Meu Diário
30/09/2017 20h37
FALA DO GUARDIÃO

            Depois da fala de Mauá, ele cedeu a palavra a um dos guardiões escalados para falar. O homem corpulento, vestido de um traje que lembrava uma farda militar de gala, assumiu o lugar do antigo visconde e deu prosseguimento à apresentação do relatório de atividades dos guardiões após saudações sucintas.

            - Os resultados da metodologia de reeducação ou de impacto sobre os grupos-alvo de nossa intervenção, conforme descrito pelo amigo Mauá, serão sentidos e percebidos ao longo dos anos, caros companheiros, notadamente a partir de 2013 e de 2014, mas, principalmente de 2015 em diante, de acordo com o calendário local – principiou o guardião, adicionando a ressalva final por causa da presença extraterrestre.

            O ambiente pareceu se modificar por completo assim que o guardião assumiu a palavra. Em vez de uma simples projeção, como ocorria quando Mauá falava, agora imagens, sensações, emoções e cada detalhe de seu pensamento eram irradiados diretamente sobre a mente dos presentes. Todos percebiam cheiros, cores, temperatura; enfim, tinham a impressão de estar participando vividamente dos cenários e das situações que o agente de segurança planetária compunha e descrevia.

            - Nosso projeto inclui usar até mesmo certos partidários da oposição, aqueles rebeldes por natureza, que, embora sirvam às sombras, conservam alguma disposição boa em si. Para tanto, será necessário investir fortemente nesse pouco de bem, nesse 1% de vontade de acertar, ainda que sua intenção mais profunda seja outra. Quero dizer é que há contingente apreciável de agentes das trevas encastelados em Brasília, em Caracas e em outros locais, desde representantes do povo até empresários, passando pelos que vestem toga. Estes fazem papel duplo: dizem-se ser a favor da justiça, mas têm o passado tão comprometido que acabam por se vender, prestando um desserviço à nação onde atuam. Tentaremos acessar a consciência até mesmo desses homens e romper o cordão de isolamento mental instalado por seus manipuladores invisíveis. De alguma maneira, das trevas é preciso tirar ao menos uma réstia de luz.

            - E se, porventura, esses homens públicos usados pelos agentes do bem voltarem, depois, a servir às forças de oposição ao Cristo cósmico? – perguntou um dos seres de outros mundos, bastante preocupado com a situação terrena, tão logo pediu licença para interromper.

            - Todos responderão à justiça sideral, cada qual a seu tempo, conforme a lei divina que rege as escolhas e as consequências que eles acarretam. Contudo, é preciso considerar que espíritos da categoria de Tereza de Calcutá, Mahatma Gandhi e Chico Xavier, entre outros exemplos, dificilmente conseguirão comover, com seus discursos, homens imersos nas trevas mais profundas, absortos em pensamentos de corrupção, conquista de poder e satisfação das piores ambições. Refiro-me, sobretudo, aqueles que, voluntariamente, tornaram-se aliados dos senhores da escuridão, como são os casos de Chávez, Maduro, Fidel e Raul Castro, Silva e sua cria política, além de Cristina Kirchner, Evo Morales e outros sócios do plano de destruição que desencadearam contra os princípios que defendemos em nome do Cordeiro.

            Esses personagens todos, cada um representa uma das cabeças da hidra; metaforicamente, morre um, e nasce outro no lugar. Trata-se de uma figura mitológica que ilustra bem a seguinte realidade: o pensamento fundador do poder político antagônico a tudo que se chama de Deus e a tudo que sintetiza as ideias cristãs assume características diferentes de acordo com a região onde se alastra, mas manifesta invariavelmente a tenacidade de seu fundamentalismo político pseudorreligioso e de sua origem comum.

            Voltando ao ponto que motivou o questionamento, é importante esclarecer: para enfrentar pessoas do calibre daquelas que já se venderam e são largamente manipuladas por inteligências sombrias, não há como prescindir de quem está do mesmo lado do front que o adversário, porém tornou-se rival do grupo mais perigoso, ainda que em caráter temporário. Até porque os homens que se consideram impolutos e bem-resolvidos são “espiritualizados” demais, estão ocupados apenas rezando, combatendo entre si e contra nós próprios, pois a metodologia dos guardiões difere por completo do que estabeleceram como correto. Uma coisa é clara: nós não ficaremos sem atuar, omissos, só porque, em determinado meio, não há quem preencha os requisitos morais que muitos árbitros da realidade extrafísica julgam indispensáveis para que se aja em sintonia conosco. Na verdade, a política divina é muito mais misericordiosa do que muitos de seus porta-estandartes, pois ela não impõe barreiras à ação da justiça em razão de pudores e caprichos – o que, ademais, seria uma crueldade tremenda com quem se veria à mercê da injustiça.

            Assim sendo – e dirijo-me agora, principalmente, aos amigos guardiões -, vamos usar indivíduos que guardam características em comum com aqueles fantoches das sombras. Somente quem está no mesmo nível ou é daquela estirpe poderá fazer frente a homens com tamanho grau de corruptibilidade, dissimulação e frieza, exímios enganadores que são. Em paralelo, nossos agentes encarnados, projetados por meio do desdobramento, agirão lado a lado conosco a fim de enfrentarmos as forças opositoras, que farão de tudo para se agarrar ao poder indefinidamente.

            Certa tensão pairava no ar, mas os planos foram claramente delineados ali. Aos soldados do astral, não era dada muita margem para escrúpulos. Enfrentar as forças das trevas, tendo-se em vista a realidade terrena, exigia despir-se do receio de “sujar as mãos” – evidentemente, sem se comprometer nem perder de vista o objetivo. Em última análise, pautar-se por um idealismo utópico contribui para a proliferação do mal, e os guardiões tratam é de coibi-la.

            A política do anticristo fora descrita como a hidra de Lerna. À semelhança de um polvo gigante, seus tentáculos se alastravam pela América Latina e pelo mundo, tendo cada qual uma cabeça atuando em cada país, em cada região. A ação de muitos homens maus poderia resultar em bem quando eles disputassem entre si, como adversários em busca do poder. De modo análogo, cidadãos bons ou que se dizem do bem seriam plenamente capazes de ser úteis às forças e à filosofia do mal quando medissem com leviandade as consequências das bandeiras defendidas, quando relutassem em examinar as coisas com maior profundidade e em confrontar suas concepções com os postulados da política do Cordeiro. Era preciso se valer de pessoas mesmo de índole até certo ponto má, mas cujas ações pudessem redundar em benefício para o ser humano, tal era uma realidade inescapável. Além do mais, talvez o bem que os homens maus fariam, mesmo com intenções escusas, pudesse ser uma de suas últimas oportunidades de fazê-lo. Cabia lembrar o que ensina a política divina: “E, se alguém der mesmo que apenas um copo de água fria a um destes pequeninos, (...) não perderá a sua recompensa.


Publicado por Sióstio de Lapa em 30/09/2017 às 20h37


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr