Meu Diário
03/01/2017 07h27
ABORDAGEM DAS DROGAS (I) – VALENTIM GENTIL FILHO (04)

            - (M) Estamos de volta ao vivo com o psiquiatra Valentim Gentil Filho. Dr. Valentim, se o senhor tivesse plenos poderes para lidar com esses problemas do gênero, de que forma o senhor tentaria resolver a questão da cracolândia ou das cracolândias que se espalham pelo Brasil?

            - (V) Eu acho que a coisa do ponto de vista humanitário mais importante seria pegar as pessoas que estivessem mais comprometidas no momento, do ponto de vista humanitário, porque eu tenho informações fragmentadas a respeito da situação. De vez em quando eu passo pela cracolândia, mas as informações que eu tenho são de que as mais graves não estão procurando atendimento e é compreensível que isso aconteça.

            - (M) Justamente porque são casos graves.

            - (V) São casos graves, eles não tem crítica suficiente sobre o que está acontecendo. Então, eu acho que ao invés de ter um promotor e um juiz lá no cratório, para ver quem são as pessoas que poderiam precisar de uma ajuda, de uma internação compulsória, eu acho que as pessoas do judiciário deviam ir à Cracolândia e perceber quem são as pessoas que realmente estão comprometidas. Porque essas pessoas estão correndo risco de vida.

            (E) Seria o judiciário a fazer isso?

            (V) Acho que o Ministério Público tem de propor e o juiz de que autorizar, porque a internação compulsória é por ordem judicial. O médico não tem esse poder. O médico pode dizer “olha, aqui nesta região eu tenho estes 10 indivíduos que do ponto de vista médico estão me parecendo incapazes de perceber o que está acontecendo com eles, estão correndo sérios riscos, inclusive de vida. E aí, a justiça é quem tem de determinar a internação compulsória.

            (E) O senhor é favorável a internação nesses casos?

            (V) Não só de quem estiver com problemas de Crack, quem tiver qualquer problema e estiver correndo risco de vida deve se beneficiar de uma internação hospitalar e deve ser levado para um hospital e ser atendido, porque o resto me parece omissão de socorro.

            (E) Doutor Valentim, apesar do drama da cidade do Crack, o senhor tem demonstrado uma preocupação muito grande com a Cannabis, com a Maconha. Tem feito uma certa cruzada no melhor sentido dessa palavra. Qual o sentido? Há uma posição liberalizante que eu acho um pouco...

            - (V) Eu sou bem liberal. O problema é que, o adolescente fumando maconha uma vez por semana aumenta em 310% o risco de desenvolver Esquizofrenia. Que é uma doença incurável.

            (E) Uma vez por semana!

            (V) É. Essa pesquisa foi feita desde 1959 com um grupo de 50 mil suecos e está confirmado em 7, 8 países já. Então, as metanálises mostram 210% se somar todos os estudos controlados e adequados até 2007. Então, o problema é, vamos liberar geral, desde que antes dos 21 anos as pessoas não fumem maconha uma vez por semana. Quem é que pode garantir isso? A questão do Crack é outra, as pessoas estão correndo risco de vida mesmo e elas estão muito perturbadas. Então, eu acho até que, se o sujeito estiver fumando Crack e não está muito prejudicado, está fazendo uso mais esporádico, então o juiz não deve decretar a internação compulsória. Porque se fizer assim vai internar milhares de pessoas.

            - (M) São raros os casos de uso esporádico do Crack?

- (V) São raros porque ele vicia demais. O que nós temos visto e eu tenho informações do que a gente tem recebido no Cratório, por exemplo, que é o Centro de Referência lá na cidade, são famílias e os usuários pedindo para ser atendidos. Então, as vezes você tem uma internação involuntária, a família pede, o médico recomenda; as vezes você tem uma internação voluntária... estão começando a fechar os leitos, pois acreditam que existem outras formas de lidar com isso. Agora, tem algumas pessoas que estão muito prejudicadas. E essas pessoas, mesmo que não estejam usando crack, mas tenham um doença mental grave, que estejam muito prejudicadas, na rua, comendo terra, se expondo as coisas que o filme “Omissão de socorro” mostrou, por Luiz Tavares de Araújo, eu acho que essas pessoas devem ser atendidas.


Publicado por Sióstio de Lapa em 03/01/2017 às 07h27


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr