Meu Diário
21/05/2017 11h35
O SALVA-VIDAS

            Jesus falava com seus discípulos preparando-os para os acontecimentos próximos. Dizia que era preciso o esclarecimento do coração para que as horas tormentosas não confundisse o entendimento. Dizia que era o Pastor que viera a Israel para reunira as ovelhas tresmalhadas do imenso rebanho. Vinha buscar os centavos perdidos do tesouro do Pai. E qual o pegureiro que não dá testemunho de sua tarefa ao dono do redil? Perguntava Jesus, e dizia ainda que era indispensável que ele sofresse, que não tardava muito e o escândalo haveria de lhe envolver em suas malhas sombrias, mas fazia-se necessário o cumprimento da palavra dos grandes instrutores da revelação dos céus, que lhe precederam no caminho. E afirmava com vigor: está escrito que eu padeça, e não fugirei ao testemunho.

            Os discípulos não podiam compreender, pois Ele era o modelo supremo da bondade; então, o sofrimento seria o prêmio a essas obras de amor e sacrifício?

            Jesus procurava explicar com toda a paciência: “Vim ao mundo para o bom trabalho e não posso ter outra vontade, senão a que corresponda aos sábios desígnios daquele que me enviou. Além de tudo, minha ação se dirige aos que estão escravizados, no cativeiro do sofrimento, do pecado, da expiação. Instituindo na Terra, a luta perene contra o mal, tenho de dar o legítimo testemunho dos meus esforços. Na consideração de meus trabalhos, necessitamos ponderar que as palavras dos ensinos somente são justas, quando seladas com a plena demonstração dos valores íntimos. Acreditais que um náufrago pudesse sentir o conforto de um companheiro que apenas se limitasse a dirigir-lhe a voz amiga, lá da praia, em segurança? Para salvá-lo, será indispensável ensinar-lhe o melhor caminho de livrar-se da voragem destruidora, nunca tão só com exortações, conselhos, advertência, mas atirando-se igualmente às ondas, partilhando dos mesmos perigos e sofrimentos. O fardo que sobrecarrega os ombros de um amigo será sempre mais agravado em seu peso, se nos pusermos a examiná-lo, muitas vezes guiados por observações inoportunas; ele, entretanto, se tornará suave e leve para aquele a quem amamos, se o tomarmos com os nossos esforços sinceros, ensinando-lhe como se pode atenuar-lhe o peso nas curvas do caminho.

            “Não esperais por triunfo do Reino de Deus, que não o teremos sobre a Terra de agora. Nosso reino ainda não é, nem pode ser, deste mundo... Por essa razão, em breves dias, não obstante as minhas aparentes vitórias, entrarei em Jerusalém para sofrer as mais penosas humilhações. Os príncipes dos sacerdotes me coroarão a fronte com suprema ironia; serei arrastado pela turba como um simples ladrão! Cuspirão nas minhas faces, dar-me-ão fel e vinagre, quando manifestar sede, para que se cumpram as Escrituras; experimentarei as angústias mais dolorosas, mas sentirei em todas as circunstâncias, o amparo daquele que me enviou! ... Nos derradeiros e mais difíceis testemunhos, terei meu espírito voltado para o seu amor e conquistarei com o sofrimento a vitória sagrada, porque ensinarei aos menos fortes a passagem pela porta estreita da redenção, revelando a cada criatura que sofre o que é preciso fazer, a fim de atravessar as sendas do mundo, demandando as claridades eternas do plano espiritual.

            O Mestre calou-se, comovido. A pequena plateia dos seus discípulos deixava transparecer sua surpresa indefinível, sem compreender a amplitude das advertências divinas.

            Foi aí que Simão Pedro, modificando a atitude mental da sintonia com Deus e deixando-se conduzir na esteira das concepções falíveis do seu sentimento de homem, aproximou-se do Messias e lhe falou em particular:

            - Mestre, convém não exagerardes as vossas palavras. Não podemos acreditar que tereis de sofrer semelhantes martírios... Onde estaria Deus, então, com a Justiça dos céus? Os fatos que nos deixais entrever viriam demonstrar que o Pai não é tão justo!...

            - Pedro, retira essas palavras! – exclamou Jesus com serenidade enérgica. – Queres também tentar-me, como os adversários do Evangelho? Será que também tu não me entendes, compreendendo somente as coisas dos homens, longe das revelações de Deus?! Aparta-te de mim, pois, neste instante, falas pelo espírito do mal!...

            Verificando que o pescador se emocionara até as lágrimas, o Mestre preparou-se para a retirada e disse aos companheiros:

            - Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga meus passos.

            No dia seguinte, Pedro seguia com o grupo, humilde e cabisbaixo. Não conseguia compreender por que motivo fora Jesus tão severo para com ele. Em verdade, ponderara melhor suas expressões irrefletidas e reconhecera que o Mestre lhe perdoara, pois observada que eram sinceros o sorriso e o olhar compassivo que o envolviam numa alegria nova. Mas sem poder controlar acalmar suas emoções, o velho discípulo aproximou-se novamente de Jesus e interrogou:

            - Mestre, por que razão mandastes retirar as palavras em que vos demonstrei o meu zelo de discípulo sincero? Por que motivo me designou como intérprete dos inimigos da luz?

            - Simão - respondeu o Messias bondosamente -, ainda não aprendeste toda a extensão da necessidade de vigilância. A criatura na Terra precisa aproveitar todas as oportunidades de iluminação interior, em sua marcha para Deus. Vigia o teu espírito ao longo do caminho. Basta um pensamento de amor para que te eleves ao Céu; mas na jornada do mundo, também basta às vezes, uma palavra fútil ou uma consideração menos digna para que a alma do homem seja conduzida ao campo de estacionamento e do desespero das trevas, por sua própria imprevidência. Nesse terreno, Pedro, o discípulo do Evangelho terá sempre imenso trabalho a realizar, porque, pelo Reino de Deus, é preciso resistir às tentações dos entes mais amados na Terra, os quais, embora ocupassem o nosso coração, ainda não podem entender as conquistas santificadas do Céu.

            Acabando o Cristo de falar, Simão Pedro calou-se e passou a meditar.

            Esse episódio tão forte para Pedro e tão esclarecedor nas lições do Cristo, fez lembrar o papel de Salva-Vidas que Jesus desempenhou entre nós, mergulhando no mar de pecados, nas tormentas e inferno consciencial que nós vivemos para nos resgatar a custa do próprio esforço e se sacrificando com todas as dores que um ser humano pode suportar. Agora, nós que estamos aprendendo as suas lições, é como se estivéssemos sendo conduzidos pelos braços fortes do Salva-vidas divino, ao mesmo tempo que nos ensina o caminho para sairmos deste inferno consciencial.

            No meu esforço de compreensão para ir um pouco além da compreensão de Pedro, começo a perceber a diminuição das chamas e labaredas do inferno na minha consciência, seguindo o caminho que o Salva-vidas divino deixou registrado. Um passo adiante nesse processo de resgate, é dar de graça o que de graça eu recebi. Se Jesus fez tanto esforço para me ensinar esse caminho apesar de pessoas que escrevem livres ou fazem pregações ao público, então tenho que pagar da mesma forma. Devo vestir meu colete de Salva-vidas com as cores do Amor e me jogar ao mar para salvar tantos irmãos que de tão sufocados pelas labaredas as vezes não conseguem emitir nenhum pedido de socorro.

 


Publicado por Sióstio de Lapa em 21/05/2017 às 11h35


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr