uma porção de agressões que podem deflagrar isso... o problema é que antigamente isso não era reconhecido. Quando eu via os primeiros casos logo que me formei, eu achava que isso era simplesmente uma crise de ansiedade. O diagnóstico de transtorno de Pânico é de 1964.

            (M) Bem, vamos para um rápido intervalo e voltamos já.

            Concordo na íntegra.


Publicado por Sióstio de Lapa em 01/01/2017 às 01h00


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr