Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
22/10/2020 00h19
VENTO FORTE

            Este é o terceiro texto escrito no camping há 24 anos, após eu ter sido expulso de casa pela minha segunda ex-esposa...

            10-09-1996 (7h50)

            O vento sopra forte nas folhagens. Ouço o barulho e sinto o frio gostoso no meu corpo. Estou sentado ao sol com os pés apoiados no para-choque do carro.

            Hoje acordei cedo e um pouco incomodado. Não estou acostumado com a dureza do chão, apesar do colchonete. 

            Li um pouquinho, depois, ao levantar, coloquei os joelhos no chão e numa atitude de subserviência, implorei ao Senhor ou qualquer Poder Superior que me fizesse forte, como um instrumento do seu amor; e que proporcionalmente me desse igual força de tolerância, de compreensão.

            Desculpe, amor, não ousei pedir a Ele que me transformasse. Mas, de todo o coração, apesar de meus sentidos terem o sentido da humanidade como um todo, no meu coração a motivação era para nós conseguirmos chegar a um ponto de concordância, de entendimento e de plenitude na vida.

            Aqui é tudo tão gostoso, apesar da aspereza que a Natureza nos oferece. Parece estarmos mais perto de Deus. Se você estivesse aqui comigo tenho certeza que estaria achando maravilhosa a experiência.

            Também preciso lhe contar as trapalhadas. Ontem cheguei aqui já estava escurecendo e foi uma dificuldade para arrumar minhas coisas; para completar, estava chovendo. Ficou tudo molhado, cheio de areia. Os colegas, solícitos, me arranjaram vassoura, bolachas, água... essas coisas. Ao ir dormir fui vestir aquele blusão que compramos em São Paulo. Aí percebi que estava com o seu. Fui dormir com a barriga descoberta.

            Depois vi que tinha lembrado da escova, creme dental e perfume, mas esqueci sabonete, pente e o sapato branco do plantão. Não sou acostumado a viajar sozinho nem a pensar em sair de casa nessas circunstancias. Até mesmo quando viajo sozinho, fui acostumado a não me exercitar em tirar aquilo que vou precisar.

            Veja só! Pensava que não tinha nenhuma dependência, pelo menos severa. Mas, tenho você! Quando estou longe e passo dias sem poder lhe ver, você já sabe qual é a minha reação. Fico macambúzio, sem qualquer motivação para qualquer tipo de interação social, como aconteceu daquela vez em Belo Horizonte.

            Mas quando estou longe (e não é tão longe assim) com a possibilidade de não mais a tocar (não digo amar, pois sempre irei lhe amar, quer estejas perto ou longe dos meus olhos, pois qualquer distancia é impotente em lhe afastar do meu coração) um aperto estranho me envolve o corpo e a mente, e não consigo pensar em outra saída. Talvez se anestesiássemos nossos neurônios. Parece que é isso o que faz os alcoolistas e ao ter essa percepção, me deu uma extrema simpatia a esses indivíduos. Porque, se tal acontece, realmente eles são vítimas de um sentimento indizível através de palavras, cujo consolo encontram no álcool e que depois torna-se o seu algoz.

            É tão bom sentir todo esse amor que sinto pela Natureza. Mas é tão melhor ter alguém que eu possa canalizar todo ele e me sentir maravilhoso!

            Esse alguém, amor, eu já encontrei e já o tenho (ou tive?) e meu desejo é permanecer com ele para sempre, pois já ultrapassou os limites biológicos, materiais (pelo menos para mim é assim) e está existindo numa superestrutura espiritual onde o olhar, o sorrir, o tocar, consegue fazer vibrar todo o meu ser, e não o esforço físico de uma relação sexual.

            Deixa eu parar um pouquinho para sair. Logo mais volto a conversar.   

Publicado por Sióstio de Lapa
em 22/10/2020 às 00h19
 
21/10/2020 00h19
MINHA AMADA

            Este é o segundo texto que escrevi naquele caderno que já falei antes e que registrava meus sentimentos depois que fui de casa expulso pela minha segunda esposa...

            09-09-96 (21h30)

            Minha amada!

            Estou aqui sozinho, no meio do campo, dentro de uma barraca recém adquirida. Como eu queria que você estivesse aqui, mesmo se não fizesse sexo. Seria tão bom sentir seu calor, seus carinhos, sua voz... me aconchegar junto de você e me estirar no chão, como fizemos recentemente em São Paulo.

            Eu sinto que ao longo do tempo que convivemos, meu amor aumentou, e acho que continua a aumentar progressivamente. Tanto é verdade que aqui estou, sozinho, ouvindo a chuva cair no teto da barraca e não tenho nenhum interesse em sair e procurar alguém para me envolver sexualmente. Isso é uma prova mais do que suficiente para mostrar que o amor que sinto por você é maior que qualquer impulso sexual que eu possua. 

            Mas, você não pode jamais esgrimir esse amor e tentar inibir esses impulsos, pois eles são fortes e estão enraizados no fundo da nossa cabeça e podem causar graves estragos no nosso amor. E não quero que jamais isso aconteça. Por isso respeito tanto a liberdade que eles exigem, pois, sem eles sentirem, já estão tão limitados!

            Lembro que num passado recente eles tinham uma potencia incrível e não me deixavam parado um só instante. Hoje me surpreendo passar dias, semanas, meses até, curtindo ficar só ao teu lado, ouvindo discos, vendo filmes, fazendo feira, passeando, chafurdando na cama... e às vezes sexo!

            Como gostaria agora de lhe beijar. Vou deitar no meu chão. Tchau!

            Lendo agora esses textos, 24 anos depois de escritos, quando eu tinha 44 anos, em plena efervescência dos meus hormônios sexuais, vejo o quanto eu prezava o meu relacionamento conjugal, o quanto tinha prazer com ele em todas as instâncias comportamentais. O fato dessas forças hormonais me levarem a desenvolver afetos fora do casamento, que chegavam ao relacionamento sexual e até a geração de filha, como foi o caso e daí, por eu ter informado, ter sido expulso de casa, não eliminavam a qualidade do meu afeto conjugal. Pode ser que afetasse o quantitativo de tempo que eu passasse com minha esposa, já que eu estaria envolvido com outra pessoa.

            Essa conjuntura é interessante, pois minha parceira extraconjugal sabia do meu casamento e da minha intenção de não acabar com minha esposa para ficar com qualquer outra pessoa. Mesmo assim minha parceira extraconjugal tinha afeto suficiente para ficar dentro desse relacionamento, e até gerar um filho nesse contexto, mesmo que não fosse um filho planejado, mas que foi devidamente aceito e registrado. 

            Será que ela fez o correto tendo fez o que fez? Hoje, com o aval desses 24 anos passados, a minha consciência diz que não, que ela fez errado, que poderíamos viver até hoje com o mesmo clima de harmonia e felicidade, se ela não desse tanto valor a esses encontros que todos sabiam ser fortuitos e não permanentes.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 21/10/2020 às 00h19
 
20/10/2020 00h19
68 ANOS

            Hoje completo 68 anos. O tempo passa tão suavemente que nem percebemos. Numa hora somos crianças, brincando de rodinha de ferro, na outra somos adultos, já velhos, meditando nas histórias passadas, nas pessoas, nos relacionamentos... tanta gente, tantas coisas...

            Como seria bom pegar tudo que se passou de positivo na minha vida e pudesse contar integralmente com tudo, vivenciar, relacionar, aplicar o amor em todas as dimensões. Era isso que eu sempre procurei na minha trajetória. Evitei ficar preso dentro de qualquer circunstância, viver com exclusividade afetiva com qualquer pessoa, pois sempre pensei que o amor devia fluir com liberdade, sem preconceitos de qualquer espécie. Para ser coerente com essa forma de pensar, entrei em combate com o demônio dos olhos verdes, o ciúme. Foi uma batalha ferrenha, mas me sai vitorioso. Não tenho mais ciúme de nenhuma das pessoas com as quais me relacionei ou me relaciono. Elas podem ter a mesma liberdade que eu tenho de expressar o seu amor, o seu afeto com qualquer pessoa do seu interesse, indo até os níveis mais profundos da interação, o ato sexual, se for conveniente para ambos.

            Acontece que cada pessoa que me relacionei nestes tantos anos de vida, jamais encontrei alguém que tenha vencido o demônio do ciúme. Por mais que tenham conhecimento da minha forma de pensar e de agir, de ter vencido o ciúme, mesmo que decidam viver comigo nessas circunstancias, quando chega o momento de perceberem a troca de afetos com outras pessoas, a raiva e o desespero toma conta da mente e reações.

            Dessa forma, vivo dentro de um universo estranho, arrodeado de pessoas que desenvolvem afeto por mim, mas que a qualquer momento podem se afastar definitivamente da minha convivência, pela incapacidade de resistir a inclusividade da minha forma de amar.

            Perto de chegar num nível de perda da capacidade psíquica, talvez fique na convivência de alguém cheia de ressentimentos, por nunca ter conseguido a exclusividade da minha capacidade de amar, como tanto desejam.

            O que me deixa fortalecido nessa posição, ameaçado de viver o resto da minha vida sozinho, sem o carinho de uma companheira, é porque tenho a convicção de estar cumprindo a vontade de Deus, de estar obedecendo as lições do Cristo, de formatar uma maquete da família universal e assim contribuir para a construção do Reino de Deus. 

            Posso estar sozinho e até repudiado pelas pessoas que mais amo, mas estou satisfeito, se este é o preço que devo pagar para cumprir a minha missão frente ao Pai. Talvez eu tenha muitas falhas em diversos outros aspectos, mas dentro deste nível de relacionamento afetivo com uma parceira, acredito que eu esteja desenvolvendo a contento, mesmo que eu receba críticas severas de todas elas. Mas como eu vejo do lado delas uma série de incoerências frente ao Evangelho do Mestre e principalmente da aplicação do amor incondicional, nenhuma consegue me convencer que eu esteja errado nas minhas elucubrações. 

            Assim estou atravessando esses 68 anos de vida com o sentido de coerência com o Pai, e, apesar de tantos defeitos e fraquezas que possuo, isso me deixa confortável com minha consciência, onde se localiza a lei dEle.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 20/10/2020 às 00h19
 
19/10/2020 00h18
VINHA DE LUZ 19 – EXECUTAR BEM

            João Batista deu um conselho importante para aqueles que iam ouvi-lo as margens do Rio Jordão, segundo escreveu Lucas (3:13): “Não peçais mais do que o que vos está ordenado.” Essas orientações servem para aqueles que são inquietos, ansiosos; que deixam de fazer um trabalho frutuoso devido a precipitação, a desordens e recapitulações em decorrência. Toda atividade edificante reclama entendimento e engajamento eficaz nas atividades pertinentes.

            A palavra do precursor do Cristo não visa anular ou diminuir a responsabilidade, mas recomenda espírito de precisão e execução nos compromissos assumidos. As realizações prematuras ocasionam grandes desperdícios de energia e atritos inúteis.

            Acredito que eu não esteja agindo prematuramente, pelo contrário, acredito que esteja agindo de forma lenta, retardada, procrastinada. É a outra face da moeda. Não sei qual é a pior, talvez seja a que estou fazendo ou deixando de fazer. Talvez agindo prematuramente, eu gastasse mais energia e causasse atritos, mas pelo menos o trabalho estava sendo realizado de alguma maneira. Da forma que eu não faço, nada é realizado, eu não gasto energia nem crio atritos, mas nenhum trabalho está sendo feito. 

Nos círculos evangélicos da atualidade, o conselho de João Batista deve ser especialmente lembrado, mas também não deve ser esquecido de quem está na ociosidade, sem nada realizar.

Quantos pedem novas mensagens espirituais, sem haver atendido a sagradas recomendações das mensagens velhas? Eu não costumo pedir mensagens para iniciar novos projetos ou atividades. Geralmente peço ajuda para resolver o que já tenho como compromisso na minha mente, as recomendações que o Pai já colocou em minha consciência.

Reconheço minha condição de aprendiz e tenho o cuidado de transmitir a verdade da Boa Nova ao próximo, procurando cumprir a responsabilidade que tenho dentro de casa, alinhando o que falo lá fora com o que pratico dentro do lar que o Pai me permitiu. Ao lado das revelações que chegam à minha mente, assumo a responsabilidade pelo quanto que recebi, dos deveres inalienáveis pelo que aprendi. 

O programa individual de trabalho da alma, no aprimoramento de si mesma, na realização da vontade do Pai, na condição de encarnada ou desencarnada, é lei soberana.

Inútil enganar a si mesmo com belas palavras, sem que estejamos aderidos intimamente a elas, ou recolher-se à proteção de terceiros capitulando na tarefa a ser realizada, na esfera da carne ou nos círculos espirituais que nos são próximos.

De qualquer modo, haverá na experiência de cada um de nós a ordenação do Criador e o serviço da criatura. Não posso multiplicar as promessas ou pedir variadas tarefas ao mesmo tempo. Antes de tudo, é indispensável receber a ordenação do Senhor, cada dia, e executá-la do melhor modo.

Por isso estou sempre pedindo, não novas tarefas, mas sim a capacidade racional de executar o que já tenho determinado dentro de mim com a missão que o Pai desenhou para mim.

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em 19/10/2020 às 00h18
 
18/10/2020 00h17
DIA DE CÃO

            Revisitando meus escritos do passado, encontrei um pequeno caderno com textos que fiz ao ser expulso de casa pela minha segunda ex-esposa. Eu acabara de lhe informar que iria nascer uma filha minha, com uma pessoa que ela jamais imaginaria. Eu tive que dizer, dos anos de relacionamento afetivo e íntimo com essa pessoa até o momento da gravidez indesejada e dela assumir que iria criar a filha, mesmo sozinha, pois sabia que eu era casado e que não tinha intenções de deixar a minha esposa. Face a determinação dela, o que eu poderia fazer era assumir o papel de pai. Foi o que fiz, informando a minha esposa o que havia sucedido. Ela, de forma impulsiva, raivosa e agressiva, me expulsou de casa e fui me abrigar num camping, após ter adquirido uma barraca. 

            Esta é a digitação do primeiro texto que escrevi no caderno.

            09-09-96

            Hoje foi um dia de cão. Apesar dos números da data, 09-09-96, todos serem para mim muito simpáticos, não conseguiram evitar os fatos do dia.

            Logo cedo, pela madrugada, acordei sacudido na minha rede, fuzilado com um olhar raivoso da minha companheira. Estava muito machucada por ter ouvido e descoberto coisas dos meus relacionamentos afetivos. Coisas que procurei afastar do seu conhecimento por medo de machucá-la. Só fiz adiar as coisas...

            Que fazer, meu Deus, para evitar essas coisas negativas para quem amo? Evitar sem me sentir alterado, diminuído, acorrentado? Queria tanto fazer-lhe feliz! 

            Será que o preço da felicidade dela é a minha sensação de ruína? A minha sensação de impotência, de perda da liberdade? 

            No entanto, se eu não mudo meu comportamento ela não é feliz. Se eu mudo, não serei feliz. Pela lógica, somos incompatíveis. Apenas um ponto pode salvar nossa felicidade: o amor.

            E qual a grande lição que o amor nos ensina? Amar sem qualquer exigência, amar sem cobranças, pelo prazer de amar. Pois, se querer a reciprocidade é estar propondo um comércio, e o amor é a pior moeda comercial.

            Quando existe reciprocidade no amor, a coisa é linda e se torna profunda. Porém, devemos continuar sem exigir normas, regras ou qualquer outro recurso, pois o amor por natureza é livre e ninguém em qualquer lugar jamais conseguiu o amor pela força, apenas medo. Parece-me que esse é o grande segredo do amor. Amar a pessoa com todos os seus defeitos e bondades. Como se fosse um aleijado ou deficiente de qualquer órgão biológico. Se alguém fosse amar esse deficiente, por acaso iria exigir que ele ouvisse ou enxergasse como as pessoas normais? Coitado do deficiente, jamais seria amado.

            Quando a coisa se passa com o comportamento de alguém, essa exigência parece não ter nenhuma inibição. Pois, se dificilmente ouvimos alguém dizer a um cego que só vai amá-lo quando enxergar, por outro lado, a uma pessoa que tem o comportamento “errado”, frequentemente se diz que só consegue amá-lo se ele se corrigir.

Aparentemente, é realmente mais fácil corrigir o comportamento, do que corrigir um aleijão biológico. Ora, mas se esse comportamento está alicerçado em convicções que a pessoa adquiriu ao longo de toda uma vida de esforços, se debruçando sobre os esforços intelectuais de diversas pessoas em todo o mundo? Se incorporou isso paulatinamente no seu modo de ver e agir no mundo? Se alguém não passou por todo esse processo, e mais importante, se não tiver a mesma motivação, dificilmente entenderá a força desse processo.

            Mais uma vez, para esse impasse só o amor dará a solução: amar sem exigências. Sim, pois quando amamos sem exigências deixamos de sofrer pelo que o outro fez ou deixou de fazer. 

            Isso me lembra também a lição que o pessoal de ajuda mútua – AA, deixou nas orientações de Al-Anon: “Não se envolva emocionalmente com a bebedeira do seu marido! Ame o homem que ali está envolvido com a dependência, apesar de você não aceitar a dependência. Mas saibamos separar as coisas: o homem que está e é dependente, é o centro do amor; sua dependência é alguma coisa que diz respeito a ele e que ele deve sentir até que ponto deve continuar.    

Publicado por Sióstio de Lapa
em 18/10/2020 às 00h17
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