Meu Diário
10/03/2020 22h09
O ANJO NEGRO

            Encontrei um texto com este título, como episódio pouco conhecido da História do Brasil. Rafael, o Anjo Negro de Pedro II. Eu não conhecia e como achei interessante, disponibilizo para meus leitores com minhas reflexões.

Rafael, negro veterano da Guerra da Cisplatina, foi encarregado de cuidar de Dom Pedro II, então de tenríssima idade pelo seu pai o Imperador Dom Pedro I, quando este regressou a Portugal.

Rafael, foi mandado vir em 1821 do sul, Pedro I conhecia-o bem. Foi um protetor incansável e extremamente abnegado de Pedro II ainda menino. Dormia no mesmo quarto, evitava que o Imperador chorasse ou se assustasse “com medo das almas de outro mundo” e outras fantasias tão próprias da solidão, em que prevaleciam estudo áridos, religião, serões insípidos e jogos de mesa silenciosamente praticados – era a educação principesca!

Nisso relata-nos Benedito Freitas:

“Incumbido da guarda e proteção de Dom Pedro II ainda em tenra idade, foi de uma dedicação tal que, até determinadas atribuições das Damas, ele as executava com desembaraço e plena eficiência. Dava-lhe os banhos habituais tendo todo o cuidado com a temperatura da água, bem morna sem ser quente, mudava-lhe a roupa e cobria na cama, cabeça de fora, a bela criança pedia ao seu Anjo Negro para contar histórias e outras coisas em que era fértil seu leal servidor.

Certo dia Dona Leopoldina, ficou enternecida ao contemplar Rafael aquecendo a mamadeira do Menino-Imperador. Quando Dom Pedro II não sabia a lição, corria para Rafael pedindo-lhe para o esconder, embora fosse condicionado sempre, que seria a “última vez”….Mais tarde Dom Pedro II ensinou Rafael a ler. Por muito tempo Rafael foi 1º Criado Particular do Imperador e em todas as viagens, mesmo ao estrangeiro, o acompanhou de perto.

A figura quase lendária de Rafael é amplamente descrita no belo livro de Múcio Teixeira, que foi comensal do Imperador por mais de trinta anos, “O Negro da Quinta Imperial”. Rafael contava com 98 anos quando Dom Pedro II foi deposto.

O “Anjo Negro” do Imperador ignorava o doloroso episódio da prisão do seu amo. Múcio conta a cena da comunicação ao leal macróbio, nas seguintes linhas: “Manhã sombria. Uma chuva miúda caíra pela madrugada do dia 16 de novembro de 1889. As vastas alamedas da Quinta Imperial estavam desertas… Rafael, mal raiara a aurora, abandonou seus aposentos, nos baixos do torreão sul, e, muito tremulo, amparado por um rijo bastão, deu início ao seu passeio habitual. Velho e cansado, passara o dia anterior preso ao leito, ignorando que a República havia sido “proclamada” no Brasil.

Vagarosamente caminhava, ouvindo o gorjeio dos pássaros e contemplando, com olhar nostálgico, os lagos sonolentos. Fitava também os bosques sombrios e admirava a Natureza exuberante. Quantas daquelas árvores gigantescas ele vira nascer, florir e envelhecer!

Caminhava e meditava, olhando também para o passado, para a sua longínqua mocidade! Quantos sonhos desfeitos! “Como é triste envelhecer!” – murmurava o velho pajem imperial. Ao chegar ao portão da Coroa, já ofegante, observou com espanto dois soldados que davam “vivas a república”!

Sempre meditando, lentamente regressou ao Paço. Ao aproximar-se do solitário Palácio Imperial, viu o bibliotecário Raposo muito agitado, com cabelos revoltos, andando de um lado para outro lado…

Rafael, muito cansado, curvado e tremulo, sempre amparado pelo seu bastão, dirigiu-se ao bibliotecário do Paço e interrogou-lhe: “Seu Raposo, você enlouqueceu?”  Parando diante do Rafael, o Raposo, como louco, bradou: “Rafael, tu não sabes que ontem foi proclamada a República e que teu Senhor está preso no Paço da Cidade??”.

Rafael, atordoado, deixou cair o forte bastão, no qual a vinte anos se apoiava seu débil corpo; curvado, ergueu-se, cresceu…O seu olhar morto e nostálgico, transfigurou-se, como que iluminado por clarões estranhos. Levantou o braço direito para o céu e exclamou com voz comovente e sonora: “Que a Maldição de Deus caia sobre a cabeça dos algozes do meu Senhor!”

E em seguida rolou por terra: estava morto.”

São as “pequenas” grandes Histórias do Brasil Império, que não são contadas nas Escolas e não fazem parte do currículo, que lamentavelmente fazem-se esquecer nas prateleiras do esquecimento, legando ao Brasil uma cultura de botequim, moldada e forjada pelos sensos comuns grotescos que vemos nas novelas.

Infelizmente isso é verdade. Hoje com 67 anos, sinto-me ludibriado por toda minha vida. Sempre acreditei no avanço histórico que a República trouxera ao Brasil, sem ser informado que isso foi devido a um golpe de estado, sem a participação do povo, e para atender a interesses menores, medíocres e prejudiciais a nação. Hoje começo a ver, por força das novas formas midiáticas de informação, a verdade que a tanto tempo esteve escondida para mim e continua escondida para muitos, a maioria dos meus patrícios.

Mas, o que me conforta é que a verdade mesmo soterrada por toneladas de ignorância e malvadez, sempre vem a tona, e faz a sociedade retomar o rumo positivo da evolução, como todos nós estamos destinados. Esses que, com seus comportamentos trevosos traz tanta dor e atraso à sociedade, certamente terão que pagar suas dívidas. Talvez por isso o nosso planeta ainda seja de provas e expiações, pois têm muitos espíritos voltando para pagar por seus pecados. Por isso, as vezes é contraproducente gerar uma revolução violenta para aliviar o sofrimento de muitos espíritos que estão pagando dessa forma, as dívidas que contraíram, da mesma natureza. Afinal, da lei de Deus ninguém escapa.


Publicado por Sióstio de Lapa em 10/03/2020 às 22h09


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr