Meu Diário
27/12/2019 00h25
DOIS PAPAS (01-SIMPLICIDADE)

            No filme da Netflix, baseado em fatos reais, são apresentados diálogos interessantes entre o papa Bento XVI e o cardeal Jorge Bergoglio, que é importante vermos e refletirmos. Vou ter a permissão de entrar na conversa, como uma ovelha disposta a aprender com meus pastores, podendo colocar minhas opiniões e dúvidas sobre o que se está tratando. Deixo a mesma permissão aos meus leitores, e principalmente nas críticas as minhas intervenções.

            O Cardeal Jorge Bergoglio, da Argentina, é convidado para visitar o papa Bento XVI em sua residência de verão.

            -B – Bom dia

            -J – Santidade.

            -B – A última vez que nos encontramos falamos em latim.

            -J – Foi um encontro muito breve. Nunca fui tão estudioso quanto o senhor. Por favor, latim não.

            -B – O latim é sempre útil, especialmente quando preciso dar más notícias aos cardeais. Somente 20% ficam bravos, porque só 20% entendem o que digo. Me desculpe pela espera, sei que é muito pontual. Paolo, meu último assistente, me faria chegar na hora. Ele era perfeito.

            -J – Mas agora está preso.

            -B – É.

            -J – Prefere andar?

            -B – Sim, mas não seria inteligente. Seu cadarço está desamarrado. Me escreveu pedindo para se aposentar.

            -J – Isso. Tenho os papéis aqui.

            -B – Cardeais só se aposentam depois dos 75 anos. Está doente?

            -J – Tenho problema nos pulmões.

            -B – Sei, mas você já nasceu assim, e isso nunca foi um problema. Está em sua ficha.

            -J – Ficha?

            -B – Aqui temos fichas de todos, não precisa se sentir lisonjeado.

            -J – Não, eu... não estou doente.

            -B – Na verdade, você é bem ativo. Você anda por toda parte, às vezes de bicicleta.

            -J – E faço tango uma vez por semana.

            -B – A dança?

            -J – Eu sou argentino. Tango e futebol são obrigatórios.

            -B – É claro. E você dança com alguém?

            -J – Pareceria tolo dançar sozinho, então, pela dignidade do meu cargo, eu danço com alguém.

            -B – Claro, que bom... então... você é um dos meus maiores críticos, e há muita competição por esse título.

            -J – Jamais falei contra o senhor.

            -B – Não diretamente, mas se recusou a morar no palácio oficial dos cardeais arcebispos.

            -J – É grande demais.

            -B – Bem, por ser tão puro e simples, isso faz parecer que não somos suficientemente simples.

            -J – Alguém conseguiria viver de forma suficientemente simples?

                        Essa é uma questão complicada do ponto de vista prático, pois mistura a cultura humana cheia de necessidades egoístas, a pompa, poder e luxo, com o ideal espiritual da espiritualidade, a simplicidade. Seria possível a simplicidade dos primeiros discípulos do Cristo terem levado o Evangelho a todas as partes do mundo, sem um aparato de pompa e poder? Também acho estranho tanto luxo e riqueza nas igrejas católicas e as ovelhas com tantas necessidades. Eu acredito que não teria oportunidade de conhecer o Evangelho com tanta facilidade, se não fosse o poder da Igreja em colocar na pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte essa oportunidade, inclusive com uma escola administrada pela igreja, cujos alunos tinham que pagar mensalidade.

            O que pode ser observado é que esse poder é da Igreja e não das pessoas que a administram. Pode usar até alguns paramentos para lembrar a responsabilidade e a dignidade do cargo que exerce, mas nunca incorporar esses valores como bens pessoais.

            Fazendo assim, a pompa da Igreja serve para sua disseminação pelo mundo e seus gestores não se tornariam contaminado pelo poder, pelo contrário, o usariam para dar força à disseminação do Evangelho.

            A queixa do papa Bento sobre o comportamento do Cardeal Jorge é compreensível. Ele fica na berlinda como uma pessoa ostensiva enquanto outro se mostra tão simples e popular. Lembra Francisco de Assis, na sua simplicidade e pobreza e missão de levantar moralmente a Igreja do Cristo. Será que Francisco de Assis teria condições de liderar a Igreja da forma que se encontra hoje? Lembrar que a sua própria ordem não seguiu as orientações de pobreza que ele pregava e apenas pessoas bem vocacionadas conseguem ir pelo mesmo caminho. E, apesar de tudo, a ordem franciscana não acabou até hoje com a pompa da Igreja, e até com pecados mais severos.

            O atual papa Francisco, com toda seu esforço e boas intenções de seguir a simplicidade, não consegue deixar de lado a pompa, de vestir os paramentos da fé e usar os recursos modernos de locomoção e segurança, que envolvem milhares de reais que poderiam ser muito úteis a causa da pobreza.

            Mas tudo isso é entendido e o próprio Jesus já advertia, quando repreendeu Judas por ele querer que a mulher pecadora vendesse o óleo caríssimo com o qual ungia o Mestre, para entregar aos pobres. O Mestre disse que a mulher estava correta, pois ela só o teria uma vez, enquanto os pobres sempre existirão.

            Assim também é a Igreja. Se fossemos distribuir sua riqueza com os pobres e acabar com sua pompa e poder, a Igreja não mais existiria como a vemos hoje, com o seu poder de evangelização, e os pobres continuariam a existir.  

            Teremos que ter muita sensibilidade, para que uma ação que seja correta, como a simplicidade, não coloque em dificuldades outras pessoas que procuram seguir as lições do Cristo por outras vertentes.  


Publicado por Sióstio de Lapa em 27/12/2019 às 00h25


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr