O mal está tão presente no mundo que pensamos muitas vezes estarmos num beco sem saída, despencando de forma irreversível em um abismo de violência, corrupção, fome, miséria, guerras... mas não é bem assim. Desde que Jesus chegou e deixou suas lições entre nós, ficamos capacitados a reagir contra o mal, a usar o amor como forma de conversão. Criamos instituições para ensinar, doutrinar, cuidar; sentimos a vocação de participar em qualquer uma dela e vamos em frente; podemos vestir uniformes, em escolas, igrejas, mosteiros, hospitais... ou não, simplesmente atuando no bem com a inspiração e vocação do Mestre. São esses os soldados do Cristo, uniformizados ou não, que podemos encontrar em qualquer local, em qualquer momento, principalmente onde reina a miséria e a desolação. A sua identificação é clara, são suas obras, os seus trabalhos que falam por si. Não é preciso de carta de recomendação para atendê-los, muitas vezes eles fazem o que pretendíamos fazer, mas que por um motivo ou por outro nunca o realizamos.
Encontrei um soldado desse tipo e logo percebi que estávamos sob o comando do mesmo Mestre. Mostrou o campo que existe, o trabalho a ser realizado, a estratégia que está organizando. Notei que é preciso da ajuda de muitos, não é trabalho de jaez individual, precisa da mão e da expertise de muitos. Percebi que eu tenho a minha missão posta em minha consciência, da mesma forma que o soldado expõe a natureza de sua missão. Que não são missões semelhantes, pois cada um recebe na sua consciência uma missão característica de sua personalidade, de sua capacitação no desempenho de qualquer que seja a atividade. Mas isso não impede que um não possa ajudar o outro de forma solidária e é isso que o Mestre espera de cada um de nós: que cumpramos a nossa missão e que possamos ajudar um ao outro num sentido de solidariedade na ajuda ao próximo no sentido da fraternidade.
As forças do mal podem até reagirem de forma agressiva, impeditiva, contra aquilo que precisamos fazer, até mesmo incorporadas nas pessoas que são caras afetivamente para nós, como uma mãe, um pai, um filho,um irmão, um companheiro, um amigo, mas o soldado do Cristo já tem em mente, bem esclarecido qual seja a sua missão e não pode mais recuar: está pronto para fazer a vontade do Pai, cumprindo o comando do Mestre.
Francisco de Assis, um homem que exalava paz e amor por onde caminhava, foi acusado de ser um Sonhador Perigoso. O Cardeal Hugolino que era o seu amigo e admirador foi quem lhe advertiu. Avisou que na Cúria Romana havia um grupo de poderosos cardeais que não viam com bons olhos, nem ele nem sua Fraternidade. O chamavam antes de Sonhador, mas agora chamavam de Sonhador Perigoso. Dizia que a Cúria recebia cerca de 30 notícias positivas e três negativas sobre ele e a fraternidade, mas para quem é negativo, a realidade resume-se a essas três notícias desfavoráveis. E continuava com as observações: você não deve se afastar do seu rebanho para evangelizar à distância, seu rebanho corre perigo, o bom pastor ronda, vigia e toma conta do seu rebanho; você foi temerário, meu filho, mandando seus irmãos indefesos a regiões remotas, expostos a todo tipo de contradição; você precisa de circunspecção, de sabedoria, medir as forças e saber com quem está lidando; que é o homem para comparar-se com Deus? quem poderá emular Cristo? Iríamos alem da temeridade, isso seria atrevimento e no fundo estupidez; nós somos filhos do barro, é coisa que não temos que nos envergonhar, apenas reconhecer; o espírito e a liberdade são bons, porém, se não forem devidamente canalizados, descontrolam-se e acabam arrastando tudo o que encontram para desaparecer na mais completa esterilidade; temo que aconteça alguma coisa assim com sua fraternidade, você foi longe demais!
Francisco entrou em profunda tristeza com tudo que ouviu, pela primeira vez começou a perder a segurança, a alegria de viver, pois imaginava que estava fazendo tudo conforme a vontade do Senhor, mas procurou responder: todas as coisas tem casca e miolo, verso e reverso, Senhor Cardeal; conheço a linguagem dos intelectuais da Ordem, um exército compacto, bem preparado e bem disciplinado a serviço da Igreja; falam de disciplina férrea, de organização poderosa; essa é a linguagem dos quartéis, do poder, da conquista; minhas palavras são outras, manjedoura, presépio, calvário; os ministros tem um palavreado cativante, mas é casca, senhor Cardeal, ou se me permite, é caricatura; a realidade é outra, ninguém quer ser pequenino, ninguém quer parecer fraco, nem nos tronos nem na igreja; todos somos inimigos instintivos da cruz e do presépio, a começar pelos homens da Igreja; somos capazes de derramar lágrimas diante do Presépio e de nos sentirmos orgulhosos levantando a cruz nos campos de batalha, como fazem os cruzados; temos porém vergonha da cruz; não chamarei ninguém de farsante, mas isso é uma farsa, quase uma blasfêmia; ninguém é mau, mas nós nos enganamos; as coisas feias precisam de aparência bonita; o mundo que existe dentro de nós precisa de uma roupagem vistosa; o homem velho, o soldado que vive dentro de nós, quer dominar, emergir, ser senhor; este instinto feio veste-se de ornamentos sagrados e nós dizemos que é preciso confundir os albigenses, temos que aniquilar os sarracenos, temos que conquistar o Santo Sepulcro... no fundo é o instinto selvagem de dominar e prevalecer; a verdade é que ninguém quer parecer destituído de poder; nós dizemos que Deus está por cima, deve predominar, mas somos nós que queremos estar por cima e predominar e para isso subimos no trampolim do nome de Deus; Deus nunca está por cima, está sempre abaixado para lavar os pés de seus filhos e servi-los, ou está pregado na cruz, mudo e impotente; na verdade, ninguém quer parecer pequeno e fraco, nós temos vergonha da manjedoura, do Presépio e da Cruz do Calvário, senhor Cardeal; a Igreja tem pregadores demais que falam maravilhosamente sobre a teologia da Cruz, mas o Senhor não nos chamou para pregar brilhantemente o mistério da Cruz. E sim para vivê-lo humildemente.
As palavras de Francisco faziam eco em meu coração e as lágrimas não se recusaram em testemunhar. Aquele pequenino homem, armado com sua fé, colocava em frangalhos todas as advertências caridosas do seu amigo Cardeal. Colocava o dedo na ferida que ninguém ver, nas palavras bonitas que são proferidas sem o devido suporte da prática da caridade. Eu me senti admoestado também pelo Cardeal, mas me senti defendido por Francisco! Afinal, eu como ele, procuramos seguir a vontade de Deus, seguindo Cristo como professor e assumindo determinado campo de atuação. Ele assumiu a graça de ter percebido a vontade de Deus em sua consciência e atuava no campo da pobreza, da caridade, da humildade para provar que era possível viver como o Cristo viveu. Eu, assumo a graça de perceber na consciência que Deus deseja que eu atue no campo dos relacionamentos com base no Amor Incondicional para provar que é possível criar as condições da família universal, base do Reino de Deus na terra.
Como Francisco, meu principal escudo e fonte de inspiração é o evangelho, são as lições que Jesus deixou e que foram registradas por seus apóstolos. Como Francisco, procuro ser o mais honesto com a essência dos ensinamentos e evito a hipocrisia de falar uma coisa e praticar outra. Como Francisco, também sou considerado um Sonhador Perigoso e em algumas casas sou impedido de entrar, por praticar o amor inclusivo, sem barreiras, sem preconceitos, altruísta, solidário e eterno! Onde eu encontraria um defensor a altura dos meus acusadores, que entendesse a natureza dos meus pecados? Somente em Francisco de Assis!
Francisco de Assis por sua imensa fé e esforço sobre-humano para ser a imitação do Cristo, passou a sofrer os mesmos ferimentos que o Cristo sofreu em sua crucificação. Nas mãos e pés os sinais dos cravos e do lado direito uma cicatriz como que transpassado por uma lança. Com muito empenho escondia essas coisas dos estranhos,ocultava-os com muita cautela dos mais próximos, de modo que os irmãos, devotíssimos seguidores, por muito tempo as ignoraram. Para que o aplauso humano não roubasse a graça que lhe fora concedida, esforçava-se por escondê-las. Experimentara que era grande mal comunicar tudo a todos, que não podia ser espiritual aquele cujos segredos não são mais perfeitos e mais numerosos do que aqueles que se veem no rosto e que podem pela aparência ser julgado em toda parte pelos homens. Pois ele havia encontrado alguns que concordavam exteriormente com ele e discordavam interiormente, aplaudindo na frente e rindo por trás; estes fizeram com que os corretos lhe fossem suspeitos. Concluía que, muitas vezes, a malícia procura denegrir a pureza, e por causa da mentira, que é amiga íntima de muitos, não se crê na verdade de poucos.
É incrível essa percepção de Francisco, o quanto me traz de lições para o meu comportamento, como eu seria mais prudente no uso da verdade, no esquivar da mentira, se eu tivesse lido esse trecho antes. A graça que o Pai me deu, de perceber a realidade da vida e dos relacionamentos de acordo com os ensinamentos de Jesus para a construção Reino de Deus, eu teria tido mais cuidado em dizê-los de forma tão transparente em nome da verdade. Iria saber que muitos que me elogiaram na presença, por trás entraram na galhofa, na ironia, no riso sarcástico; iria saber que da verdade pura e transparente que eu disse, apenas iriam ser ressaltados os aspectos negativos, transformados em pejorativos e alimentados nos preconceitos. Não teria o desgosto de ver a pureza do que comunicava ser denegrida pela malícia, de ser construída em cima disso a mentira que é cúmplice de muitos, de ver desacreditada a verdade.
Devo absorver com competência essa lição de Francisco, afinal ele foi competente em ocultar a graça recebida, mesmo estando exposta em seu corpo, por que então não consigo fazer o mesmo com a minha graça dentro dos meus pensamentos? Não quero dizer com isso que irei privilegiar a mentira, jamais! Irei sim, ser prudente em não colocar a verdade que vai ao meu coração, pensamentos e sentimentos para todos, devo fazer uma triagem rigorosa nesse sentido e omitir a graça que sinto ter sido merecedor. No entanto, em qualquer momento que a verdade for convocada, jamais ela será repudiada, mesmo que as consequências sejam por demais dolorosas.
Passamos a vida toda experimentando a força da gravidade sem associar os fatos a ela. Notamos por exemplo que os objetos “caem para baixo” como a maçã madura que despencou da árvore e impressionou o físico inglês Isaac Newton. Em função disso, ele foi o primeiro a apresentar em 1686, uma descrição correta do funcionamento dessa força na terra e no sistema solar, propondo que valesse para todo o Universo. Segundo Newton, todo corpo existente no Universo atrai e é atraído por todos os outros corpos. Ele concluiu ainda que, além de ser essa a força que puxa os corpos em direção ao centro da terra, é também ela a responsável pelo fato de a lua ficar em órbita ao redor do nosso planeta, que, por sua vez, gira em redor do sol. Ninguém sabe ainda explicar como essa força misteriosa funciona.
Existe outra força também difícil de explicar, mas de fácil comprovação, o amor. É a força mais abstrata e também a mais potente que há no mundo. Tem suas semelhanças com a força da gravidade, pois pensadores como o filósofo grego Empédocles (490-430), por exemplo, motivado pela vitalidade poderosa do amor, definiu-o como sendo “a força que preside a ordem no mundo”, incidindo, sem dúvida, no conceito de que a Divindade é amor, enquanto a criação resulta de um ato de amor. Sócrates (469-399), outro filósofo grego, na sua doutrina Maiêutica, distinguia-o pela feição divina, aquela que reúne todos e tudo. Portanto, parece que o amor, como a maior força e responsável pela manutenção do Universo na união dos elementos em todas as dimensões, origina a nível físico a força da gravidade para promover o mesmo efeito nos elementos materiais. Então, no campo físico, material, observamos a atração feita pelos grandes corpos celestes através da força da gravidade, estrelas, planetas, satélites, etc. No campo transcendental, abstrato observamos a força do amor, principalmente nos relacionamentos humanos, que provoca a aproximação, a inclusão, a solidariedade entre todos. O que dificulta o processo é que foi formado organismos biológicos compostos por trilhões de células, cada uma empenhada em sua própria sobrevivência e dessa forma gera uma outra força local que se contrapõe ao amor: o egoísmo. Mas, com o processo educativo, de esclarecimento das consciências, de erradicação da ignorância, o amor pode ser usado em plenitude e chegar até a posição ideal da criação do Reino de Deus.
O Senhor é o meu rochedo, minha fortaleza e meu libertador. Meu Deus é a minha rocha, onde encontro o meu refúgio, meu escudo, força de minha salvação e minha cidadela. (Sl, 17, 3)
Quando assumi na consciência a existência de Deus, conquistei a dupla cidadania com o mundo espiritual e deixei de ser órfão existencial, passei a ter acesso à Fortaleza de Deus que o salmista refere acima.
Então, hoje me considero mais seguro, mais adaptado, mais confiante do que antes. Posso entender a crítica que me fazem direta ou indiretamente, de que acredito em coisas que não existem, que perco meu tempo com leituras e práticas que não trazem lucros financeiros, materiais... Quando observo essas críticas e comparo o meu ontem com o hoje, percebo o quanto evolui dentro da minha dupla cidadania e de filho de Deus. Essas críticas não me trazem nenhum sentimento de humilhação, por ser considerado um néscio, um inocente, um bobo, por essas pessoas, pelo contrário, desenvolvo um sentimento de compaixão por elas, que não consideram o mundo que não veem, no Pai que não acreditam e passam seus efêmeros dias na terra preocupados apenas com as coisas ilusórias... não participam da eternidade da vida.
Muitos deles já foram à Europa, ao Oriente, conheceram tantos países... eu nunca sai do Brasil, mas acredito que esses países existem, pois eles me trazem fotos, vejo nos jornais, nas televisões; acredito também que exista uma entidade internacional chamada ONU, Organização das Nações Unidas, que congrega todos os países com vista aos seus desenvolvimentos e resolução de conflitos. Acredito que posso me direcionar a qualquer um deles e os conhecer quando assim me aprouver. Acontece que eu também acredito no mundo transcendental que abrange todo o Universo e que pertence a eternidade. Sei que irei logo para lá e que devo me abastecer com todo o ensinamento que puder adquirir que possa contribuir para minha evolução moral. Não posso considerar que tudo isso é fantasia da minha cabeça ou lavagem cerebral imposta por terceiros, pois da mesma forma que recebo provas de outros países, da ONU, do átomo, coisas que nunca vi, também recebo provas com a mesma fidedignidade dentro dos meus critérios éticos, da existência do mundo espiritual e dos seus habitantes.
Então eu escolho a opção, ao invés de dar prioridade à viagem para outros países, onde eu tenho que aprender a língua, trocar a moeda, adquirir o passaporte, eu escolho me prepara para o mundo espiritual, onde a realidade não é aparente, onde a vida não é efêmera, onde a lei não é deturpada, onde os sentimentos são virtuosos, onde mora meu Pai, minha Fortaleza.