Meu Diário
20/07/2022 00h01
A PESSOA MAIS POBRE

            Antonino era uma pessoa caridosa, procurava seguir o caminho reto que sua consciência, cheia de valores, apontava como importante.



            Colocava muita ênfase na caridade, havia aprendido em lições que recebeu por algum tempo que passou em Centro Espírita, que fora da caridade não há salvação.



            Ele se considerava, portanto, uma pessoa que por boa índole, já fazia caridade até naturalmente, mas sempre colocava no ato, racionalizações se estava sendo correto ou cometendo algum erro.



            Por exemplo, quando ele dirigia e chegava crianças pedindo uma ajuda, apesar dele ter as moedas que eram pedidas, ele ficava a pensar que aquela moeda poderia ir parar nos bolsos de algum adulto mau intencionado que colocara aquela criança para explorar a caridade das pessoas, fazendo um bom saldo no final do dia, do qual pouco a criança recebia. Ou então aquele pedinte estava querendo fazer saldo necessário para a compra de alguma droga que mantivesse o seu grau de dependência, de escravização àquela situação. Em ambos os casos a sua racionalização impedia o ato de caridade. Isso o deixava sempre em conflito consigo mesmo, pois aquela pessoa poderia ser um verdadeiro necessitado e ele ter feito uma injustiça com os seus princípios.



            Um dia ele resolveu colocar o seu poder de racionalização à prova, frente os atos de caridade. Juntou todas as moedas que poderia dar naquele dia num saquinho e saiu disposto a entregar todas para a pessoa que a sua lógica considerasse como a pessoa mais pobre.



            Saiu a pé para ter a oportunidade de fazer um raciocínio mais profundo daqueles que pediam alguma coisa. Viu crianças conduzidas no colo por seu pai ou mãe, mostrando suas necessidades; viu aleijados mostrando suas mazelas; viu adolescentes limpando para-brisas de carros e estendo a mão ou fazendo sinal para boca de que estava com fome; viu adultos procurando vender pipocas ou agua mineral com suas caixas de isopor encardidas... em tudo e todos eles colocava o mais alto grau de considerações racionais que pudesse classificar entre todas qual a pessoa mais pobre.



            Não tinha chegado a uma conclusão quando ouviu à distância uma pessoa pedindo votos num carro luxuoso encimado com um potente autofalante. Ele se aproximou e conseguiu ver uma pessoa bem vestida, com o microfone na mão. Reconheceu que era o governador do seu Estado que estava cercado de pessoas distribuindo os seus santinhos, adesivos e programa de governo. O candidato pedia os votos e garantia que iria fazer escolas, hospitais, dar bolsas de estudo, bolsas família, bolsa gás, casa própria, emprego, carro... as promessas saiam de sua boca acompanhadas por gestos vigorosos e de honestidade e de acusações aos seus adversários de todos adjetivos negativos que pudesse aplicar.



            Antonino passou a considerar o que aquela pessoa tão bem vestida, culta, inteligente e poderosa, estava ali, naquela praça a pedir votos a tantas pessoas bem mais humildes que ele, e que muitas das promessas que ele fazia jamais podia cumprir. Interessante é que em todas as pessoas necessitadas que ele viu e considerou até aquele momento, todas eram humildes e pediam a pessoas que aparentavam teriam mais posses. Mas essa pessoa era o inverso, ele tinha mais poder e condições financeiras e pedia a quem tinha menor condições o direito de administrar o dinheiro que todos pagavam, quer sejam ricos ou miseráveis. A simples moeda que um pedinte daqueles que ele viu, recebia de alguém, e ele fosse à padaria comprar um pão, parte desse valor terminaria caindo nos cofres do Estado que iria ser administrado pelo Governador.



            Antonino sabia que este Governador já era considerado rico, fez sua fortuna depois que assumiu o cargo e todos sabiam dos inúmeros processos de corrupção que ele era acusado. Mesmo assim continuava no afã de permanecer no cargo. Os seus desejos de alcançar cada vez mais poder, mais dinheiro, mais bens, era incontrolável.



            Antonino não teve mais dúvidas, ali estava a sua pessoa, a mais necessitada pois seus desejos de possuir era bem maior de que todos aqueles que viu... chegou perto do carro, estendeu a mão e entregou o saquinho de moedas ao político. Um assessor recebeu, olhou para dentro, viu as moedas, olhou para Antonino que se afastava, e coçou a cabeça sem entender.



Publicado por Sióstio de Lapa em 20/07/2022 às 00h01


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr