Jesus disse que ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro (Mateus 6:24).
Essa lição de Jesus eu não posso levar muito ao pé da letra. A primeira ideia que passa pela cabeça ao ouvir essa lição e procurar praticar, é que não devo me envolver com nada do mundo, com o dinheiro. Muitos por pensarem assim se tornam reclusos do mundo, vivem isolados como ermitãos ou disciplinados dentro de alguma ordem religiosa.
Tenho uma compreensão não tanto radical e que acredito seja aprovada por Jesus. Não é que eu tenha que desprezar um dos senhores, mas tenho que servir a um só deles. Isso significa que eu posso manter relações amistosas com os dois senhores, posso trabalhar com os dois, mas o meu compromisso vital deve ser com um deles. Isso permite que eu não me afaste do mundo se decido servir ao divino. Esta é a minha prática e vou explicar com detalhes porque faço dessa forma e fico com a consciência plenamente satisfeita de que estou fazendo a vontade do Pai.
Tenho uma série de tarefas, trabalhos e responsabilidades dentro do mundo material, dentro do mundano, de tudo que gera dinheiro. Tenho a consciência de ser filho de Deus e que sou discípulo do Mestre do Amor, Jesus Cristo. Ele ensina que eu estou servindo ao Pai quando estou aplicando o Amor Incondicional. Para aplicar o Amor eu tenho ao meu dispor diversas formas, inclusive o dinheiro. Então, minhas diversas atividades, o trabalho intenso que realizo para ganhar o dinheiro, não tem o sentido de deixá-lo acumulado numa conta poupança ou adquirir bens materiais para formar um belo patrimônio. Isso implica que o próprio trabalho é realizado como um meio, não vou a procura intensa da recompensa do dinheiro pelo que estou fazendo. Eu faço o trabalho e o dinheiro deve me seguir como uma consequência. Não vou fazer o trabalho e perseguir o dinheiro que ele pode oferecer como a meta final. O dinheiro é simplesmente uma ferramenta para que eu aplique o Amor na forma de solidariedade com o próximo.
Um exemplo dessa atitude, que mostra que eu sirvo ao Senhor e não ao Dinheiro, foi com o acidente ocorrido na última semana quando eu bati com o meu carro em outro e tinha que pagar o prejuízo. O motivo do acidente foi a pressa para chegar a uma reunião na comunidade onde desenvolvo um trabalho voluntário, sem nenhuma remuneração ou perspectiva de recompensa material. Mesmo assim decidi não obedecer as normas do trânsito, de esperar a perícia chegar para afirmar o que eu sabia que era meu dever. Deixei os meus contatos com o motorista prejudicado e garanti, como fiz, que pagaria pelo conserto do estrago causado. Para algumas pessoas o valor cobrado parece ter sido acima do que era esperado, mas não tive nenhuma dificuldade em fazer esse pagamento e talvez ter sido explorado. Entendi que tudo estava se passando na seara do Pai e que Ele percebe nossas ações, e que foi feito o necessário para viabilizar a reunião que ficou ameaçada de não acontecer e de manter a harmonia com todos os envolvidos. O dinheiro foi uma peça chave para isso acontecer, e se eu fosse lutar para manter em meu poder mais alguns reias, não atingiria a harmonia que o Pai deseja e é a Ele que eu sirvo. Essa é uma prova real de que o dinheiro não é o meu Senhor, e sim o Pai divino, como Jesus ensinou.
Então, eu poderia apresentar ao Mestre Jesus uma reformulação dessa lição, aplicada à compreensão moderna para a construção do Reino de Deus, da seguinte forma: “O mundo de nossas relações funciona na base de dois senhores, dois valores: o material e o espiritual. Enquanto o primeiro é motivado pelo egoísmo do crescimento individual, o segundo é motivado pela fraternidade que leva à evolução coletiva. Servir a Deus significa servir aos valores espirituais, promover a fraternidade e evitar sentimentos negativos como desprezo, raiva e ódio; significa ter a sabedoria para colocar a serviço de Deus todos os valores materiais ao nosso alcance”.
Acredito que o Mestre aprova essa reformulação na maneira de explicar como devemos servir a Deus sem abandonar os valores materiais.
Cada vez que avanço nos estudos eu sei que adquiri conhecimentos, que cheguei mais próximo da Verdade. Mas ao mesmo tempo eu passo a perceber que existem mais coisas que eu não conheço e que antes eu nem sabia disso. Então, por um lado eu sei que adquiri conhecimento daquilo que não sabia, e por outro, passei a saber de que existe tanta coisa que ainda não sei, saber da minha ignorância.
Nessa minha caminhada em busca de conhecimentos, na procura pela Verdade, encontrei um Mestre magnífico que me ensinou verdades sublimes. Foi o Mestre Jesus, o mais próximo de Deus que eu já conheci, intelectualmente, uma vez que, fisicamente, eu não tive oportunidade de conhecê-Lo.
Porém hoje com a facilidade da circulação de informações, tanto daquelas originadas no passado quanto no presente, tanto aquelas produzidas na dimensão material como aquelas vindas do mundo espiritual, eu tenho acesso às lições que Jesus deu no passado quando estava encarnado no mundo material e também aquelas que hoje Ele está transmitindo do mundo espiritual. Como considero suas lições de grande importância, procuro aprender com determinação tanto na teoria quanto na prática. Mesmo não estando vendo ou O ouvindo falar na minha frente, mas seguindo Suas lições como faço, eu posso me considerar como Seu aluno. A lição básica que Ele ensina é sobre o Amor, como conhecer e como aplicar. Mesmo que existam ao meu lado diversos professores e que coloquem lições as mais diversas possíveis, eu procuro não me afastar da lição básica de Jesus: o Amor.
Um exemplo claro dessa compreensão é o que acontece com relação aos 10 mandamentos ou decálogo, um conjunto de leis que se entende terem sido escritas por Deus em duas tábuas de pedra e entregues a Moisés para disciplinar o nosso comportamento, que são as seguintes: 1) Amar a Deus sobre todas as coisas; 2) Não tomar o seu santo nome em vão; 3) Guardar domingos e festas de guarda; 4) Honrar pai e mãe; 5) Não matar; 6) Não pecar contra a castidade; 7) Não roubar; 8) Não levantar falso testemunho; 9) Não desejar a mulher do próximo; e 10) Não cobiçar as coisas alheias.
Este é um código de leis bem conhecido e respeitado, principalmente no ocidente. Porém Jesus com autoridade e inteligência, avaliando a evolução da humanidade nesses 2000 anos de Sua vinda, diz que “O Amor supera e elimina a necessidade dos 10 mandamentos, mas há poucos no mundo que podem realmente compreender isto.” Vejo com isso o esforço que o Mestre faz para que compreendamos que podemos viver sem normas tão rígidas, se o Amor que Ele ensina for devidamente praticado.
Na condição de Seu aluno e que procura aplicar as lições, sigo a lei do Amor com prioridade, mesmo que aparentemente não obedeça ao decálogo. Foi seguindo essa orientação de Jesus que transformei o relacionamento fechado, exclusivo do meu casamento, em relação aberta, inclusiva, onde o Amor pudesse penetrar, sem sofrer qualquer tipo de obstáculos ou de preconceitos.
Mas Jesus continua correto em sua avaliação: há poucos no mundo que podem compreender isso. A maioria das pessoas, quase que a unanimidade, ainda se apega aos interesses materiais e não conseguem aplicar a lei do Amor que está ligado aos valores espirituais. Quem procura seguir a lei do Amor com prioridade dentro da comunidade, dentro dos seus relacionamentos, passa a ser visto como um ser de outro planeta, uma espécie de ET, não pertencente a este mundo da forma que todos entendem. Foi isso justamente o que Jesus dizia, que não era deste mundo e todo aquele que seguisse Suas lições também deixariam de pertencer a este mundo material.
Então, ao seguir o meu Mestre me transformo num tipo de ET como Ele mesmo era considerado, mas a minha esperança é que a semente divina que todos possuímos dentro de nossos corações é capaz de nos deixa encantados com o Amor e, com coragem, cada um de nós construirá um mundo diferente deste tão brutalizado: o Reino de Deus.
Como é difícil trilhar os caminhos do mundo com uma perspectiva espiritual, com uma aceitação de cumprir a vontade do Criador da forma que Ele plantou na nossa consciência. Eu vivo cercado de dúvidas que as pessoas ao meu redor procuram jogar sobre mim, e com razão, pois os parâmetros de comportamento que passei a desenvolver são muito diferentes do que é defendido e praticado culturalmente, ou melhor dizendo, que é procurado seguir de forma legal.
Eu tenho uma bússola que adquiri dos ensinamentos do Mestre Jesus, para não me perder nesse emaranhado de opções que existem à minha frente, com tantas motivações de todos os matizes ideológicos. A bússola do Mestre diz simplesmente para eu não fazer ao outro o que não desejaria que fizessem a mim. Recebi hoje um vídeo onde um filósofo está sendo entrevistado sobre a ética, e ele cita uma frase de Imanuel Kant que achei muito interessante e de valor prático: “Aquilo que você não puder contar como fez, não faça.”
Mesmo assim, o entendimento fraterno não é alcançado, mesmo entre as pessoas que até conhecem essas ferramentas conceituais, evangélicas inclusive, de direcionamento do comportamento. Lembro como exemplo a dificuldade de entendimento que sofro quando tento explicar o novo direcionamento do meu comportamento, da prática do amor exclusivo na relação conjugal, para o amor inclusivo que implica em novos parceiros na relação, para ambos.
Mas o Mestre Jesus nos conforta com suas lições e aprendemos como nos comportar de forma ética, sem perder nosso rumo em direção ao Pai. Jesus diz que a idoneidade de uma pessoa depende muito, mas muito mesmo, da vivência que ela leva diante dos conflitos interiores e dos problemas que a própria natureza externa apresenta como teste de sua maturidade. Pelo tom da tua voz, Ele diz, notarás a apreciação que fazes em ti e nos outros, e pela análise, notarás a falta de compreensão de grupo para grupo e de almas para almas, começando dos lares até as nações. Jesus diz que esse é um processo inevitável, dos homens e dos povos para que se entendam mais tarde, pois as dificuldades são criadas para que a dor possa aparecer, ensinando, na antecipação do Amor. É bom que saibas, reforça o Mestre, que quanto mais bruto é o animal, maior é a corrigenda.
Continua ensinando: A roseira mostra suas pétalas suaves, mas trás os espinhos na retaguarda, para que a vigilância seja desenvolvida. Deves conhecer bem os livros sagrados e a interpretação dos sacerdotes, mas deves fazer o teu próprio esforço para compreender a lei de Deus e a vontade do Pai para a tua vida; não te deve faltar a razão. Voce vai observar que Moisés foi o portador da justiça para disciplinar a dureza do coração de pessoas brutalizadas. No entanto tu vais entender, com o teu raciocínio, que a nova mensagem que eu te ensino transforma a justiça, pelas linhas da misericórdia, em Amor e, se queres saber mais, dileto aluno, é justo que saibas que somente o Amor no coração das criaturas fará estabelecer a verdadeira compreensão através do tempo, nos lares e nas ações.
O Mestre ainda faz uma advertência: Usa a tua inteligência, não te iludas com falsas filosofias. O esquema de Deus não foi feito para transformações imediatas, principalmente no que diz respeito as almas. O despertar de um espírito para as coisas reais da vida depende de sequências de esforços indescritíveis. O sol tem uma marcha moderada com respeito ao tempo, para formar o dia, e este a mesma sequencia, na estrutura do ano. Assim os séculos, assim os milênios, assim a eternidade.
O Mestre continua a dissertação dos seus ensinamentos: A compreensão é incompatível com a ignorância. Se é a ignorância que comanda e domina a maioria na Terra, como poderás esperar ajuste de Entendimento entre as criaturas? Se é certo que toda a humanidade tem fome de Amor, é mais justo que esse Amor seja dado aos que desconhecem os seus grandes benefícios. Tu és um aluno da Verdade, com atividades teóricas como esta que fazes agora, para ter um maior Entendimento das coisas e da vida. Da vida e dos homens, dos homens e do mundo dos anjos. Mas deves ter as responsabilidades práticas dentro dos relacionamentos interpessoais, de fazer a vontade de Deus que é o motivo pelo qual estamos aqui, para transmutar a justiça em perdão e o perdão em caridade, e que nesse empuxo da vida, passes a esplender na pureza do Amor.
Assim, com esses termos, o Mestre termina essa importante lição que hoje Ele trouxe para mim: Francisco prepara-te para escutar a Verdade que não esperavas. Se te preocupas muito com a compreensão de uns para com os outros e dos outros para contigo, se intentas lutar para estabelecer um Entendimento universal, se te dispões a trabalhar para uma unidade de sentimentos, colocas o capacete do trabalho edificante sem perguntar o que vais receber. Envolve-te na tolerância educada na força do bom senso. Respira e distribui a caridade sem fanatismo, arregimenta as armas do perdão incondicional e não penses no tempo em que a tua cooperação com os outros que esposam as mesmas ideias venha a formar a fraternidade entre os povos. Porque na verdade te digo que essa incompreensão que tanto temes, tu a sentirás no próprio meio, onde tens as melhores armas para combatê-la. E, se continuares no bem até o fim, fazendo a tua parte, os outros farão o mesmo e Deus fará o resto.
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Vejo quão importante são essas lições. Fico boquiaberto com tanta sabedoria! Ensina-me a ter paciência e a entender que o sofrimento é necessário, na proporção direta da brutalidade do ser, para que o Amor possa chegar com seus benefícios.
Entendo melhor assim que aquele que sofre, por mais intensa que seja a dor, é porque está nos preparativos da vinda do Amor e que eu posso acelerar com minhas ações caridosas.
Entendo que mesmo levando as pétalas suaves do Evangelho para ensinar seres brutalizados na comunidade, devo ser vigilante e levar comigo alguns espinhos na retaguarda para me proteger.
Entendo que o meu trabalho essencial com o próximo é o de transformar a justiça em Amor, o meu papel não é de juiz e sim de servidor do Pai.
Entendo que não devo esperar por resultados rápidos, nem isso o sol consegue, quanto mais eu que pretendo ser um simples raio de luz.
Entendo a essência do que devo fazer, transmutar tudo que eu entender como injustiça, em perdão e em seguida em atos de caridade. Esse julgamento que é feito para considerar um ato como injusto, deve ficar restrito ao meu campo de consciência, o perdão que devo oferecer é não deixar que esse sofrimento provocado por essa “injustiça” fique circulando na minha mente como ressentimento. Este é o meu primeiro ato de caridade, comigo mesmo, evitando com o resentimento um sofrimento que se perpetua no tempo. A caridade com o ofensor é não ressaltar o seu lado negativo e sim, privilegiar publicamente o que ele tem de bom. E finalmente, ter humildade e paciência para esperar pela ação do tempo.
A vida mental se desenvolve e evolui em torno da compreensão que posso ter das coisas que vou absorvendo com meus sentidos. Adquiri a compreensão do Reino de Deus tal qual Jesus ensinou e agora procuro me colocar dentro dessa realidade que meus sentimentos e comportamento podem construir, usando qualquer contexto que a vida possa oferecer para reforçar a ideia e não a deixar acuada sob dúvidas. Por exemplo, hoje é dia do Padre. Eu não sou formalmente um Padre, mas tenho conhecimentos suficientes para atuar com o Amor Incondicional na construção do Reino de Deus que é a tarefa principal que Jesus nos confiou. Tenho ao meu redor diversas pessoas, tanto parentes, colegas ou amigos, até mesmo pessoas que vejo pela primeira vez, necessitadas de luz para abrir as suas compreensões sobre a Verdade. Nesse momento eu devo funcionar da mesma forma que um Padre, um Pastor, na condução dessas ovelhas desgarradas, perdidas no breu da ignorância. O trabalho comunitário que estou iniciando nas comunidades tem por essência esse ensinamento. Mesmo que o objetivo concreto seja resolver questões do cotidiano, necessidade de organização material e de aprendizado formal por trás existe o ensinamento sobre o Reino de Deus e como devemos construir a sociedade fraterna, a família universal.
Jesus nos deu lições de como construir a compreensão firme sobre o Reino de Deus que as vezes a maledicência do mundo pretende destruir: “Quando pretendes levantar uma casa, primeiro cavas as valas, para que acolham o alicerce. Depois que este está familiarizado com a argila, é que vem as paredes, pedindo para suportar o seu peso. Depois, vem o telhado para, em seguida, entrarem os moradores, em segurança, na moradia. O ser humano procura construir cada qual a sua própria casa no reino da mente, pois, em primeiro plano, as necessidades exigem a limpeza das valas entulhadas de ideias imprestáveis. Em seguida à colocação das pedras nos alicerces que os ideais superiores nos oferecem, com a liga da boa vontade, mais adiante deveremos levantar as paredes, com cada tijolo representando um conceito que as leis de Deus interligam. Finalmente, aparece o telhado, que é a vivência e o tempo chancelando a segurança daquilo que aprendemos.”
Com essa lição tenho a compreensão que a minha casa mental já está construída e estou abrigado em segurança dentro dela. Os contrastes e duvidas que queiram se arremeter contra ela, são oportunidades que tenho de mostrar o quanto resistente é a minha casa, a minha compreensão do Reino de Deus. Para que eu me torne cooperador de Deus, um instrumento da Sua vontade, na vinha infinita da criação, o laboratório do mundo me testa permanentemente, em busca da perfeição, respondendo a todos os ataques à verdade, com a própria vida imperturbável no serviço da caridade e do Amor dentro e fora de mim, compreendendo e sentindo Deus, pelo bem que não deixamos de praticar, sem interrupção. Cada vez sinto que não existe mais lugar para dúvida em minha mente e que a ignorância quer fazer vicejar.
Aprendi com o Mestre que onde a compreensão é mais difícil é diante da maledicência, e quando sou ofendido e caluniado e, sem revolta, o coração me obriga a transformar meus sentimentos em perdão, um perdão que não exige condições. Nesses momentos, algumas vezes posso perder o ambiente de segurança da minha casa mental, assimilando a violência e intolerância dos ignorantes e, se faço a justiça que a razão me pede, passo a pensar do mesmo modo de quem me injuria. E aí, a semente de Deus, que procurava terra fértil no meu coração, é retirada pelos ventos da invigilância, deixando o “agricultor” à espera de outras oportunidades para tornar a semear.
Aconteceu isso com o episódio da batida do carro no retorno do sepultamento do corpo do meu amigo. Os ventos da invigilância conseguiram arrastar a paciência do meu coração e cometi um prejuízo material ao meu próximo. Não posso deixar que a terra fértil do meu coração seja comprometida por qualquer fenômeno que aconteça ao meu redor, devo estar seguro na casa mental que bem construí. Devo ocupar a minha mente com a compreensão que devo ter com os outros, sem exigir o mesmo dos outros para comigo, a não ser quando isso vem pelas linhas da espontaneidade ou do aprendizado da Verdade. Porque se eu passo a compreender a quem desconhece a lei do Amor e da caridade, mesmo sem palavras, essa pessoa passa a me admirar, e esse é o primeiro passo para o alcance da Verdade. Infelizmente, algumas pessoas estão tão envolvidas pelos sentimentos trevosos da raiva, medo e intolerância que não dão oportunidade de sentirem em si a aplicação da lei do Amor por quem tem tanta resistência.
Com toda essa compreensão, tenho o entendimento que devo alcançar um comportamento mais puro, inatingível aos ataques da ignorância, porque muito me foi dado, então, muito me será pedido. Sei que estou participando de uma claridade que, em outros olhos, produziria cegueira, tal como aconteceu com Saulo de Tarso no caminho de Damasco. Vim para servir, sem que qualquer exigência ou sugestão possa perturbar minha confiança em Deus e em mim mesmo.
Sei que o mal maior, mesmo para mim que estou despertando para a luz, é dar querendo receber, é perdoar esperando perdão, é sorrir porque preciso receber um sorriso, é amar pensando, primeiro, no amor que poderei receber em troca.
Espero que eu esteja resistente dentro da compreensão construída como minha casa mental para que isso não aconteça a mim, que já conheço o Filho e o Pai.
Eu trabalho com dependência química, uma doença que é classificada como a patologia da vontade. Isso porque, a pessoa tem a vontade de não mais usar a substância química, toma essa decisão com sinceridade, mas quando surge o desejo forte, a chamada compulsão, ele não resiste e vai à busca. Não tenho no arsenal médico nenhum remédio que evite o surgimento desse desejo. O que eu tenho são remédios que aliviam a consequência do uso da droga, como antidepressivos, ansiolíticos, hipnóticos, e até antipsicóticos e anticonvulsivantes. Mas não tem jeito, quando surge o desejo forte, a pessoa mesmo usando toda parafernália farmacológica, usa sobre ela sua droga de eleição, com a qual está dependente, tornou-se viciado, adicto, que significa escravo.
Esse é um quadro triste, pois a pessoa não é um doente mental a ponto de não perceber a realidade à sua volta, ela ainda tem um juízo crítico suficiente para perceber a condição de impotência em que se encontra. Por si só ela não tem condições de sair das garras do vício. A medicina ajuda, mas também é impotente para resolver a situação, para curar o paciente. Quem apresenta um resultado ainda melhor que a medicina são os grupos de mútua ajuda. São formados por pessoas vítimas do mesmo problema e que reconhecem sua condição de dependentes e de necessitados de ajuda. Essa ajuda é dada por profissionais, patrões, colegas, parentes, e principalmente pelos companheiros do grupo de mútua ajuda que sentem na pele o que o dependente está sentindo, que reconhece as defesas que ele usa, e que está disposto a ajudá-lo a qualquer momento. Mas acima de tudo, o que parece realmente fazer a diferença entre o sucesso desses grupos e o fracasso dos grupos técnicos, é a aceitação de um poder superior que ajuda o dependente quando ele tem a humildade de reconhecer que é incapaz de resolver o seu problema.
Mas sempre me preocupei como fazer o cérebro reconhecer a nível de consciência, que está comprometido por uma área específica de sua neurofisiologia, capaz de disparar neurotransmissores que levam a uma intensa sensação de prazer. Pois é essa memória do prazer que se obteve com aquele ato onde está a base neurofisiológica da dependência. Nenhum medicamento pode chegar até essa área e exercer o efeito específico de anular o que ela tem na memória que sentiu e a possibilidade de voltar a sentir o mesmo prazer se fizer uso daquela substância que está ali a sua disposição, mesmo que tenha de fazer alguns sacrifícios. Mesmo que esses sacrifícios tenham consequências muito graves, como deixar de estudar, respeitar, trabalhar ou cometer crimes.
Nas técnicas de psicoterapia se tenta trabalhar essa dinâmica racional e comportamental no contexto ambiental e projetos de vida do interessado, para se fazer uma reestruturação do cognitivo. Parece que essa técnica é a mais adequada para o tratamento do problema, pois a pessoa de posse do seu livre arbítrio iria diagnosticar com essa ajuda profissional os seus desvios comportamentais da meta de vida desejada e corrigir o necessário. Mas isso não acontece. Mesmo a pessoa compreendendo todo esse trabalho de psicoterapia, tendo os seus pensamentos reestruturados, continua sendo vítima do desejo compulsivo pelo uso da droga. Que fazer?
Nós, técnicos, nos sentimos impotentes e frustrados frente a cada nova recaída. Mas acredito que neste trabalho de reestruturação cognitiva, deva existir um confronto mais aprofundado e direto com a origem do problema. O problema é usar a droga e ter o prazer. Vamos imaginar, ter uma pedra de crack e sentir o orgasmo cerebral que ela provoca. Para quem não tem a memória, como eu, do prazer que essa pedra de crack pode me oferecer, eu posso deixar de usar sabendo do problema que ela irá causar. Esse é o trabalho preventivo. Mas com o indivíduo que tem na sua memória o prazer que essa pedrinha pode causar, ele geralmente não resiste ao desejo.
É importante se encontrar uma condição, após um preparo psicológico antecipado, para ele ficar sozinho com essa pedra de crack e ver se consegue vencer o desejo com todo o poder racional que ele foi instruído. É este confronto direto da pessoa com seu desejo e sua vontade, sozinho na presença da pedra, que pode exercitar sua vontade cada vez mais para vencer o desejo de forma definitiva.
Não sei bem se isso daria resultado a longo prazo, mas acredito que seria uma opção terapêutica a ser testada.