Hoje o tema que vingou no estudo que espiritual que faço todas as quartas feiras, foi sobre oportunidades perdidas. O coordenador passou a discorrer sobre o assunto e logo vi que se encaixava como uma luva sobre o que eu sentia. Há cerca de um ano perdi uma amiga muito querida, ela também era minha paciente e num momento de desespero, de descontrole mental se suicidou. Sei que do ponto de vista técnico eu fiz tudo correto, não tenho culpa quanto a isso, mas minha consciência é mais rigorosa e me acusa que eu devia ter dado o afeto que eu era capacitado para dar e por conta de preconceitos eu me omiti. Se eu tivesse sido mais ousado, mais próximo, mais pragmático e mais afetuoso, muito provavelmente eu teria abortado esse desenlace fatal. Ninguém levanta nenhuma crítica ou acusação contra mim nesse sentido, todos sabem que fui atencioso e competente no aspecto técnico da condução do caso. Acontece que ela não era uma paciente apenas, era mais do isso, era uma amiga e colega de trabalho. Frequentava nossos encontros de lazer, de brincadeira com o seu humor exuberante; participava de nossas reuniões terapêuticas na condição de psicóloga... era bem mais que uma paciente! Eu devia ter usado todos os recursos à minha disposição, sem considera qualquer preconceito que fizesse barreira quanto a isso. Eu sei do meu potencial, do quanto ele é terapêutico, e não o usei como devia. Essa mácula que ficou na minha consciência veio a explodir nessa reunião.
Os mentores espirituais reforçavam com toda a clareza que o Pai sempre está colocando ao nosso alcance as mais diversas oportunidades. Não podemos perder, principalmente aquelas que colocam em risco a vida dos nossos irmãos, pois se isso acontece a conta do prejuízo vem para nós.
Hoje eu tenho a consciência da oportunidade que tive de fazer o bem além da minha responsabilidade técnica e não o fiz. Sei do prejuízo que isso causou no próximo e que agora não tenho a mesma oportunidade de ajudar. Até que tento encontrar uma forma de fazer isso, mas ela agora saiu do alcance dos meus sentidos materiais e eu não a alcanço. Fiquei com essa lição dolorosa na alma. Talvez por isso eu tenha me empenhado tanto em ajudar a minha amiga que veio recentemente do interior, que eu tentei a hospitalizar e não tive sucesso porque ela não permaneceu no hospital e foi para longe de mim com sua doença. Neste caso eu fiz muito mais do que antes.
Deve ser assim que vamos evoluindo a nossa condição moral, com erros tão dolorosos que nos empurram para a recuperação através da doação de amor com muito maior intensidade.
O Baghavad Gita ensina que a alma encarnada está aprisionada num corpo que é um invólucro feito por elementos que necessitam ser conhecidos como forma de sair dele, de não ser subjugado por ele. Este é de fato o verdadeiro processo do conhecimento. Se alguém aceita este processo, então existe a possibilidade dele se aproximar da Verdade Absoluta. Este é o verdadeiro meio de se escapar do enredamento do corpo, conhecer esses elementos: 1) Humildade; 2) Modéstia: 3) Não violência; 4) Tolerância; 5) Simplicidade; 6) Aproximar-se de um mestre espiritual genuíno; 7) Limpeza; 8) Firmeza; 9) Autocontrole; 10) Renúncia aos objetos de gozo dos sentidos; 11) Ausência de falso ego; 12) A percepção segundo a qual o nascimento, a morte, a velhice e a doença são condições desfavoráveis; 13) Desapego; 14) Estar livre de enredamento com filhos, esposa, lar e o resto; 15) Equanimidade diante de acontecimentos agradáveis e desagradáveis; 16) Devoção constante e imaculada a Deus; 17) Aspirar a viver num lugar solitário; 18) Afastar-se da massa geral das pessoas; 19) Aceitar a importância da Auto-realização; e 20) Empreender uma busca filosófica da Verdade Absoluta.
De todas as descrições do processo de conhecimento o ponto mais importante é o que culmina em serviço devocional constante e imaculado ao Senhor da vida, ao Pai de toda a criação, a Deus! Logo, se alguém não se aproxima, ou não é capaz de se aproximar do serviço transcendental do Senhor, então os outros 19 itens não tem nenhum valor especial. Mas se a pessoa adota o serviço devocional em plena consciência de Deus, os outros 19 itens automaticamente desenvolvem-se dentro dela. Todas as boas qualidades próprias de quem tem conhecimento afloram naquele que alcançou o nível do serviço devocional. O principio que consiste em aceitar um mestre espiritual, mesmo para aquele que pratica o serviço devocional, é muito importante. A vida transcendental começa quando se aceita um mestre espiritual autêntico.
Considero essas lições de grande importância. Sei que não tenho ainda o nível devocional a Deus no ponto adequado para minha evolução espiritual. Tenho que me esforçar muito para colocar Deus no centro de minhas ações, como é proposto. Eu esqueço até mesmo de orar com certa regularidade, mesmo que seja uma vez ao dia. Mesmo eu sabendo dessa importância e orientado as pessoas para assim fazer. Ainda bem que não sou hipócrita, digo no momento que ensino o correto, que eu mesmo ainda não consegui atingir o nível que eu ensino.
Quanto a aceitação de um mestre espiritual eu já o fiz e procuro seguir suas lições e seu exemplo: o Mestre Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus. Procuro associar as lições do meu Mestre com a vontade do Pai que Ele colocou na minha consciência, lutar pelo estabelecimento do Reino de Deus no mundo material a partir da transformação dos próprios corações, dentro dos diversos tipos de relacionamentos, colocando com prioridade máxima, constante e irreversível, a Lei de Deus, a lei do Amor Incondicional, a cada momento, em qualquer lugar.
Sonhei que estava de viagem marcada para outro estado, talvez Rio de Janeiro. Ia com um colega e estava numa casa não tão distante do aeroporto. Parei um táxi, que inadvertidamente, já estava com passageiros no banco traseiro, mas como eles não se incomodaram e iam para o mesmo destino, entramos também. Ao chegar no destino, achei o valor cobrado caro, ainda contestei, mas como foi rateado por todos se tornou barato. Ao entrar no aeroporto, percebi que tinha esquecido de levar minha passagem. Enquanto o tempo passava eu ficava avaliando as diversas opções que eu tinha para resolver o problema: 1) Voltar em casa e para pegar as passagens – o tempo poderia ser insuficiente; 2) Telefonar para alguém da casa me trazer a passagem – mas meu celular estava quase descarregando, talvez não desse para eu concluir o que queria e mesmo assim eu não saberia com certeza onde a pessoa deveria procurar a passagem; e 3) Ir ao balcão da empresa, colocar o problema e solicitar a 2ª via da passagem. O sonho se estruturava nessa problemática de analisar as diversas opções enquanto o tempo se escoava. Não cheguei ao desenlace da situação, mas pelo encaminhar da situação a tendência era que a viagem fosse perdida sem nenhuma das opções ter sido deveras utilizada.
Tenho a consciência do trabalho que tenho de realizar, do meu compromisso frente a mim e principalmente ao Pai. Reconheço cada vez mais a força dos obstáculos internos que residem dentro de mim e que tendem a me incapacitar a conclusão do que pretendo, da minha missão. O sonho mostra com clareza um fator precipitante dessas dificuldades e que pode terminar na minha derrota fragorosa frente ao Pai: minha falta de atenção, negligência e preguiça no enfrentamento do trabalho que tenho que realizar. O esquecimento da passagem para ir até o lugar que planejava, significa o esquecimento da minha missão em muitos momentos, no cumprimento da vontade do Pai. Deixo meu corpo se conduzir como se fosse num piloto automático em direção aos interesses da carne, aos prazeres imediatos que o corpo pode oferecer. Quando isso acontece, percebo em seguida a falha e fico a imaginar o que posso fazer para compensar. Acontece que essa forma de pensamento, de tentar corrigir minha falha, termina em consumir o tempo que tenho, a vida que está se escoando a cada minuto e que pode implicar na perda da minha missão.
Esta foi a advertência que o Pai me deu esta noite. Ele reconhece minhas boas intenções, minas ações positivas, mas teme que esses defeitos do meu caráter, a falta de atenção, a negligência, a preguiça, comprometa o sucesso da minha missão frente a Sua divina vontade.
Sei que é muito fácil dizer: Pai, perdoa-me, prometo me esforçar para isso não acontecer mais, pelo menos não com tanta frequência como vem acontecendo.” Sei também que se fizer esse pedido, dessa forma e com essa honestidade, o Pai me perdoará e voltará a confiar em mim. Acontece que á a minha consciência que assume cada vez mais um poder sobre os erros que estou cometendo. Lembro das palavra de Aristóteles: “Seja senhor da sua vontade e escravo da sua consciência.” Vejo que cada vez mais que não exerço o controle sobre minha vontade, de fazer o que é necessário, me torno mais escravo da minha consciência, e como ela não tem a compaixão divina do Pai, procura logo alguma forma de me punir
Este é o domingo do Bom Pastor. No tempo de Jesus eram comuns os rebanhos de ovelhas. A relação entre pastor e ovelhas era tão intensa que chegavam a reconhecê-lo só pela voz. Ele usa essa imagem para responder aos judeus que queria saber quem Ele era. Diferente das ovelhas que tem intimidade com o seu pastor, para eles Jesus era um estranho. Eles não ouviam a voz do Pastor.
Isso está bem colocado no Evangelho de João, 10,27-30: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as roubará de minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém as pode arrebatar da mão de meu Pai. Eu e o Pai somos um.” (Bíblia, Ed. Ave Maria, LTDA)
Em todo Antigo Testamento, o povo de Israel é comparado a um rebanho.e Deus a um Pastor: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados Ele me fará repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos Ele me leva, por amor do seu nome. Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estás comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo. Preparai para mim a mesa à vista de meus inimigos, derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda a minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias da minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias.” (Salmo 22 1-6)
Portanto, a relação entre pastor e ovelhas é muito antiga, Jesus se apropriou desse conceito e reforçou a sua missão em nome do Pai, se colocando na condição do Pastor enviado para encaminhar as suas ovelhas. Mas fica claro, que nem todos em dado momento, possuem a condição de ser essa ovelha do rebanho de Deus, pois não o reconhece como Criador de todo o Universo nem a Jesus Cristo como o Pastor enviado por Ele para nos ensinar a Lei do Amor. Porém a ideia de Deus é salvar todos os seus filhos, mesmo que devido a ignorância muitos não tenham o pré-requisito de ouvir a voz do Pastor. Pode até terem o hábito de caminharem diuturnamente com uma Bíblia debaixo do braço, mas se não consegue entender a linguagem do Pastor e a colocar em prática, então é ovelha fora do redil.
Da mesma forma que Jesus assumiu sua missão e se colocou na posição do Pastor, nós que nos consideramos ovelhas do Cristo, podemos também assumir a postura de pastor de ovelhas e tentar resgatar aquelas que estão perdidas, que estão dentro da ignorância, que não reconhecem o Pai e nem tem preocupações de seguir a sua Lei.
“Ninguém se consagra à Deus para tornar ricos os seus parentes, mas para, redimindo os pecados com o preço da compaixão, adquirir a vida com o fruto da boa obra.” (Fontes Franciscanas e Clareanas, Ed. Vozes, 2008, pg 353).
Esse trecho do pensamento de Francisco é de alto significado, pois todos que vinham à Ordem o santo ensinava que, antes de darem ao mundo a carta de repúdio, oferecessem primeiro as suas coisas exteriores e depois oferecessem a si mesmos interiormente a Deus. Admitia à Ordem tão somente os que já se haviam despojados e os que não retinham absolutamente nada, seja por causa do santo Evangelho, seja para não servirem de escândalo da bolsa reservada.
Acontece que, na Marca de Ancona, depois da pregação do santo, alguém veio ter com ele, pedindo humildemente entrada na Ordem. Disse-lhe o santo: “Se queres associar-te aos pobres de Deus, primeiramente distribui teus bens aos pobres do mundo.” Tendo ouvido isto, o homem foi e, levado por amor carnal, distribuiu os bens aos seus e nada aos pobres. E aconteceu que, ao voltar e relatar aquela generosa munificência ao santo, o pai lhe disse rindo: “Toma teu caminho, irmão mosca, porque ainda não saíste da casa e de tua parentela. Deste teus bens aos teus consanguíneos e defraudastes os pobres, não és digno dos pobres santos. Começaste pela carne, colocaste fundamento que ameaça ruína na estrutura espiritual”.
Volta então o homem animal aos seus e pede de volta os seus bens; não querendo deixá-los aos pobres, ele deixou mais depressa o propósito da virtude.
Confesso que sou, muitas vezes, contrário ao comportamento radical de Francisco. Mas, nesse episódio, acredito que ele tenha completa razão, apesar disso me trazer abalo às minhas profundas convicções. Sei que esse comportamento do santo, privilegiava a pobreza como uma identificação ao Cristo. Eu penso que devo me comportar com firmeza na prática do Amor Incondicional para construir o Reino de Deus que o Cristo ensinava. Em ambos os propósitos os interesses da carne devem ficar em segundo plano. O próximo que está ao nosso lado, deve ser considerado com prioridade frente a qualquer outro interesse da parentela. Se o nosso comportamento é mantido por nossa vontade como instrumento da vontade de Deus, se assim somos consagrados a Deus, então não é admissível que qualquer interesse de qualquer parente, por maior afinidade sanguínea que seja, pai ou mãe, principalmente, seja obstáculos para esse desiderato.
Colocados assim no mundo, como instrumentos da vontade de Deus, como pessoas consagradas a Deus, é aos pobres, os pequeninos, os deserdados, os injuriados, os injustiçados, o nosso maior foco. Se desviamos desse foco para dar atenção extra aos parentes e que isso consuma o nosso compromisso com Deus, podemos ser enquadrado como “irmão mosca”, como dizia Francisco daquele que estava mais ligado à carne do que ao espírito. Sei que devemos respeito a pai e mãe, mas maior respeito devemos ao Pai celestial que é Pai de todos nós, filhos e pais, pobres e ricos, velhos e moços... e a todos devemos levar à sua Justiça, como é o seu desiderato em nossas consciências. Não seguir isso é se tornar mosca... seguir isso é se capacitar para ser anjo ao lado do Pai.
A decisão cabe a cada um de nós que já atingiu esse grau de compreensão: ser mosca ou ser anjo!