Meu Diário
18/12/2019 00h34
REQUIEM PARA MATUSALEM

            Na série Star Trek (Jornada nas Estrelas), terceira temporada, episódio 19 (Réquiem para Matusalém), que passa na Netflix, Kirk, o capitão, Spock o primeiro oficial e McCoy o oficial médico, descem a um planeta supostamente desabitado para obter o mineral rietalina e combater uma praga de febre que acomete a população da nave Enterprise.

            Vai encontrar um homem solitário nesse planeta, o Sr. Flint, cujas células se regeneram e ele atinge a imortalidade, na personalidade dos vários gênios da humanidade, artistas, cientistas, eclesiásticos, militares... com o seu gênio desenvolveu uma mulher androide, Rayna, perfeita, mas sem emoções. Os diálogos finais são importantes na característica principal que define o ser humano: o amor. Vejamos esses diálogos para nossa reflexão, que começa Kirk observando a sua nave reduzida sobre a mesa e ele imaginando que sua tripulação havia sido morta:

            -K – Minha tripulação.

            -F – Nosso teste de força. Não teve nenhuma chance. É hora de se juntar à sua tripulação.

            -K – Você dizimou 400 vidas? Por quê?

            -F – Já vi bilhões morrerem. Conheço a morte melhor que ninguém. Joguei inimigos em suas garras, e conheço a compaixão. A tripulação não está morta, apenas suspensa.

            -K – Pior que mortos. Ressuscite-os! Devolva a minha nave.

            -F – No devido tempo. Em 1.000, 2.000 anos. Conhecerá o futuro, Capitão Kirk.

            -M – Você foi todos esses homens. Você conheceu e criou tal beleza. Assistiu sua raça evoluir da crueldade e barbarismo ao longo de toda a sua vida e agora você faria isso conosco?

            -F – As flores do meu passado. Eu mantenho as rédeas do presente. Sou Flint agora, tenho necessidades.

            -K – Quais necessidades?

            -F – Esta noite, vi algo surpreendente. Algo pelo qual esperava, pelo qual trabalhei. Nada deverá estraga-lo. Finalmente, as emoções de Rayna ganharam vida. Agora elas se voltarão para mim, nesta solidão que preservo.

            -R – Não.

            -F – Rayna!

            -R – Não deve fazer isso com eles.

            -F – Eu preciso.

            -S – O que sentirá por ele quando formos embora?

            -M – Todas as emoções estão em jogo, Sr. Flint. Se nos machucar, ela o odiará.

            -K – Devolva minha nave. Seu segredo está seguro conosco

...Kirk se dirige a Rayna...

            -K - Foi por isso que você atrasou o processamento da rietalina.

... se vira para Flint e diz...

            -K – Descobriu o que estava acontecendo. Manteve-nos juntos, Rayna e eu. Porque você sabia que eu poderia avivar suas emoções. E agora você está prestes a tomar posse.

            -F – Devo tomar o que é meu. Quando ela vier a mim. Estamos unidos, capitão. Somos iguais. Imortais. Deve esquecer seus sentimentos, o que é impossível para você.

            -K – Impossível! Impossível. Você me usou desde o início.

... vira-se para Rayna...

            -K – Eu não posso amá-la, mas eu a amo.

... vira-se para Flint...

            -K – E ela me ama.

... entram em briga corporal. Spock segura Kirk pelo braço.

            -S – Capitão, seus impulsos primitivos não mudarão as circunstâncias.

            -K – Não se meta. Estamos brigando por uma mulher.

            -S – Não, não estão, pois isso ela não é.

... continuam brigando enquanto Rayna fica cada vez mais aflita...

            -R – Não posso ser a causa disso. Não serei a causa disso. Por favor, parem! Parem! Parem! Eu escolho para onde desejo ir. O que eu quero fazer.

... os dois param, surpresos, a briga, ao notarem a atitude de Rayna. Ela continua a falar e coloca a mão, aflita, protegendo a cabeça...

            -R – Eu escolho. Eu escolho.

            -F – Rayna.

            -R – Não. Não me dê ordens. Ninguém pode me dar ordens.

            -K – Ela é humana. Até a última célula, ela é humana. Até o último pensamento, esperança, aspiração, emoção, ela é humana. Porque o espírito humano é livre. Você não a possui. Ela é livre para fazer o que quiser.

            -S – Senhores, recomendo que parem. Há um perigo.

            -F – Nenhum homem pode me derrotar.

            -K – Não quero derrotá-lo. Este não é um teste de força. Rayna pertence a si mesma. E ela reivindica o direito humano de escolha. Para ser do jeito que ela quiser. Para fazer o que quiser, para pensar o que quiser.

            -F – Foi para isso que trabalhei.

            -K – Rayna, venha comigo.

            -F – Fique.

... Rayna fica tensa, olhando para os dois oponentes, com o testemunho de Spock e McCoy...

            -R – Eu não era humana. Agora eu amo. Eu amo.

... Ela não resiste e cai morta no chão. Os quatro se acercam dela...

            -F – Você não pode morrer.

            -K – O que aconteceu?

            -S – Ela o amou, capitão. E ao senhor também, Sr. Flint. Como um mentor, mesmo como um pai. Não houve tempo o bastante para ela se ajustar à força terrível e às contradições de suas novas emoções. Ela não suportou ter de magoar um dos dois. As alegrias do amor a tornaram humana e as agonias do amor a destruíram.

... a cena se volta para nave onde todos os tripulantes estão presentes. Spock entra na sala onde Kirk se encontra sozinho, acabrunhado.

            -K – Spock?

            -S – A epidemia foi reduzida, não é mais uma ameaça. A Enterprise está no curso 5-1-3, marco 7, como ordenou.

            -K – Um velho e solitário homem. E um jovem e solitário homem. Provocamos uma situação bem triste, não? Se ao menos eu conseguisse esquecer.

... Kirk baixa a cabeça na mesa, enquanto McCoy entra na sala e Spock faz sinal para ele se conter...

            -M – Kirk... Graças aos céus, finalmente dormiu.

            -S – Seu relatório, doutor?

            -M – As leituras do tricorder sobre o Flint foram finalmente correlacionadas. Está morrendo. O Sr. Flint, ao deixar a Terra, com todos os campos complexos dentro dos quais ele foi formado, sacrificou sua imortalidade. Ele viverá o restante de uma vida normal e então morrerá.

            -S – Lamentarei esse dia. Ele sabe?

            -M – Sim, eu disse a ele. Ele pretende devotar o resto de seus anos e suas grandes habilidades a melhorar a condição humana. E quem sabe o que pode vir daí.

            -S – De fato.

            -M – Bem, acho que é tudo. Posso contar ao Kirk mais tarde ou você poderá fazê-lo. Considerando a longevidade do seu oponente, um verdadeiro eterno triângulo. Você não entenderia isso, entenderia, Sr. Spock? Sinto mais pena do senhor do que dele. Porque nunca saberá o que o amor pode levar um homem a fazer. O êxtase, a penúria, as regras quebradas, as atitudes desesperadas, as derrotas gloriosas e gloriosas vitórias. Você nunca conhecerá essas coisas simplesmente porque a palavra “amor” não consta em seu dicionário. Boa noite, Spock.

            -S – Boa noite, doutor.

            -M – Gostaria que ele pudesse esquecê-la.

... McCoy sai da sala, Spock fica sozinho com Kirk que está adormecido na mesa. Ele se aproxima lentamente, coloca sua mão energética de Vulcano na fronte de Kirk, e fala suavemente...

            -S – Esqueça.

            O foco no final se volta para o amor romântico, um dos mais fortes amores condicionais. Quando a androide adquire a emoção desse amor romântico, condicional, entra em conflito, pois com sua decisão sabe que um dos dois irá sofrer, aquele que se sentir preterido por ela. Não suporta essa pressão mental e a sua mente fragilidade se apaga e o corpo morre.

            Caso o foco do episódio tivesse explorado o amor incondicional, não haveria essa tragédia no final. Ela poderia decidir com tranquilidade com quem iria ficar e o outro, preterido, iria reconhecer que sua amada escolheu o melhor para ela e ficaria mais feliz com a sua felicidade, do que infeliz com a frustração de ter sido preterido.

            Mas um dia atingiremos este nível.


Publicado por Sióstio de Lapa em 18/12/2019 às 00h34


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr