Esta é a segunda composição do cantor Vicente Celestino que resolvi fazer a reflexão neste espaço. Na primeira, O Ébrio, fiz a reflexão sobre o amor que é denunciado e do apego que é observado, levando à destruição do autor. Nesta composição é feita a sinalização do Amor verdadeiro, incondicional, para sentir-se a diferença do outro, também chamado amor, mas irracional, que chega até a violência, o limite da loucura.
Coração Materno
Disse um campônio à sua amada
Minha idolatrada, diga o que quer?
Por ti vou matar, vou roubar
Embora tristezas me causes mulher
Provar quero eu que te quero
Venero teus olhos, teu porte, teu ser
Mas diga, tua ordem espero
Por ti não importa matar ou morrer
Esta forte emoção está presente na paixão. É uma energia que preenche a mente de quem a sente, que exige ser feito tudo que traga benefício ao objeto da paixão, mesmo passando por cima da ética, do respeito e de qualquer outra condição. O espírito que gerencia o corpo, é quem deve dominar essa força instintiva, associada ao Behemoth bíblico, e não procurar fazer mal a ninguém, nem a terceiros e muito menos a pessoa que evocou a paixão. Esta é a mais forte prova de autodomínio do espírito sobre o corpo. Nesta canção o autor coloca na fala do campônio toda essa energia que domina a sua mente, preparada para fazer tudo para contentar por quem estar apaixonado. Até matar ou morrer, quem quer que seja, em qualquer local ou horário. Este é o domínio total do Behemoth, sem nenhum freio do espírito.
Ela disse ao campônio, a brincar
Se é verdade tua louca paixão
Parte já e pra mim vá buscar
De tua mãe inteiro o coração
A correr o campônio partiu
Como um raio na estrada e sumiu
Sua amada qual louca ficou
A chorar na estrada tombou
A moça não compreendia a força dessa paixão e imaginava que tudo que era dito, era apenas exagero de um sentimento que ele sentia. Imaginava que pedindo algo tão sério, como o coração da mãe, esse pedido jamais seria atendido. Ela não imaginava que o espírito do campônio estava embriagado de tanta energia da paixão e quem estava no controle era o Behemoth, que nenhum escrúpulo possui para alcançar os seus desejos, usufruir dos prazeres que imagina. Quando ela percebe com quem havia falado, e que a fera já tinha partido para cumprir o seu pedido que para ele era uma ordem, ficou desesperada, pois antecipou que seria o pivô involuntário de uma tragédia macabra.
Chega à choupana o campônio
E encontra a mãezinha ajoelhada a rezar
Rasga-lhe o peito o demônio
Tombando a velhinha aos pés do altar
Tira do peito sangrando
Da velha mãezinha o pobre coração
E volta a correr proclamando
Vitória! Vitória! Tem minha paixão
Mas em meio da estrada caiu
E na queda uma perna partiu
À distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra o pobre coração
Nesse instante uma voz ecoou
Magoou-se, pobre filho meu?
Vem buscar-me filho, aqui estou
Vem buscar-me que ainda sou teu!
Este é o clímax da história, mostrando a força do Amor incondicional, que continua amando ao criminoso que mata e rouba o coração. É parecido com o Amor que Cristo demonstra do alto da cruz, perdoando aos seus algozes, pois eles não sabem o que fazem. Neste caso do Cristo, o Amor é anda mais puro, pois esses algozes não são seus parentes. No caso do campônio, o Amor que é demonstrado pela mãe ao assassino, tem o viés que ele é seu filho. Será que sendo outra pessoa, ela teria agido assim, tentando ajudar em seus propósitos? Esta é a grande lição de Cristo, amar a cada pessoa incondicionalmente, formando a família universal, onde a atitude para com qualquer pessoa, pode ser semelhante aquela que teríamos com um filho biológico.
A vida mostra para todos nós um caleidoscópio de situações das quais podemos tirar, em cada uma delas, lições para nossa própria vida. Por acaso (?) encontrei na internet uma canção que sempre escuto e que sempre me emociono. Fui ver a letra no site e me deparei com outras canções do mesmo compositor, Vicente Celestino. Achei interessante pinçar as três primeiras e fazer a reflexão dos conteúdos. A primeira é O Ébrio.
Antes de mostrar a letra o site mostrava um pouco da vida do compositor.
Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da glória. Durante a minha trajetória artística tive vários amores. Todas elas juravam-me amor eterno, mas acabavam fugindo com outros deixando-me a saudade e a dor. Uma noite, quando eu cantava a Tosca, uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor. Essa jovem veio a ser mais tarde a minha legítima esposa. Um dia, quando eu cantava A Força do Destino, ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta um adeus. Não pude mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo, me havia deixado um pedacinho de seu eu: A minha filha. Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar. Voltei novamente a cantar, mas só por amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça, bonita. E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez A Força do Destino, Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo... Passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio.
Não sei se a história é real, mas o objetivo aqui é mostrar o que o caleidoscópio da vida pode nos oferecer, e mesmo esse texto sendo uma ficção, não pode deixar de mostrar uma faceta que a vida pode nos oferecer. Portanto, nossa sensibilidade torna-se empática com o sofrimento de cada ser humano que trilha os caminhos diversos que a vida nos oferece.
Ébrio
Tornei-me um ébrio na bebida, busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro meu abrigo
Cada colega de infortúnio é um grande amigo
Que embora tenham, como eu, seus sofrimentos
Me aconselham e aliviam os meus tormentos
Esta é uma prova da confusão que se faz do amor com o apego. A mulher que ele diz amar, pelo comportamento que demonstrou, é um forte apego. Se fosse amor, teria aceitado a ida da mulher com outro com o qual ela se sentia mais feliz. Continuaria a amando à distância e sua vida teria continuidade sem tanta destruição interna.
Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo que depunha fé
E nos parentes... Confiava, sim!
E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então
O falso lar que amava e que a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, era um ladrão
Me abandonaram e roubaram o que amei.
Este é outro aspecto da condição humana que não devemos esquecer. Quando estamos em situação propícia, com bens e recursos que podemos compartilhar, é grande o número de parentes e amigos que orbitam sobre nós. Quando essas condições favoráveis desaparecem e a pessoa agora, em vez de ser solidária com as outras, as outra é que precisam demonstrar solidariedade, parentes e amigos se distanciam até o abandono total, como o cantou denuncia. Procuremos fazer o bem, ser solidários em tudo que o amor incondicional nos apontar, mas jamais esperemos ser da mesma forma retribuídos, se alguma fatalidade nos atingir.
Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste, este triste coração
Quero somente que na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo
Belíssimo este final! Não quer ser lembrando num inscrição feita numa campa fria, basta o que ele nos ensina com suas canções. O que tanto foi consolado em seus dias de sofrimento, intoxicado pelo álcool como forma de anestésico, sentia apenas nas falas daqueles que sofriam e ficavam loucos como ele. Mesmo não tendo mais nada de material que possa interessar a herdeiros, a alguém, ele permite que na sua campa mortuária, cujos sentidos não mais funcionam, que aqueles loucos tão fraternos com ele, venham depositar suas lágrimas de dor no recipiente inerte de quem tanto sabia o que era isso.
Querigma significa pregação, palavra grega que designa a proclamação central do cristianismo. A proclamação de Jesus, morto e ressuscitado, que apareceu a testemunhas qualificadas, e proclamado Cristo, Senhor e Salvador por sua ressurreição. As formulações deste querigma são mais ou menos longas, nunca totalmente fixadas. A mais desenvolvida se encontra em 1Coríntios 15, quando Paulo escreve sobre a ressurreição de Cristo.
1Irmãos, quero lembrá-los do evangelho que preguei a vocês, o qual vocês receberam e no qual estão firmes.
2Por meio deste evangelho vocês são salvos, desde que se apeguem firmemente à palavra que preguei; caso contrário, vocês têm crido em vão.
3Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras,
4foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras,
5e apareceu a Pedro e depois aos Doze.
6Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido.
7Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos;
8depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo.
9Pois sou o menor dos apóstolos e nem sequer mereço ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus.
10Mas, pela graça de Deus, sou o que sou, e sua graça para comigo não foi inútil; antes, trabalhei mais do que todos eles; contudo, não eu, mas a graça de Deus comigo.
11Portanto, quer tenha sido eu, quer tenham sido eles, é isso que pregamos, e é nisso que vocês creram.
Podemos entender o papel de Cristo por dois ângulos: o primeiro, seu comportamento, ensinando, profetizando e curando dizendo ser o filho de Deus; o segundo, ressuscitado, provando uma nova faceta para a morte, que não consegue destruir a consciência da pessoa, que o espírito que sobrevive é dessa forma imortal.
Os dois momentos de Cristo entre nós, no corpo físico e ressuscitado, ambos comprovados por várias testemunhas dignas de crédito, podem ser acoplados numa só perspectiva, coerente com o que Ele dizia: ser o filho mais próximo de Deus, a tal ponto de fazer a Sua vontade de forma integral, mostrando que ele fazia o mesmo que Deus faria, portanto, quem o via estava vendo Deus.
Nós, que estamos vivendo 2000 anos após a sua passagem material no planeta, não temos condições de testemunhar da mesma forma esses fatos. Mas, como acontece com tantas outras coisas do nosso cotidiano, devemos aceitar essas informações como verdadeiras, mesmo não estando ao alcance dos nossos sentidos físicos, porém obedecem aos critérios da lógica e coerência.
Francisco entendeu a ordem recebida por sua voz audível, que tinha de reconstruir a Igreja de São Damião. Passou a pedir pedras pela cidade a todas as pessoas, carregando uma carroça puxada por ele mesmo, em roupas andrajosas, com um perfil de mendigo. Para quem antes andava pela cidade em belos trajes, cercado de amigos em noitadas de boemia, era uma mudança radical demais, aproximava da loucura, como muitos já o começaram a ver assim.
Essa “loucura” de Francisco parecia ser contagiosa. Muitos se engajaram nessa tarefa de levar pedras para a construção da igreja, muitos deixaram seus afazeres de antes e até suas riquezas para seguir o propósito de Francisco.
Como uma atividade braçal dessa natureza, associada à loucura de um jovem, desertor da riqueza de um pai e das honras de um rei, pôde atrair tanta gente para se engajar no trabalho da mesma forma que ele? Somente posso explicar por uma forma de fagulha divina, energética, que todos possuímos no nosso espírito, criada pelo próprio Deus. Essa fagulha energética que todos possuímos, mas que a pessoa de melhor sensibilidade é quem tem mais facilidade em deixa-la se incendiar.
Francisco ouviu a voz que incendiou o seu espírito, dominou a sua mente e fez com que a sua vontade fizesse o que Deus queria, mesmo que não entendesse no momento que a meta não seria simplesmente erguer uma igreja de pedra, mas reerguer a igreja que o Cristo havia construído com suas ações e agora estava dominada pela pompa, luxo e mordomias, impregnada pelo poder mundano, longe do poder espiritual.
Foi o trabalho inicial de juntar pedras que sinalizou os primeiros passos da vontade que Deus queria que Francisco realizasse. As pessoas mais sensíveis, de mais fácil combustão, com esse ato de Francisco, logo se aproximaram e começaram o trabalho que até hoje persiste no mundo todo, não somente na cidade de Assis onde teve início.
Francisco teve a coragem de deixar suas riquezas paternas, abdicar dos dotes e honras que podia conquistar para carregar as pedras pela cidade como um louco.
Eis um ponto determinante: coragem! Nada teria acontecido se Francisco, mesmo tendo ouvido a voz, não tivesse a coragem de fazer aquilo que ela orientava.
Esta é a minha dificuldade, igual aquela do jovem rico que perguntou a Jesus o que fazer para obedecer a Deus. Ele também não conseguiu vender o que tinha, doar aos pobres e seguir o Cristo. O mundo material ainda exercia sobre ele uma forte influência.
Assim também acontece comigo. Sofro forte influencia, ainda, do mundo material. Sei o caminho que minha Voz Silenciosa já apontou. Apesar de fazer de forma discreta o que é coerente com a tarefa, pouquíssimos percebem a dimensão espiritual que ela traz. Estou ainda muito longe do trabalho explícito que Francisco passou a fazer em obediência a sua voz.
O meu “juntar de pedras” dentro da tarefa que minha Voz me traz, é aproximar as pessoas fraternalmente, acima de qualquer preconceito de qualquer natureza, desde que esteja em obediência ao Amor Incondicional. Isso implica em deixar a família nuclear em segundo plano e privilegiar a família universal, construindo com essas pedras, as aproximações das pessoas, o Reino de Deus.
No princípio era a Palavra. Deus se manifestou e criou o mundo através da palavra. FIAT LUX! Faça-se a Luz! Tudo foi criado através da Palavra. E a Palavra se encarnou no corpo de Jesus. Ele sabia para o que veio como filho unigênito de Deus, como o único de tão forte proximidade que se identificava com Ele. A Sua vontade era a vontade dEle. Quem O via, também via a Deus. Ele chegou a dizer a Tomé, que este tinha acreditado porque tinha visto e tocado, mas melhor seria se tivesse a fé de ter acreditado, sem ter visto ou tocado.
Será que esta é a minha maior prova? Acreditar sem ver nem tocar? Superar todas as dúvidas que a academia, a ciência, possam colocar na minha mente? Aceitar o que a lógica e a coerência, e principalmente a intuição dizem que é o certo? Atender como realidade essa Voz Silenciosa que de dentro de minha consciência diz que sou também um filho próximo de Deus, não tão próximo como Jesus, ou mesmo Francisco de Assis, que ouvia a voz pelos seus órgãos auditivos, e que esperava ser dito o que ele precisava fazer.
Francisco deixou de lado todos os prazeres mundanos que antes fazia com tanto prazer junto aos amigos. Tinha o apoio de sua mãe, Dona Pica, que percebia que ele tinha o dom de Deus. Da mesma forma tinha o apoio de Clara, uma mulher cobiçada pelo mundo carnal, mas que sintonizava perfeitamente com o mundo espiritual que despertava em Francisco. A Voz que Francisco ouvia e o que deixava ansioso para voltar a ouvir e saber o que deveria fazer, era bem entendida por sua mãe e por Clara. Todos os outros achavam que era loucura, principalmente o seu pai, Senhor Bernardone.
Eu, não tenho apoios tão fortes e declarados, pelo menos tenho alguns apoios de simpatias pela minha forma fraterna de agir. Mas não tenho o carisma de Francisco, de arrastar consigo tantos amigos para o seu projeto espiritual. Nem tenho ao lado uma companheira espiritual que compreenda e aceite a minha conduta carnal dentro dos princípios do Amor Incondicional, que faz a inclusão de qualquer pessoa dentro do projeto da Família Universal como base do Reino de Deus.
A voz que escuto não é audível como a que Francisco ouvia, que dava a ele a certeza da realidade. A minha Voz é silenciosa, permeia a minha consciência sem se manifestar através de nenhum sentido físico. Somente a intuição, sentimento mais próximo da loucura que os sentidos físicos, é que me dá uma certeza de realidade. Portanto, Francisco já era considerado louco por sua voz audível para ele, quanto mais eu que não posso alegar ouvir uma voz, e sim sentir uma voz? Como posso explicar esse paradoxo, de uma voz silenciosa? Não estaria isso mais próximo da loucura?
Francisco entendeu que deveria restaurar a Igreja do Cristo, trazer o foco do trabalho para a humildade e se afastar da pompa e mordomias que o poder eclesiástico havia construído com mais energia dentro do trabalho cristão.
Eu, entendo que devo praticar dentro do mundo materialista as ações de fraternidade dentro dos critérios do Amor Incondicional, tirar o foco da família nuclear para a família universal, interpretando como sendo esta a vontade de Deus para a construção do seu Reino entre nós, partindo dessa transformação íntima, moral e ética, amando o próximo como o reflexo do Divino.