Francisco de Assis era muito rigoroso com os desejos da carne, principalmente com o sensualismo, a concupiscência. São Boaventura, no texto da Legenda Maior de São Francisco, escrito nas Fontes Franciscanas e Clarianas, diz o seguinte no capítulo V – A austeridade de vida; e como as criaturas lhe davam conforto:
Eis como pensava Francisco em relação aos desejos e necessidades do corpo. Tinha o corpo como inimigo. Tenho um pensamento diferente, apesar de sentir que os desejos do corpo devem ser controlados para evitar o exagero. Sofro isso com relação à alimentação, sempre estou exagerando pela quantidade em obediência aos desejos da carne. Mas, por outro lado, eu considero o corpo como um bem precioso que o Pai colocou sob minha responsabilidade e não posso tortura-lo por ele expressar seus desejos e querer controlar os interesses do espírito. Tenho que aprender a controla-lo sem tortura-lo, e talvez essa seja uma tarefa bem mais difícil.
No estudo espiritual que realizo nas terças feiras na AMRN, o tema desenvolvido foi a obsessão, entre elas a fascinação. Apesar de ter sido o leitor do texto, fiquei distante da discussão durante todo o tempo, fazendo reflexões se aquilo que estava sendo dito podia se aplicar a mim. Será que todo o pensamento que tenho em favor do Amor Incondicional não passa de uma fascinação? Será que durante todo esse tempo que dura cerca de 30 anos, eu tenha me debatido com uma ideia que não é minha e que não consigo ver a falsidade de seus argumentos? Que a prioridade do Amor Incondicional sobre o amor romântico que constrói as famílias nucleares, sofre um vício na sua base que é a introdução da sexualidade onde não deveria acontecer? Que a minha mudança de trajetória de vida, em busca de uma família ampliada, de uma família universal como base do Reino de Deus, é apenas uma quimera, uma ilusão, uma fascinação?
Vou reproduzir o texto que foi lido nesta reunião para que meus leitores possam participar de minhas preocupações, e se for conveniente colocar para mim suas opiniões, o que para mim seria muito grato.
239. A fascinação tem consequências muito mais graves que a obsessão simples. É uma ilusão produzida pela ação direta do Espírito sobre o pensamento do médium e que, de certa maneira, lhe paralisa o raciocínio, relativamente às comunicações. O médium fascinado não acredita que o estejam enganando: o Espírito tem a arte de lhe inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda gente. A ilusão pode mesmo ir até ao ponto de o fazer achar sublime a linguagem mais ridícula. Fora erro acreditar que a este gênero de obsessão só estão sujeitas as pessoas simples, ignorantes e baldas de senso. Dela não se acham isentos nem os homens de mais espírito, os mais instruídos e os mais inteligentes sob outros aspectos, o que prova que tal aberração é efeito de uma causa estranha, cuja influência eles sofrem.
Já dissemos que muito mais graves são as consequências da fascinação. Efetivamente, graças à ilusão que dela decorre, o Espírito conduz o indivíduo de quem ele chegou a apoderar-se, como faria com um cego, e pode levá-lo a aceitar as doutrinas mais estranhas, as teorias mais falsas, como se fossem a única expressão da verdade. Ainda mais, pode levá-lo a situações ridículas, comprometedoras e até perigosas.
Compreende-se facilmente toda a diferença que existe entre a obsessão simples e a fascinação; compreende-se também que os espíritos que produzem esses dois efeitos devem diferir de caráter. Na primeira, o Espírito que se agarra à pessoa não passa de um importuno pela sua tenacidade e de quem aquela se impacienta por desembaraçar-se. Na segunda, a coisa é muito diversa. Para chegar a tais fins, preciso é que o Espírito seja destro, ardiloso e profundamente hipócrita, porquanto não pode operar a mudança e fazer-se acolhido, senão por meio da máscara que toma e de um falso aspecto de virtude. Os grandes termos – caridade, humildade, amor de Deus – lhe servem como que de carta de crédito, porém de tudo isso, deixa passar sinais de inferioridade, que só o fascinado é incapaz de perceber. Por isso mesmo, que o fascinador mais teme são as pessoas que veem claro. Daí consistir a sua tática, quase sempre, em inspirar ao seu intérprete o afastamento de quem quer que lhe possa abrir os olhos. Por esse meio, evitando toda contradição, fica certo de ter razão sempre. (Livro dos Médiuns – Allan Kardec)
São estas lições desse texto que merece uma profunda reflexão de minha parte, pois estou incluído naqueles que defendem uma ideia que para os outros parece absurda. Será que os meus argumentos estão contaminados por uma falsa verdade e o meu intelecto não consegue distinguir? Essa é uma dúvida que, colocando o meu intelecto como vítima, fica claro que ele não pode decidir. Por isso tenho que submeter esses meus pensamentos ao público, de colocar essa pretensa verdade que adquiri sobre a mesa, para ver se realmente ela ilumina ou traz mais confusão e discórdia, onde deveria existir concórdia e compreensão.
Parece ser uma ação positiva, aceita e incentivada por todos, o aconselhamento da Verdade. No entanto, a Verdade pode ir de encontro a diversos interesses, preconceitos ou mesmo a plena ignorância, e dessa forma ser atacada com violência e até com desenlace fatal, como aconteceu com Sócrates e Jesus.
Ninguém pode se salvar se for opor-se com franqueza a qualquer povo ou comunidade no sentido de impedir muitos atos contrários à Lei do Amor Incondicional. Foi isso que Jesus fez e por isso sofreu. Parece não haver outro jeito. Quem combate honestamente pela Verdade, se quer ser salvo por algum tempo, deve viver a vida privada, nunca interferir com a vida pública.
Acontece que não é bem assim que devemos proceder. O próprio Mestre já nos advertia que não podíamos deixar a luz debaixo da mesa, do alqueire, e a quem muito é dado a muito será cobrado. Tudo isso sinaliza para que, a Verdade que venhamos perceber não fique restrita, deve ser ampliada pela comunidade. Somente dessa forma o Reino de Deus pode ser construído, mesmo que traga em si o sangue dos pioneiros.
O caminho será aplicar na vida privada a Verdade reconhecida. Se o Amor Incondicional é compreendido e reconhecido como a principal lei que cria, rege e administra a realidade universal, então devo aplica-lo na minha vida privada e defende-lo nas relações públicas.
Por isso já posso dar grandes provas, não somente palavras, mas o que já consigo aplicar obedecendo a Lei do Amor em detrimento de todos os preconceitos e moral contrária que prevalecem ao meu redor. Devo contar o que me aconteceu e continua acontecendo, e essa é a finalidade deste diário. É a minha “luz” colocada sobre a mesa.
Sinto que para obedecer à Lei do Amor essas informações sobre meus atos na vida privada e pública, devem ser publicadas com a maior amplitude possível, para ver se alguém coloca argumentos contrários, mais verdadeiros que os meus, e assim eu possa corrigir desvios nos quais eu tenha entrado.
Procuro a ninguém dar um amor exclusivo, pois isso foge da incondicionalidade do Amor verdadeiro. Se as pessoas que se relacionam comigo procuram um amor exclusivo, logo ficam sabendo que não irão encontrar ele comigo. Não é o romantismo, a paixão, ou qualquer força efêmera que irá me tirar do foco do eterno, do mais importante. Essa é a minha verdade que procuro sempre sintonizar com a Verdade real, e nunca com a verdade de quem comigo queira se relacionar, inclusive intimamente.
Por enquanto a minha pena é de morar sozinho. Não cheguei ainda ao ponto de ser crucificado ou beber cicuta, como aconteceu com Jesus e Sócrates, respectivamente. Mas sei que estou em risco. O aconselhamento da Verdade é uma atitude de perigo na sociedade em que ainda vivemos. Sofro retaliações sutis ou exageradas a todo momento, por aquelas pessoas que vivem ao meu lado, mesmo sabendo quem sou, o que penso e o que faço, ainda se ressentem de algo que imaginam eu deva fazer como obrigação legal ou moral. A liberdade de ir ou vir, para qualquer lugar, com quem quer que seja, é uma imposição do Amor Incondicional. Todas as minhas relações se estabeleceram nessa base, por eu ter essa liberdade de ir e vir, e agora ninguém pode por motivos secundários, querer anular essa característica importante do Amor. Mesmo que o argumento seja forte, como o de cuidar de um filho gerado, mas a mãe sabia qual era o pai que estava escolhendo para seu filho, que não iria ter esse cuidado integral como todas esperam ter, pela própria pressão instintiva da maternidade. Geralmente é daí que partem as retaliações mais fortes, geralmente no abuso dos meus recursos materiais, extrapolando a lógica e a coerência daquilo que eu já faço obedecendo a legalidade e as necessidades. Sou criticado, isolado, excluído e até levado aos pés da justiça.
Por tudo isso o aconselhamento da Verdade apoiado no comportamento prático, traz no seu bojo esses prejuízos materiais e emocionais constantes e só o que me conforta é eu sentir que estou obedecendo com honestidade a Lei do Amor.
A evolução humana está sempre acontecendo em função de ideias que surgem e que se mostram melhores que as anteriores. Como a nossa natureza tem origem animal, vivemos a evolução biológica ao lado de todos os seres vivos da Natureza. Isso implica dizer que somos portadores de todos os instintos animais criados pelo Senhor para garantir a sobrevivência em qualquer meio, por mais hostil que ele seja. Essa constante luta pela sobrevivência vai aperfeiçoando os corpos a partir do aperfeiçoamento dos membros e órgãos em destaque no caminho da evolução que cada um escolheu ou teve a oportunidade de seguir.
O cérebro é o órgão que nós humanos escolhemos (ou melhor, a Natureza definiu) como prioridade na nossa evolução. É a complexidade dos neurônios em quantidade e qualidade que processam informações com uma competência maior que o melhor dos computadores, que vão dar capacidade de fazermos diagnósticos do mundo, mais próximo da verdade, e usarmos o livre arbítrio associado à vontade do Criador, ultrapassando assim as limitações impostas pelos instintos de sobrevivência individual e corporal.
Podemos entender que o mundo material é apenas um reflexo do mundo espiritual, uma escola onde devemos aprender a conviver com um corpo falível e temporário, que serve de instrumento escolar para o espírito, assim como o caderno e o livro servem de instrumento de aprendizagem para o estudante.
Jesus procurou nos ensinar uma grande ideia, ensinar sobre o Amor e a forma de aplica-lo em nossos relacionamentos como base para a construção de uma sociedade justa e fraterna, do Reino de Deus.
Verificamos que as grandes ideias nunca são colocadas de súbito. As que se assentam sobre a Verdade sempre tem precursores que lhe preparam os caminhos. Depois, em chegando o tempo, Deus envia um homem ou mulher com a missão de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos, de reuni-los em corpo de doutrina. Desse modo, não surgindo bruscamente, a ideia, ao aparecer, encontra espíritos dispostos a aceitá-la. Foi isso que aconteceu com a ideia cristã, que foi pressentida muitos séculos antes de Jesus e dos essênios, tendo por principais percussores Sócrates e Platão.
Sócrates, como o Cristo, nada escreveu, nenhum escrito deixou. Como Cristo teve a morte dos criminosos, vítima do fanatismo, por haver atacado as crenças que encontrara e colocado a virtude real acima da hipocrisia e do simulacro das formas; por haver combatido os preconceitos religiosos. Do mesmo modo que Jesus, a quem os fariseus acusavam de estar corrompendo o povo com os ensinamentos que lhe ministrava, também ele foi acusado, pelos fariseus do seu tempo, por proclamar ser filho de Deus, falar da imortalidade da alma e da vida futura após a morte do corpo físico. Assim como a doutrina de Jesus só a conhecemos pelo que escreveram seus discípulos, da de Sócrates só temos conhecimento pelos escritos de seu discípulo Platão.
O homem tem chegado a um ponto em que a luz emerge por si mesma de sob o alqueire. Já está maduro bastante para encará-la de frente, e tanto pior para os que não ousem abrir os olhos. Chega o tempo de se considerarem as coisas de modo amplo e elevado, não mais do ponto de vista mesquinho e acanhado dos interesses de seitas e castas, como é o caso da família nuclear associada ao amor romântico e todos os seus traços egoístas, como o ciúme, exclusivismo, possessão, como base da sociedade perversa e violenta que vivemos.
A grande ideia do Reino de Deus já possui os precursores suficientes para ela ser colocada em prática. Basta colocar em prática a grande ideia do Amor Incondicional, sem nenhum tipo de contaminação.
Observamos uma onda de negativismo, violência, terrorismo, corrupção... que se espalha por todo o planeta. As lideranças políticas não conseguem conter esse avanço macabro, pelo contrário, parece que as ações fomentam mais reações conflituosas.
Tudo isso acontece no plano material onde a luta pela sobrevivência torna os seres humanos nivelados aos animais ditos irracionais, por mais títulos honoríficos ou acadêmicos tenha cada personalidade envolvida nesse dilema.
Talvez tenhamos necessidade de uma liderança espiritual que consiga quebrar os paradigmas materialistas e inicie a construção de uma sociedade justa e fraterna. Já tivemos vários líderes espirituais com esse perfil de ensinar a quebra de paradigmas materialistas, como Jesus de Nazaré fez, ensinando sobre o Amor e sobre a construção do Reino de Deus, a partir da prática dessas lições. Já fazem dois mil anos dessas lições, e apesar delas terem tido uma boa penetração em todos os rincões do planeta, de termos um pastor na linha de sucessão de Pedro, bastante coerente com as lições do Mestre, mesmo assim o que observamos é a escalada da violência como carro-chefe do comboio do egoísmo.
Temos que desenvolver lideranças espirituais em cada comunidade que possam colocar na prática, com a máxima fidedignidade, essas lições do Mestre Jesus. Mostrar que são as nossas atitudes mentais, modernas e materialistas, que formam uma consciência que justifica as calamidades e horrores que sentimos ao nosso redor.
A religião na sua proposta de ligar o homem à Deus, não pode ficar amortecida, cimentada em rituais e dogmas; assim, seus sacerdotes e pastores não podem satisfazer as necessidades espirituais que estão em contínua evolução e fazer o confronto com o egoísmo materialista que também evolui e atormenta nossas vidas.
As igrejas e templos diversos devem deixar de lado suas diferenças e ter a humildade de aceitar que a Verdade que chega à Terra não é necessariamente como eles esperam. Devem lembrar que até o Mestre Jesus não foi aceito pelo seu próprio povo. As igrejas e templos devem manter abertas as mentes e corações dos seus frequentadores, para que a Verdade Mais Elevada seja possível de ser recebida e corrigir, se for o caso, práticas inadequadas, abandonar as velhas crenças que permitem o domínio do mal sobre o planeta.
O novo líder espiritual deve ensinar a oração com sinceridade, com toda a alma, mente e coração, para receber uma iluminação verdadeira. Verificar que os rituais e crenças antigas não acompanham o ritmo da evolução das lições do Cristo, mesmo entendendo que existem muitas pessoas que necessitam desses rituais para manter o egoísmo inerente à condição animal sob controle.
Será esse trabalho de colocar em prática as lições do Mestre, dentro da comunidade, com o esforço material, intelectual e religiosos de cada um, que começaremos a ensinar, demonstrar e viver o Amor fraternal, com toda a força da alma, coração e mente, minuto a minuto em nossas vidas cotidianas.