Meu Diário
12/04/2017 23h59
GÊNESE ESPIRITUAL (Allan Kardec)

            Irei fazer uma reprodução com o mínimo de adaptação, sobre a Gênese Espiritual, do capítulo do livro de Allan Kardec, “A Gênese”. Servirá para embasar palestra a ser realizada nos ambientes da Doutrina Espírita.

            Todo efeito tem uma causa, e todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente. Por exemplo, o sino pode tocar pela ação do vento ou pelo toque de alguma pessoa com alguma mensagem que obedece a um pensamento, a uma intenção. Não se tem a ideia de dar pensamento a matéria do sino, e sim de uma inteligência à qual ele serve de instrumento para que ele se manifeste.

            Pela mesma razão, ninguém terá a ideia de atribuir pensamento ao corpo de um homem morto. Mas quando ele está vivo, sabemos que tem pensamentos que o move. Sabemos que a energia que faz tocar o sino vem de fora, mas essa energia que faz o corpo humano funcionar, vem de dentro.

            O princípio espiritual é corolário da existência de Deus, sem esse princípio, Deus não teria razão de ser, visto que n´~ao se poderia conceber a soberana inteligência a reinar, pela eternidade a fora, unicamente sobre a materna bruta, como não se poderia conceber que um monarca terreno, durante toda a sua vida, reinasse exclusivamente sobre pedras. Não se podendo admitir Deus sem os atributos essenciais da Divindade: a justiça e a bondade, inúteis seriam essas qualidades, se ele se houvesse de exercitar somente sobre a matéria.

            Por outro lado, não se poderia conceber um Deus soberanamente justo e bom, a criar seres inteligentes e sensíveis, para lança-los ao nada, após alguns dias de sofrimento sem compensações, a recrear-se na contemplação dessa sucessão indefinida de seres que nascem, sem que o hajam pedido, pensam por um instante, apenas para conhecerem a dor, e se extinguem para sempre, ao cabo de efêmera existência.

            Sem a sobrevivência do ser pensante, os sofrimentos da vida seriam, da parte de Deus, uma crueldade sem objetivo.

            Eis por que o materialismo e o ateísmo são corolários um do outro; negando o efeito, não podem eles admitir a causa. O materialismo é, pois, consequente consigo mesmo        , embora não o seja com a razão.

            É inata no homem a ideia da perpetuidade do ser espiritual. Essa ideia se acha nele em estado de intuição e de aspiração. O homem compreende que somente aí está a compensação às misérias da vida. Essa a razão por que sempre houve e haverá cada vez mais espiritualistas do que materialistas e mais devotos do que ateus.

            À ideia intuitiva e à força do raciocínio o Espiritismo junta a sanção dos fatos, a prova material da existência do ser espiritual, da sua sobrevivência, da sua imortalidade e da sua individualidade. Torna precisa e define o que aquela ideia tinha de vago e abstrato. Mostra o ser inteligente a atuar fora da matéria, quer depois, quer durante a vida do corpo.

            São a mesma coisa o princípio espiritual e o princípio vital?

            Partindo, como sempre, da observação dos fatos, diremos que, se o princípio vital fosse inseparável do princípio inteligente, haveria certa razão para que os confundíssemos. Mas, havendo, como há, seres que vivem e não pensam, quais as plantas, corpos humanos que ainda se revelam animados de vida orgânica quando já não há qualquer manifestação de pensamento, uma vez que no ser vivo se produzem movimentos vitais independentes de qualquer intervenção da vontade; que durante o sono a vida orgânica se conserva em plena atividade, enquanto que a vida intelectual por nenhum sinal se manifesta, é cabível se admita que a vida orgânica reside num princípio inerente à matéria, independente da vida material que é inerente ao Espírito. Ora, desde que a matéria tem uma vitalidade independente do Espírito e que o Espírito tem uma vitalidade independente da matéria, evidente se torna que essa dupla vitalidade repousa em dois princípios diferentes.

            Terá o princípio espiritual sua fonte de origem no elemento cósmico universal? Será ele apenas uma transformação, um modo de existência desse elemento, como a luz, a eletricidade, o calor, etc.?

            Se assim fosse, o princípio espiritual sofreria as vicissitudes da matéria; extinguir-se-ia pela desagregação, como o princípio vital; momentânea seria, como a do corpo, a existência do ser inteligente que, então, ao morrer, volveria ao nada, ou, o que daria na mesma, ao todo universal. Seria, numa palavra, a sanção das doutrinas materialistas.

            As propriedades sui generis que se reconhecem ao princípio espiritual provam que ele tem existência própria, pois que, se sua origem estivesse na matéria, aquelas propriedades lhe faltariam. Desde que a inteligência e o pensamento não podem ser atributos da matéria, chega-se, remontando dos efeitos à causa, à conclusão de que o elemento material e o elemento espiritual são os dois princípios constitutivos do Universo. Individualizado, o elemento espiritual constitui os seres chamados Espíritos, como, individualizado, o elemento material constitui os diferentes corpos da Natureza, orgânicos e inorgânicos.

            Admitido o ser espiritual e não podendo ele proceder da matéria, qual a sua origem, seu ponto de partida?

            Aqui, falecem absolutamente os meios de investigação, como para tudo que diz respeito à origem das coisas. O homem apenas pode comprovar o que existe; acerca de tudo o mais, apenas lhe é dado formular hipóteses e, quer porque esse conhecimento esteja fora do alcance da sua inteligência atual, quer porque lhe seja inútil ou prejudicial presentemente, Deus não lho outorga, nem mesmo pela revelação.

            O que Deus permite que seus mensageiros lhe digam e o que, aliás, o próprio homem pode deduzir do princípio da soberana justiça, atributo essencial da Divindade, é que todos procedem do mesmo ponto de partida; que todos são criados simples e ignorantes, com igual aptidão para progredir pelas suas atividades individuais; que todos atingirão o grau máximo da perfeição com seus esforços pessoais; que todos, sendo filhos do mesmo Pai, são objeto de igual solicitude; que nenhum há mais favorecido ou melhor dotado do que os outros, nem dispensado do trabalho imposto aos demais para atingirem a meta.

            Ao mesmo tempo que criou, desde toda a eternidade, mundos materiais, Deus há criado, desde toda a eternidade, seres espirituais. Se assim não fora, os mundos materiais careceriam de finalidade. Mais fácil seria conceberem-se os seres espirituais sem os mundos materiais, do que estes últimos sem aqueles. Os mundos materiais é que teriam de fornecer aos seres espirituais elementos de atividade para o desenvolvimento de suas inteligências.

            Progredir é condição normal dos seres espirituais e a perfeição relativa o fim que lhes cumpre alcançar. Ora, havendo Deus criado desde toda a eternidade, e criando incessantemente, também desde toda a eternidade tem havido seres que atingiram o ponto culminante da escala.

            Antes que existisse a Terra, mundos sem conta haviam sucedido a mundos e, quando a Terra saiu do caos dos elementos, o espaço estava povoado de seres espirituais em todos os graus de adiantamento, desde os que surgiam para a vida até os que, desde toda a eternidade, haviam tomado lugar entre os puros Espíritos, vulgarmente chamados anjos.

            Percebemos que este texto mostra um grande esforço cognitivo para colocar de forma lógica a gênese espiritual e material, sendo o primeiro hierarquicamente superior e necessita do segundo para evoluir nos aspectos morais e angelicais.

            Necessito colocar no próximo texto o capítulo seguinte que irá tratar da união do princípio espiritual à matéria.


Publicado por Sióstio de Lapa em 12/04/2017 às 23h59


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr