Ter equilíbrio emocional diante de situações de felicidade e sofrimento é outra das formas de devoção constante a Deus, segundo o Baghavad Gita. Felicidade e sofrimento são fatores próprios da vida material. Devemos aprender a tolerar, ninguém jamais pode impedir a felicidade e o sofrimento, que vão e vem. Logo, devemos nos desapegar da vida materialista e ser automaticamente equânimes em ambas as circunstâncias. Em geral, quando conseguimos algo desejável ficamos muito felizes, e quando conseguimos algo indesejável, ficamos tristes. Mas se estivermos na verdadeira posição espiritual, nada disto nos agitará.
Tenho essa compreensão do Baghavad Gita e já procuro aplicar em minha vida de forma constante. Lembro-me de momentos tristes da minha vida, como a morte da minha mãe e de pessoas queridas que conviviam ao meu lado, de ter sido espancado e expulso das minhas casas (duas) como um marginal devido a atos de amor externo, de ser odiado por pessoas que amo e que não deixarei de amar, de não poder ajudar tantas pessoas pela força dos preconceitos que fazem elas se distanciarem até de forma patológica, de não fazer a vontade de minhas companheiras para as amar com exclusividade e evitar assim o sofrimento que elas terminam por experimentar, de ter aconselhado a morte de novos seres que deveriam estar conosco neste mundo, de não ter tido o pai biológico que pudesse me orientar ou acolher as minhas necessidade de crescimento, de não poder domesticar o meu corpo como eu pretendo e assim cumprir a vontade de Deus com mais eficiência, etc. Também lembro de momentos felizes como ter passado no vestibular com toda a dificuldade que a vida me oferecia, de ter encontrado tantas pessoas que a vida me ofereceu e por elas ter me apaixonado, de sentir a evolução material e espiritual de tantas pessoas queridas que recebem a minha influência direta, de ter tido a suprema bênção de minhas companheiras permitirem os filhos que Deus mandou para mim, de sentir o amor e o cuidado de tantas pessoas por mim que conseguem perceber e amar a minha essência, de sentir a presença do Pai primordial sempre perto de mim com toda capacidade de complacência para minhas faltas e fraquezas como também pela ajuda e confiança no potencial que eu posso desenvolver, etc.
Ter equanimidade diante de situações tão díspares como essas pode levar as pessoas que acompanham a minha evolução, a pensar que eu seja uma pessoa fria, que nada me atinge, que eu não tenha sensibilidade, que eu não seja feliz... Nada mais errado! Caso a pessoa chegue um pouco mais próximo, verá quanta carga de sentimentos se desenvolvem dentro de mim pelas coisas aparentemente mais simples, meus pensamentos viajam pelas sendas do coração e cujo testemunho são as lágrimas silenciosas que se derramam pelos dramas reais que se desenrolam ao meu lado, com minha participação ou não, ou mesmo dramas fictícios que vejo em teatros, livros ou cinemas. Verá que eu tenho uma felicidade intrínseca, principalmente por saber que sou detentor da confiança do Pai, que tenho uma missão importante que Ele colocou em minhas mãos, em minha consciência, e que essa minha indiferença aparente é só a minha forma de devoção constante a Ele e de desapego das coisas materiais, de não deixar os fatores transitórios de felicidade e sofrimento que a vida mundana oferece intervir na minha relação divina com Ele.
Durante toda minha vida tenho lido e escutado sobre o Amor Incondicional, que é a essência de Deus, que é a força maior de todo o Universo... Confesso que nos primeiros momentos essa conceituação não entrava com facilidade na minha mente, era como se fosse uma alegoria que não tivesse nenhum sentido prático. Até mesmo a ideia da existência de Deus, de um Criador Universal passava por sérias dúvidas nos meus critérios de verdade. Foi a constante reflexão sobre tudo isso, a procura da verdade última e não contaminada por preconceitos de qualquer natureza, que me fez abandonar a dúvida, aceitar a coerência que em minha mente se instalou da unipresença do Criador totipotente em minha vida dentro de uma perspectiva eterna. A expressão de sua existência aceitei como toda a Natureza formada ao meu redor, que eu pudesse identificar ou não com meus órgãos dos sentidos ou meus aparelhos tecnológicos, dentro da dimensão material, espiritual e quantas mais possam existir e quem meus conhecimentos e minha inteligência não as possam alcançar. Então, o próprio Deus estaria presente em cada item de Sua criação, por mais ínfima que seja, um simples átomo, um simples elétron, uma ameba, até o ser ou objeto mais sofisticado por sua forma de pensar e de ser construído, como o homem ou o cristal. A força inerente a esse Criador, à sua inteligência absoluta, é o que podemos chamar de Amor Incondicional. A força que surgindo do nada ou da inteligência primordial, fez a criação de tudo o que podemos alcançar, refletir e conjecturar, até o limite do Big-Bang. É a força que permeia todo o Universo e que o faz funcionar com harmonia em todos os seus meandros. É a força que gera a principal Lei de funcionamento do mundo, a Lei do Amor. Só quem pode não obedecer essa Lei é o homem ou seres formados como nós com o atributo do Livre Arbítrio. Pode, mas não deve, pois sofrerá as consequências de todos seus atos que levarem a desarmonia, responsabilidade do Amor Incondicional.
Esta é a minha compreensão do Amor Incondicional, mas sei que devido aos nossos diversos interesses materiais, individualistas, egoístas, termino desenvolvendo outros sentimentos parecidos com o Amor Incondicional e que também dou o nome de amor: fraterno, pátrio, conjugal, filial, maternal, paternal, eclesiástico, etc. Todas as derivações que partem do Amor Incondicional e formam sentimentos parecidos, todos levam no seu bojo o interesse material, o condicionamento a tal ou qual situação. Quer seja todo o amor que temos a um filho, a uma esposa, a um amigo, à pátria, a uma igreja, até mesmo a um Deus caracterizado como o melhor de todos os outros deuses. Assim é o condicionamento: só amo tal pessoa com tal intensidade porque é o meu filho, porque é o meu amigo, porque é a minha religião, porque é o meu Deus! Isso faz uma grande confusão, pois nesse mar de sentimentos parecidos com o Amor incondicional e que recebe o nome genérico de Amor, passamos a ver muito distante o Amor Incondicional, talvez uma coisa inexistente, talvez uma sentimento que só pode ser praticado por Deus.
As vezes fico confuso, pois vejo ao meu redor tantas formas de amor derivadas sendo reverenciadas e praticadas com tanto esforço, que chega a obnubilar a existência do Amor Incondicional, e eu, que aceitei na minha consciência como missão dada pelo Criador, a aplicação dessa forma de amor, fico as vezes no canto de parede. Fico as vezes hostilizado, odiado, expulso... por tentar praticar essa forma de amor. O amor que deveria trazer a harmonia para minha vida e para todos que fazem parte do meu contexto. No entanto, as diversas formas de amor condicional que são as normas dentro da cultura humana, geram tamanho disparate em minha vida. Até mesmo em reuniões acadêmicas, que discutimos a natureza dessas coisas, o Amor Incondicional não é identificado como parece ser para mim, que não pode ser aplicado por nós, simples humanos... frente a tanta dificuldade de compreensão, de convivência, a minha mente quer desenvolver uma semente de dúvida e perguntar para mim mesmo ou para o Pai que me deu tamanha certeza na minha forma de pensar: “Que és, Amor Incondicional?”
Mas vejo lá no fundo da minha consciência o sorriso paternal do Pai, que simplesmente diz num muxoxo: “Não respondo, tu sabes o que é!”
Quando temos determinado algum plano para nossa vida e sentimos que não conseguimos avançar como desejamos, temos a impressão de que estamos dentro da lama que impede nossos passos e que se for muito profunda pode cobrir o nosso corpo e roubar nossa vida.
Tenho a impressão que esse lamaçal que me impede os passos não é nada que existe fora de mim, são as próprias necessidades do meu corpo que representam esse perigo. O corpo me oferece prazer se eu cumprir o que ele deseja e por outro lado me oferece angustia e sofrimento se eu não o fizer. Eu sei que existe o limite, o caminho do meio como defende os budistas, devo oferecer ao corpo o que ele realmente necessita, para não o deixar acabrunhado, deficitário e incompetente para a vida. Tenho o dever de o manter saudável, oferecendo suas necessidades e tendo a consciência de receber o prazer devido a isso, como uma consequência de uma ação positiva e que é o meu dever. Não devo colocar o foco dessa ação que é minha obrigação de manter o organismo saudável, sobre o prazer que o próprio organismo me oferece. Se assim fizer, eu irei privilegiar o prazer e a sua obtenção, mesmo que ultrapasse os limites da necessidade do corpo. É nesse contexto, no qual eu posso me envolver com o prazer, que o próprio prazer pode se converter na lama material que impede os meus passos espirituais.
Agora, estou aqui nesta situação. Após ler o salmo 69:14 escrito por Davi, “Não me deixes afundar na lama. Livra-me (...) das águas profundas da morte”, compreendo toda a dimensão da sua luta para continuar acima da lama, uma experiência esmagadora, apavorante e cansativa. Sei que a natureza da lama moral que afligia Davi era proveniente também dos prazeres que o corpo oferece. Davi se envolveu profundamente nesse lamaçal de desejos, mas tinha consigo um grande aliado: a fé em Deus e que Ele podia o resgatar de tão grave situação. Eu não tenho a intensidade e luminosidade da fé que Davi possuía, mas também não mergulhei tão profundamente na lama quanto ele. Sinto que ainda não estou submerso, que o lamaçal de prazer do meu corpo não tem tão grande profundidade quanto aquele de Davi, mesmo porque os aspectos éticos do mundo atual ao meu redor ajudam a ser mais comedido nas minhas ações egoístas.
Com tudo isso, devo reconhecer a responsabilidade espiritual que carrego comigo. Eu tenho uma compreensão bem mais aprofundada das exigências do mundo espiritual sobre o mundo material, quando comparadas aquela compreensão que existia no tempo de Davi. Devo reforçar os aspectos éticos desenvolvidos pela sociedade atual e ao mesmo tempo reforçar as razões e sentimentos da fé no Criador, reconhecer a oração como o principal meio de comunicação com o Pai e com todos os meus irmãos, encarnados ou desencarnados. Tenho a sorte que Davi não teve, de ter comigo as lições esclarecedoras do Mestre Jesus, que por sinal é um dos seus descendentes. Já tenho em minha consciência a missão que o Pai me deu, de aplicar na vida prática o princípio do Amor Incondicional. Então, não posso deixar que esse lamaçal de prazer que o meu corpo forma ao redor do meu espírito seja a causa de minha falha frente ao Pai e aos meus irmãos.
Tom Felten discorreu sobre a perfeição na 16ª edição do Pão Diário, de forma interessante. Ele lembrou que Jesus usou palavras duras contra os líderes religiosos fariseus, bons em culpar outras pessoas, sob a perspectiva perfeccionista da obediência à Lei. Lembrou que Jesus declarou: “Amarram fardos pesados e os põem nas costas dos outros, mas eles mesmos não os ajudam, nem ao menos com um dedo, a carregar esses fardos” (Mateus, 23:4). As pessoas que caíram sob o peso da Lei do Antigo Testamento e regras criadas pelo homem, não recebiam ajuda nem apoio dos fariseus. Eles davam a Deus a décima parte até mesmo da hortelã, da erva-doce e do cominho, mas não obedeciam aos mandamentos mais importantes da Lei, os quais incluíam a misericórdia. Jesus é misericordioso. Ao contrário dos fariseus, Ele “dará descanso” e afirmou “que o fardo que Ele nos dá é leve” (Mateus 11:28,30).
Tom Felten ainda faz uma provocação. Você ou alguém que lhe seja próximo é perfeccionista ao extremo? A sua busca por perfeição destrói outras pessoas? Nesse caso é hora de tirar as algemas do perfeccionismo e substituí-la pelo fardo leve e amoroso de Jesus. Glorificamos a Deus por fazer o melhor por Ele, mas não significa que seremos perfeitos em tudo. Somente Jesus foi perfeito. Nossos esforços humanos não nos farão perfeitos (em uma só encarnação), em vez disso, imitemos o exemplo de graça e misericórdia que Jesus tem com o próximo – especialmente àqueles mais próximos de nós.
Concordo plenamente com Tom Felten, só acrescentei no último parágrafo “em uma só encarnação” entre parêntesis, para significar que nossos esforços humanos nos farão perfeitos ao longo da existência. Mas com relação ao perfeccionismo ele está perfeito em sua digressão. A exigência maior que devo ter é comigo mesmo, em busca dessa perfeição. Então devo ter o auto-perdão para minhas inúmeras faltas e da mesma forma e com maior complacência, perdoar as inúmeras falhas do meu próximo. Devo me empenhar ao máximo para seguir o exemplo de Jesus, de graça, tolerância e misericórdia. Quantas vezes eu não observo pessoas que se dizem espiritualistas, cristãs, que querem obedecer e até seguir a Lei de Deus, os passos de Jesus, mas com tamanha intolerância para com o próximo, desenvolvendo até mesmo o ódio, até mesmo contra pessoas como eu, que procuro aplicar na minha vida o Amor Incondicional com tudo e com todos como uma missão dada pelo próprio Pai. Mas eu sinto que é aí que está a beleza das lições do Mestre Jesus. Quem por maldade exige que os outros sigam uma lei que eles mesmos não observam, são considerados hipócritas, o tipo de pecado que Jesus mais abomina; os que fazem isso por ignorância, por preconceito cultural dentro das leis humanas e não conseguem discernir uma coisa da outra, merece o perdão de Jesus e todo o nosso esforço para levar a luz a essas pessoas. Quando eu me firmo na Lei do Amor Incondicional, que é a geratriz de todas as virtudes, sou obrigado a tolerar essas falhas do perfeccionismo exagerado com atitude fraterna, compreensiva e educativa com o exemplo. Mesmo que isso me traga severas dores, principalmente quando atinge pessoas que amo e que se sentem mais fragilizados por esses ataques da maldade ou da ignorância. Deixo esse julgamento para Deus, a minha função nessas circunstâncias é de ajudar, mesmo que seja com um dedo, como Jesus já advertia.
Tenho sempre escutado que a Bíblia Sagrada é a palavra de Deus. Nunca entrei em considerações a esse respeito, mas sempre ficava com uma interrogação a pairar na minha mente, não conseguia aceitar essa conceituação ou interpretação da Bíblia como uma questão definitiva e acertada. Desde que passei a ler este livro de forma sistemática, desde o seu início, pelo primeiro livro, Gênesis, essa minha dúvida ficava cada vez mais forte. Então hoje eu vou abordar essa questão e deixar a minha mente colocar os seus argumentos.
Hoje eu li um trecho escrito por um salmista: “São admiráveis as Vossas prescrições; por isso a minha alma as observa. Vossas palavras são uma verdadeira luz, que dá sabedoria aos simples. Abro a boca para aspirar, num intenso amor por Vossa lei. Voltai-vos para mim e mostrai-me Vossa misericórdia, como fazeis sempre com os que amam o vosso nome. Dirigi meus passos segundo a Vossa palavra, para que jamais o pecado reine sobre mim. Livrai-me da pressão dos homens, para que possa guardar as vossas ordens. Fazei brilhar sobre o vosso servo o esplendor da Vossa face, e ensinai-me as Vossas leis. Muitas lágrimas correram de meus olhos, por não ver observada a vossa lei.” (Salmo 118: 129-136, Bíblia Sagrada, Editora Ave Maria, Edição Claretiana, 1998).
Esse trecho pode ser a palavra do Senhor? Será que Deus se expressaria dessa forma? Não é mais coerente que tenha sido escrita por um homem, pelo salmista, que reconhecia a paternidade de Deus? Então não é a palavra de Deus, é a palavra de um homem temente a Deus e que com Ele quer se relacionar e ter proteção. Assim é a forma de expressão que permeia toda a Bíblia. Podíamos contra-argumentar e dizer: mas Deus jamais iria pegar num lápis e escrever, Ele deve intuir as pessoas para escreverem o que Ele tem interesse. Nesse caso, voltemos ao texto. Dá para entender que o que está escrito é o que Deus queria que fosse escrito? O salmista está descrevendo sentimentos íntimos, do que ele sente, do que ele percebe. Se essas palavras tivessem sido escritas por intuição de Deus, revelaria em Deus um forte conteúdo narcisista, de vaidade, de prepotência. Não é que Deus possa fazer tudo, já que Ele é onipotente, mas para a harmonia do Universo que é a sua principal lei, esses comportamentos e pensamentos são desarmônicos. E Ele não iria de encontro a sua própria lei. Poderia ser melhor conceituada a Bíblia Sagrada da seguinte forma: a palavra do homem na sua relação com o divino.