A cosmovisão (ou paradigma) pode ser considerada como os óculos pelos quais olhamos para a vida e tomamos posição. Se os meus óculos fossem do tipo “quero muito ser rico” seria insensato perder qualquer oportunidade de ganhar mais, mesmo abrindo mão do descanso. Tenho um amigo que usa esses óculos. Assume uma grande quantidade de plantões mesmo prejudicando os momentos de descanso e lazer. Também assumo uma grande parcela de trabalho, mas procuro preservar um espaço para o descanso e o lazer, mesmo que para isso eu abra mão de recursos financeiros. Mas esse é apenas um aspecto da minha cosmovisão.
Cada pessoa termina assumindo determinado comportamento e mesmo sem saber da existência desses conceitos, aplica uma cosmovisão ao seu redor. Paulo de Tarso deixa claro nas suas atitudes depois da conversão de Damasco, que sua cosmovisão era ser imitador do Cristo. Ele havia compreendido que foi criado para ser gente, mas por causa da desobediência (pecado) se tornou menos gente. Paulo enxergou em Jesus o modelo e entendeu o alvo divino para nós: fazer-nos gente de novo, segundo o modelo de gente perfeita: Jesus Cristo.
O mundo oferece inúmeras opções de óculos: ser rico, ter poder, fama, carreira profissional, viagens, prazer, etc. Também devemos considerar a transitoriedade das opções, pode ser que aquilo que desejamos não tenha constância ao longo do tempo.
O centro da minha cosmovisão é aceitar a existência do mundo espiritual como hierarquicamente superior ao mundo material, que existe uma evolução constante que acontece ao longo da eternidade, que devo priorizar a evolução dos aspectos morais associados ao meu espírito e atender as exigências do corpo naquilo que for necessário para a sua correta subsistência e reprodutividade, sem exageros de qualquer espécie. Para cumprir a jornada dentro desta cosmovisão, aceito os ensinamentos de Jesus como os mais coerentes, da Lei do Amor incondicional como a principal Lei do universo e que se confunde com o próprio Deus.
São Francisco na sua Carta aos Fiéis (segunda recensão) se dirigiu a todos que habitam o mundo inteiro, com reverente submissão, e disse entre outras coisas que Jesus quer que sejamos salvos por Ele e que o recebamos com o coração puro e com o corpo casto.
Fiquei a meditar sobre essas duas condições que São Francisco adverte para recebermos o Cristo: coração puro e corpo casto.
Passei a meditar sobre essas duas condições. Quanto o coração puro entendo estar ele livre do pecado e cheio de virtudes. Quanto ao corpo, o entendimento é mais complexo. O corpo é parte da matéria, matéria viva com responsabilidade na reprodução, senão deixa de existir. A castidade é a virtude moral que inclina o homem ou a mulher a oferecer amorosamente sua intimidade a Deus e aos demais, de acordo com sua própria condição e características, masculinas e femininas. Consiste no hábito que ordena retamente o uso da faculdade procriativa. O Papa Bento XVI ensinou em sua primeira Encíclica “Deus Caritas Est” que tanto Eros quanto Ágape são aspectos do mesmo amor divino.
Dessa forma compreendo que o ato sexual por si só, não consiste em pecado, é uma atividade importante da conduta humana e que tem também a sua essência divina. O pecado consiste na sua utilização mundana, com o objetivo de obter apenas o prazer dos sentidos e até exagerá-los nas formas das diversas taras, pornografias, pornofonias e demais pornôs. Compreendo que existe uma série de regras, regulamentos, tabus culturais, todas com o objetivo de disciplinar a força do instinto sexual e evitar injustiças de toda espécie. Estamos dessa forma dentro de um emaranhado de leis e normas culturais que muitas vezes não evitam as injustiças a que se propõem e ainda impedem o fluir do amor incondicional.
Com essa compreensão é que lembro das lições de Jesus quando Ele diz que a maior Lei é a do amor incondicional, que é expressa no “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Então o meu foco é o Amor Incondicional. Quando surge o amor romântico, reconheço ser ele um derivativo do amor incondicional, como assim é o amor paterno, filial, fraterno, conjugal, patriótico, etc. qualquer derivativo do amor incondicional pode e deve ser expresso, pois são as diversas expressões do Amor Divino, o amor do Pai por todas as suas criaturas. O Amor romântico que tende a exclusividade e à sexualidade deve também ser expresso. Cuido que isso aconteça dentro da minha filosofia e pratica de vida, mas sem que jamais seja contrário ao amor incondicional, pelo contrário, que sirva para o reavivar e o disseminar com força ao redor das minhas influências nos relacionamentos, quer sejam próximos ou distantes.
Muitas vezes nos encontramos frente a uma difícil tarefa a realizar. Podemos até não acreditar ser isso possível, podemos sofrer chacotas, humilhações... podemos sofrer os diversos tipos de oposição a essa tarefa, até mesmo dos familiares, dos nossos entes mais queridos. É aí que o profeta Neemias nos deixa sábias recomendações. Primeiramente ele nos diz: “oramos ao nosso Deus...”. Esta é a primeira coisa a fazer em tais momentos. Buscar a aprovação de Deus. Não adianta reclamar dos opositores, isso não ajuda. É melhor recorrer ao nosso Deus, pois é Ele que nos dará forças para seguirmos adiante com nossa tarefa, se for da vontade dEle. Além de orar, precisamos agir e fazer a nossa parte. Apesar dos problemas não devemos desviar do foco e fazer tudo que seja possível para cumprir a tarefa. Neemias ainda dá uma palavra de ânimo aos trabalhadores da seara, dizendo que se lembrassem do Senhor e que lutassem por suas famílias e casas. (Ne 4,9-14).
Reconheço a sabedoria das considerações de Neemias. Sei do propósito que Deus quer da minha vida, pela consciência da missão que Ele colocou na minha mente. Sei que isso vai de encontro a muitos interesses existentes no mundo material e que se levantam a cada momento diversos obstáculos à minha frente. Quando fico muito sofrido, confuso, fraco, peço em oração forças para suportar o peso das admoestações que recebo, das críticas, acusações, ameaças... peço também a sabedoria necessária para fazer exclusivamente à Sua vontade e deixar a minha sempre em segundo plano, para que eu tenha o correto discernimento do caminho, que não seja influenciado para entrar em atalhos que levem para longe da Sua vontade. Dessa forma vou avançando no caminho e agradeço também ao Pai pelas pessoas que Ele coloca ao meu lado, mais próximos ou mais distantes, que me ajudam na caminhada, que me oferecem lições para o meu crescimento pessoal, minha reforma íntima. Peço ao Pai em especial por essas pessoas, que também sofrem como eu e talvez até mais do que eu, as hostilidades do mundo material que é cego aos princípios do mundo espiritual. Que sigamos todos os conselhos de Neemias: sempre falar com o Pai em orações e meditações para sempre ter ao nosso lado o Seu apoio e nas nossas mentes a convicção do que Ele quer que façamos.
Um dos jornais de Natal, “Novo Jornal”, em sua edição de 04-09-12, trouxe uma matéria sobre a nova família potiguar. Apresentava os seguintes números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE/2010:
NO RIO GRANDE DO NORTE –
899.513 – Famílias
58,0% fogem do padrão de família tradicional
26,7% são famílias estendidas
NO BRASIL
57,3 milhões de famílias
59,0% fogem do padrão de família tradicional
19,0% são famílias estendidas
O Instituto considera como família estendida uma configuração formada ao menos por uma pessoa e outro parente que não filho ou pais. A grande maioria das famílias estendidas, no entanto, é formada por casais com filhos e outro parente agregado; mulher separada com filhos e outro parente; casal sem filhos e outro parente; e homem com filhos e outro parente. Também pode ser considerada de “outros tipos” o caso de três primas que dividem um apartamento em bairro de Natal, que foi o motivo da matéria.
Quero ressaltar nessa matéria a tendência que existe no país, e acredito no mundo de forma geral e respeitando as exceções, da tendência à fraternidade e à liberdade. Com isso o modelo de família tradicional perde majoritariamente as suas características fechadas da família nuclear. No entanto, não perde a base do amor exclusivo que permeia todos os seus entes, que tem origem no amor romântico, exclusivista, condicional, que proporcionou a ligação intima, legal e exclusivista do casal. Identifico essa conjuntura como um ninho de egoísmo onde a parentela se protege sob o manto do amor exclusivo para limitar a expansão do amor incondicional na comunidade e, pior que isso, desviar recursos da economia coletiva para o clã familiar, mesmo com o aparato legal, em detrimento dos demais indivíduos.
Vejo dessa forma que o Reino de Deus, baseado numa comunidade permeada pelo amor incondicional, jamais irá existir estruturada no amor exclusivista. A família preparada para servir de célula comunitária para o Reino de Deus não pode limitar, cercear ou bloquear o livre fluxo do amor incondicional. O casal cujos membros se aproximem um do outro, mesmo que motivados pela força instintiva do amor romântico, deverá estar sempre consciente, de que a exclusividade que o amor romântico exige é um aspecto apenas pontual da evolução do relacionamento, que deve estar sempre subordinado às implicações do amor incondicional. Logo que os parceiros se afastem um do outro e entrem nos relacionamentos mais diversos com outros entes da comunidade, existe a possibilidade que não deve ser repudiada, de um novo relacionamento que obedece as diretrizes do amor incondicional e que pode atingir o nível da intimidade sexual. Nesse ponto surge uma nova configuração familiar, que não é a tradicional, a nuclear, não é a estendida que pode incluir outros membros da família, parentes. Agora são outras pessoas que atingem o núcleo do relacionamento e a família se torna ampliada com um potencial bem maior de integração. É esta família ampliada que sendo construída dessa forma, sempre obedecendo às diretrizes do amor incondicional irá tecendo a macroestrutura da família universal, aquela que Jesus defendia a existência e que poderíamos a construir a partir da reforma que fizéssemos na comunidade, a partir de nossa própria intimidade – a Reforma Íntima!
O apóstolo Thomé diz que existe no íntimo de cada ser humano uma Centelha Divina que registra automaticamente, independentemente da vontade ou esforço de cada um, todos os atos e atitudes praticados pelo ser, cujas reações nessa Centelha tem de se harmonizar com esses atos e atitudes. Assim, todo aquele que pratica uma ação louvável, meritória, para com o próximo, aviva a luz dessa Centelha e isto lhe acarreta uma satisfação íntima, um certo bem estar que redundará num sentimento de felicidade. Não foi o Pai Celestial quem concedeu essa felicidade. Tal sentimento decorre do avivamento de sua própria Centelha, em virtude do bom ato que praticou. Se, ao contrário, o ato tiver sido mau, empalidecerá a sua luz interna que é a centelha divina. Com isso deixou de enxergar, provavelmente, um caminho justo, e veio a sofrer alguma decepção ou enfermidade da qual não conseguiu livrar-se. Nessa hipótese, igualmente, não houve interferência do Pai Celestial, que nem tomou conhecimento do fato. A cada um segundo as suas obras, é a parábola de Jesus, a ninguém se podendo culpar quando as consequências forem contrárias aos desejos de cada um.
Concordo com Thomé e acredito que já sinta esses efeitos em minhas ações, no meu comportamento. Procuro sempre fazer ações positivas e quando isso acontece me sinto bem, iluminado, minha centelha foi avivada. No entanto, quando por descuido ou invigilância pratico algo que minha consciência acusa como errado, sinto também o apagamento da Centelha Divina. Da mesma forma acontece quando os pecados são ativados no comportamento, no meu caso a gula e a preguiça. Como são forças cristalizadas ao longo do tempo, cujo controle é difícil realizar de forma completa, consigo apenas vitórias parciais, na quantidade e na qualidade dos alimentos, por exemplo. Isso funciona como uma sombra na minha Centelha Divina. Vejo essa como o ícone das dificuldades. É um pecado que enfrento e venço em alguns momentos com a força do jejum, outras vezes com as lições de Ramatis, mas logo ela volta e se faz presente. Convivo com essa sombra na minha luz, sei que não é das piores, mas que devo sempre procurar uma forma de libertação.