Meu Diário
27/02/2020 00h26
SOLICITUDE (34)

André, irmão de Pedro, quando rapazote, num dia de festa em Tiberíades, ouviu um velho narrador de histórias, tido como louco, que se chamava Tatiê, e que falava sobre a Babilônia. Era uma cidade poderosa, centro de atenção para todo o mundo. Se localizava entre os rios Tigre e Eufrates, como um corpo sustentado pelo Golfo Pérsico, também chamado de Garganta do Diabo, que bebe todo o líquido que sustenta a Babilônia.

Babilônia cresceu com a proteção dos deuses e vinha pessoas de todos os lugares para a conhecerem e aí ficavam. Como os costumes de cada povo eram diferentes uns dos outros, começaram a brigar e se separar por tribos, cada um com línguas diferentes para se reconhecerem entre si. Passaram a não se entender cada tribo com línguas diferentes e se denominavam como Ódio, outra Vingança, Ciúme, Tristeza, Hipocrisia, Luxúria, Mentira, Maledicência.

Num dia festa começou uma guerra na grande praça. Todas as tribos lutavam entre si e o vermelho tingiu os rios que levavam para a Garganta do Diabo o sangue daquela gente. Os deuses ficaram enfurecidos e mandaram uma bola de fogo que caiu no meio da praça, explodindo e espatifando o monstro que se tornara a Babilônia. Os restos das tribos se espalharam pelo mundo, com línguas diferentes, sem nunca se entenderem e brigando entre si.

Depois disso, os deuses se acalmaram, vieram visitar as ruínas da cidade e prometeram enviar um filho da Luz, um profeta ainda maior que Moisés, para que esse povo saído da Babilônia voltasse a falar uma só língua e aprendesse com Ele a ser manso e humilde, a amar uns aos outros. Vai ser o Cordeiro de Deus, o Messias, um só Pastor para um só rebanho. Nós temos que ajudar nisso, começar desde hoje a procurar e acompanhá-lo.

André contou a Pedro o que ouviu de Tatiê. Este deu uma longa gargalhada e todas as vezes que lembrava do assunto, ria muito de André. Pedro dizia – Meu irmão, você não conhece Tatiê. Ele é o “doido das águas” já quis atravessar a pé o Mar da Galiléia dizendo ser o rei dos peixes.

André, porém, não se convenceu com o que Pedro falou. As coisas que Tatiê falou eram muito sérias. Mesmo sendo ele doido, o que o impede de falar a Verdade?

Na oportunidade que estava com Jesus, ao final da tarde, na casa em que se reuniam para aprender como o Mestre queria, sempre perguntando com interesse, André fez a pergunta: Senhor, poderias nos dizer o que vem a ser a diligência nossa com os outros e como entender a dos outros conosco?

O Cristo, usando de brandura, atributo irreversível do seu ser, iniciou sua exposição:

- André, a Solicitude não é exigida em todos os momentos da nossa vida, pois estamos permanentemente em comunicação com os outros. Quando nos falam, agrada a nossos corações que possamos ouvi-los com paciência. E, já que estamos ouvindo, a sabedoria divina nas nossas consciências nos adverte para não perdermos tempo, para procurar aprender o que estiver ao nosso alcance com o que ouvimos. Nada se perde na vida, tudo tem uma função em nós e por nós.Toda pessoa atenciosa ganha muito em virtude dessa educação que já conquistou no labor diário, e nunca lhe faltarão as bênçãos de Deus para que essa atenção se multiplique e se converta em amor, em solidariedade e em alegria.

- No entanto, meu filho, é justo que compreendamos o modo de nos empenharmos com as conversas alheias. Quando elas saem da linha da harmonia, da caridade e do bem-estar, é mais do que justo também que nos esfriemos no desejo de ouvir, para que o falante desconfie que não o estamos apoiando no esquecimento do Bem, que é toda nossa meta de vida. Nós temos de nos preocupar na disseminação das virtudes em todas as direções da vida que levamos e, se for possível, em todos os reinos das consciências dos outros que solicitam a nossa ajuda. Não uma preocupação que nos leve à impaciência, mas aquele dever de servir que todos temos pelo impulso do amor, quando uma criatura nos mostra programas de sua vida, cujas ideias estão fundamentadas na nobreza de caráter, na dignidade, na educação, na disciplina, procurando fazer e entender o Bem por todos os meios possíveis. Não existe outro dever maior para nós que a Solicitude com essas almas que procuram ser dignas, pois, encontrando em nós esse apoio, elas se fortalecerão mais e mais na vida de Luz que pretendem levar. Esse tipo de gente merece e deve ter toda a nossa atenção.

O estímulo do Bem, despertado pelo Cristo em seus discípulos, era uma força invisível, mas que se fazia sentir pela alegria permanente nas feições dos seus companheiros. O Mestre voltou a conversa:

- Interessa-nos, André, que possas procurar a Solicitude viva. É o afinco que podes ter de apoiar todos os gestos humanos que não perdem os roteiros do Evangelho, aqueles que trago da parte do meu e do teu Pai que está nos céus. Esse cuidado vivo de que falamos é, por assim dizer, a vivência do Bem que podes ouvir dos outros, é a vivência da caridade que já observaste nos teus irmãos, é a vivência da fé de que tens notícia nos caminhos dos profetas. Apesar de tudo, o cuidado maior e de maior esplendor que podes ter é a Solicitude contigo mesmo, de viver cada dia, cada passo da tua existência, dentro das normas divinas que pregas aos teus irmãos. A exemplificação, meu filho, é a maior força que nos deixa falar com dignidade e gratidão à Deus, pelo que Ele nos tem dado até agora. Ouvir com paciência é arte do aluno que está sendo bem sucedido na escola, e saber ouvir é transição do aprendizado para o mestrado.

André, lembrando de Tatiê, pergunta: A verdade pode nos ser dita por pessoas ignorantes? Pode ser dita por alguém considerada louca? Ou somente os profetas podem dizê-la?

O Mestre respondeu, compassivo.

- André, foi providencial a tua intervenção para que possamos entender os atributos de Deus. A Verdade, meu filho, não é patrimônio dos homens nem tampouco dos anjos. A Verdade absoluta é Deus, em todo seu esplendor divino. Portanto, não pode ser de domínio dos sábios, nem dos santos, nem dos profetas. Ela é força do Criador, que pode e deve se mostrar pelas vias que achar melhores e mais propícias. Ninguém compra a Verdade, nem a própria evolução. A Verdade é o conjunto das leis de Deus, que vêm a nós pela magnânima vontade do Criador, e pode aparecer à nossa frente por fatos simples ou por engenhosos acontecimentos. Quanto aos caminhos que ela poderá percorrer, se puros ou defeituosos, não nos compete o julgamento, porque um homem, pelo simples fato de estar com as faculdades mentais em desordem, não é impedido de acumular sabedoria, a ponto de enfrentar testemunhos que os próprios homens sadios desconhecem.

E os animais? Será que eles não podem nos dar lições sobre a Verdade que Deus deseja que conheçamos? Lembram da conhecida história da gatinha Men? Ela não podia ter filhotes por uma questão biológica. A sua dona que muito a estimava, senhora de muitos bens, também não podia ter filhos, provavelmente por questões biológicas. Certo dia, trouxeram até sua porta duas crianças que acabaram de ficar órfãs de pai e mãe. A senhora recusou a adoção. No mesmo dia a gatinha Men saiu para caçar a noite como sempre fazia e não voltou. Desesperada, a senhora colocou todos seus empregados a procurar seu animal de estimação. Foi encontrada no mato com três filhotes. Ao lado, uma gata morta, possivelmente por um animal maior. A senhora chamou Men para voltar para casa, com todo o carinho, mas Men, olhava para sua dona e não saia do lugar. Enfim, a senhora percebeu que Men adotara os três gatinhos e não queria deixa-los e voltar para a sua luxuosa casa ao lado da carinhosa dona. Uma força maior a prendia ao lado dos três gatinhos órfãos. A mulher entendeu o drama do seu animalzinho e disse com voz afetuosa: venha Men, comigo, e pode trazer os seus gatinhos. Dessa vez Men obedeceu ao pedido, entrou na cesta com os três gatinhos que os empregados trouxeram para leva-la. Antes de chegar em casa, a mulher entendendo a lição que a gatinha a havia dado, procurou onde estavam as duas crianças e as levou consigo como filhas.


Publicado por Sióstio de Lapa em 27/02/2020 às 00h26


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr