Meu Diário
06/01/2017 01h06
ABORDAGEM DAS DROGAS (II) – VALENTIM GENTIL FILHO (05)

            - (E) Dr. Valentim, qual seria essa linha que chega para você diagnosticar e dizer que essa pessoa está em risco de vida. Como o promotor, que vai pedir essa internação dessa pessoa viciada, onde ele identifica que ela está correndo risco de vida?

            - (V) Ele tem que ouvir alguém técnico.

            - (E) Recorre ao especialista

            - (V) Tem que ouvir alguém técnico. Está consciente? Está sabendo onde está? Está sabendo quem é? Do ponto de vista da saúde geral, em ordem? Está com sinais evidentes de que está com graves infecções, toxemiado... sabe, se você chegar na rua e tiver alguém tendo uma convulsão, você não terá muita dúvida que essa pessoa está precisando de atendimento de urgência. Eu não estou falando de internação em hospital psiquiátrico. Eu estou falando de internação em serviço de saúde que tenha condições de lidar com a emergência.

            - (E) Então, nessa linha, lá na Faculdade de Medicina, para quem está assistindo, nós temos o Serviço de Verificação de Óbitos, que são as pessoas que morrem de morte natural e não tem ninguém que ateste o óbito. Então, a gente tem a interface entre a assistência da saúde pública e as consequências letais da falta de assistência. E no caso de doença mental, temos visto famílias, porque todas vezes nos fazemos autópsia, não tem história nenhuma e se pergunta para a família o que aconteceu. E há uma notável faltas de compreensão sobre o que é doença mental. Se você cair na rua e for atropelado, o resgate vem e te pega. Se você tiver falando com uma entidade invisível, isso é considerado exótico. E a gente percebe as marcas dessa desassistência, as consequências da doença mental, o indivíduo primeiro perde o emprego, depois ele vai para casa e arranja um conflito familiar que no final diz que é amor. Como é que o senhor acha que a gente pode melhorar a percepção das pessoas que isso é uma doença e não... que aquilo de fato é uma doença tanto quanto uma apendicite e que merece um atendimento. E segundo, como é que a gente vai fazer de novo... eu já presenciei uma vez, estando no Jornal de Cultura, uma pessoa que estava meio... uma convulsão, e a polícia não queria por porque ele era um mendigo, cheirava mal, com todo um estigma em cima da doença mental que vem desde a Nau dos Insensatos. Como é que a gente faz, como é que o senhor acredita a gente pode quebrar isso, como é que a gente faz pode fazer com que a sociedade abra o olho para esse quadro, onde eu pego só uma parte disso, que são aqueles casos que não foram beneficiados com uma internação, corriam risco de vida e não conseguiram ser protegidos pelo sistema de saúde.

            - (V) A primeira descrição de um caso psiquiátrico bem caracterizado, está em Samuel 16:23, Livro dos Juízes, Velho Testamento. A proposta de um grupo de psiquiatras de Israel, publicada numa revista, é que o rei Saul tinha transtorno bipolar tipo I. então, primeiro, doença mental não é modismo. Tirando abuso de substâncias, desde Noé, a humanidade tem história de doença mental em pessoas ilustríssimas. A gente tem a Nau dos Insensatos, a gente tem histórias desde 1.250 de atendimento comunitário. A gente só tem tratamento eficaz de 1.930 prá cá. O que as pessoas continuam pensando a respeito da doença mental, é realmente, de estigma, de vergonha, até pouco tempo atrás as pessoas atribuíam isso às famílias, eram taras, quando não era a mãe esquizofrenogênica, a mãe a grande culpada, pois dava a mensagem do duplo vínculo, que tornava o filho esquizofrênico. Quer dizer, com esse tipo de coisa, e sabendo que tem um componente familiar genético em algumas dessas coisas, você está lidando com famílias vulneráveis, alguns dos antepassados já tiveram esses problemas, um sofrimento enorme de ver alguém muito gravemente doente, que tem comportamentos que são desagradáveis... Essa história que doente mental não é perigoso, é muito bonita para a gente tentar diminuir o estigma, mas a verdade é que não é perigoso se ele estiver sendo tratado, porque se ele não estiver sendo tratado, estiver delirante, ele pode sim, ser perigoso. Então, a própria classe médica fica meio perdida no que faz. Nossos colegas, quando você fala que vai ser psiquiatra, eles já te começam a olhar meio estranho, “parecia que você queria ser médico” ou coisa assim. Então, o estigma, medo, preconceito, dependeriam de nós termos educação. A única forma de lidar com isso seria educar. Mas trem uma história que as pessoas acham que ficar doente é fraqueza, e doença mental, então, é mais fraqueza ainda. Nós vamos levar muito tempo, e a única preocupação que eu tenho nesse sentido, e é a preocupação do Entrevistador com a maconha, é que nós estamos fazendo uma fábrica de esquizofrênicos. E se a coisa no Uruguai pegar do jeito que eles querem, e se o Brasil for seguir o belo exemplo, de ter a indústria da maconha toda oficializada... eu não estou falando da liberdade individual da pessoa usar qualquer substância, eu estou falando que se a gente deixar os adolescentes expostos a isso, é prejuízo a nível intelectual, é prejuízo para a estruturação da personalidade, é risco de esquizofrenia incurável, é deflagração de depressão e transtorno bipolar, sem falar de...

            - (E) Estas são cenas que passam na sua cabeça quando você a põe no travesseiro à noite? A perspectiva de uma parcela significativa da população jovem correr esse risco e dá a guinada de uma dimensão mais...

            - (V) É... quando algumas pessoas são muito importantes e muito responsáveis passam a mensagem que a maconha é mais segura do que álcool e tabaco.

            - (E) Esse risco se restringe aos adolescentes ou não?

            - (E) Tem a maioridade para o uso da maconha?

            - (V) A gente sabe que no adolescente isso é muito grave por causa desses estudos desde 1.969. Esse é um estudo que no início nós pensávamos que tivesse problemas metodológicos, e hoje a gente sabe que não, está comprovado que é isso mesmo. Não é a causa, não é que todo mundo que fuma maconha vai ficar esquizofrênico, mas existem vulnerabilidades que a gente não consegue detectar. Então, não é que 50% dos jovens vão ficar esquizofrênicos, mas é 3,1 em termos de risco relativo, 210%. É muito! Tem alguns estudos epidemiológicos, estudos genéticos que encontraram alguns marcadores. Um dos marcadores aumenta em sete vezes o risco daquele grupo que tem aquele gen de desenvolver um quadro psicótico. Outra vez, se fosse uma psicose que nossos maravilhosos medicamentos revertessem, mas não revertem. É uma forma que é uma interferência com a reprogramação das conexões sinápticas.

            - (E) Existem distúrbios incuráveis.

            - (V) Esquizofrenia é incurável por definição. Tem gente que acha que não, que é bonito falar isso, mas não tem nada de beleza nessa história. É o tipo da doença que a gente consegue controlar, a pessoa tem uma vida boa, pode ter uma vida praticamente normal, mas vão ficar algumas sequelas. Mas não é só a esquizofrenia. Redução de 8 pontos no QI... você já viu alguém fazer, ao lado dessa história toda, de louvar a liberdade do indivíduo fazer o que quiser, pense livre, regulamentar, não liberar, mas regulamentar e coisas assim. Já viu alguém falar para os jovens dos riscos que eles estão correndo? A gente sabe disso desde 1.987. Você já viu o Ministério da Saúde falar alguma coisa a respeito?

            Parece que houve um corte neste ponto.

            Achei estranho esse corte, pois justamente no momento que estava sendo criticado o Ministério da saúde, o poder público

- (E) ...Essa que a gente chamaria de recreativa e que é mais imediata, é um problema das grandes cidades, de ansiedade, uma série de problemas. Nós não temos em escala global, uma dificuldade de distinguir uma coisa da outra?

- (V) Veja, nada do que a gente usa e funciona no sistema nervoso atua sem que haja algum componente do sistema nervoso que reconheça. Você sabe que toda vez que você tem uma liberação de um determinado neurotransmissor, você tem um freio para isso, para esse neurotransmissor não ser liberado demais. E uma das coisas que acontece em algumas dessas neurotransmissões é que você tem a produção dos canabinóides endógenos. E a função da amida e outros canabinóides endógenos, aparentemente, é justamente de atuar no receptor pré-sináptico, CB1, que é um dos receptores de maconha, para impedir que seja um excesso de passagem de informação, excesso de influxo de cálcio e uma perda da conexão sináptica. Quer dizer, é um mecanismo de auto-regulação. Então, a maconha, o THC, o Tetrahidrocanabinol, estão interferindo com o CB1. O problema é quando você interfere com o CB1 no período de reprogramação sináptica, aparentemente na puberdade, quando você tem uma poda das sinapses irrelevantes. Quer dizer, a criança tem um monte de conexões e quando ela chega na puberdade precisam ser adequadas para que ela possa funcionar com um cérebro adulto. Quando você aparentemente entra com essas interferências com o CB1, você tem um excesso de poda, e é como se você tivesse criando um cérebro menos capaz de processar.

- (M) Você já experimentou maconha, doutor?

- (V) Não. Esse é um dos... não que eu não tivesse acesso, como professor de psicofarmacologia, tinha acesso a LSD, maconha, cocaína, mas eu não tinha essa cultura. No meu tempo o pessoal que fumava maconha não era bem visto, diferente da geração imediatamente a minha. Aí eu virei um caretão, e os meus amigos que antigamente eu chamava de maconheiros ficaram como os caras legais da história. Eu não tenho nada contra  as pessoas usarem recreativamente, desde que elas não estejam se prejudicando, que elas sabem o que estão fazendo. Eu acho que as pessoas tem direito de abrir as portas da percepção. Um dos livros que eu mais gostei de ler quando eu era adolescente foi de Aldous Huxley, gostava de ler aquele mexicano...

- (E) Castaneda.

- (V) Castaneda! Eu lia todas essas coisas, achava maravilhoso, e uma parte da psicofarmacologia que me interessava era essa. Essa é a minha preocupação. Eu não acho que garoto que esteja fumando maconha deva ser preso, eu acho que o traficante, coitado, miserável, que está dando uma pedra de crack não é o problema. Eu acho duro é o sujeito ter um maconhal fenomenal e caminhões de maconha, e não pagar nada por isso. E a polícia federal não fazer nada... pega o motorista do caminhão. Tem alguma coisa errada com essa política da polícia fazer esse tipo de coisa. Do meu ponto de vista, quem são os grandes produtores de maconha no Brasil? Todo mundo sabe onde essas coisas são plantadas, até eu sei! Será que os satélites não mostraram ainda? Plantação fenomenal para encher toneladas de maconha. Então, eu acho que a sociedade está omissa, a sociedade está tapando o sol com uma peneira, quando fala em relação ao jovem. Eu como médico, que as pessoas não tenham uma coisa irreversível. Daí pra frente, eu discordo do ex-presidente Fernando Henrique quando ele diz que o problema da maconha é um problema da saúde. Não é um problema da saúde! Vira um problema da saúde depois que as pessoas são prejudicadas. Mas, imagina se a saúde pode dar uma resposta para esse comportamento social, de usar tantas substâncias. Não é só maconha, é um monte de outras coisas. Então, eu não sou um radical que acha que tem que acabar com as drogas, porque eu acho que não vai acontecer. Mas é diferente de eu ir pedir para regulamentar a maconha, coisa que, para ser regulamentada ela tem que ser legalizada, e eu sei que os pais deixam os filhos tomarem bebidas alcoólicas nas festinhas de 15 anos, e eu sei que os pais que tiverem a informação distorcida de que maconha não faz mal, vão deixar os filhos fumarem maconha em casa, e eu sei que isso vai provocar coisas que podem ser muito prejudiciais. Essa é a posição.

- (M) Nós termos que fazer agora um breve intervalo. Voltaremos logo, ao vivo, com o psiquiatra Valentim Gentil Filho.


Publicado por Sióstio de Lapa em 06/01/2017 às 01h06


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr