Tenho irmãs biológicas e disso ninguém tem dúvidas. Tenho irmãs espirituais e disso não tenho dúvidas. As irmãs espirituais são filhas do mesmo Pai, o Criador do Universo e de nós também. São irmãs que colocadas de forma genérica estão espalhadas por todo o planeta. Não preciso focar minha atenção nelas, o Pai as aproxima de mim para que eu desenvolva o Amor Incondicional, mesmo que exista a formação do amor romântico entre nós, que pode implicar no prazer dos sentidos corporais para nós, ambos. Agora, tenho também irmãs conscienciais que ficam numa posição intermediária entre as biológicas e as espirituais. Que tipos de irmãs são essas? Tenho que explicar melhor.
No campo material temos as irmãs biológicas e as irmãs adotivas, quando nossos pais resolvem adotar outros filhos. As irmãs conscienciais eu as classifico numa situação intermediária entre as irmãs adotivas e irmãs espirituais. São aquelas pessoas que dividiram comigo uma parte de suas vidas como as irmãs adotivas, mas que as considero especiais de acordo com as suas características, dentro de todas as demais mulheres criadas pelo Pai. Com elas não existe a possibilidade do desenvolvimento do amor romântico no primeiro momento, como acontece com as irmãs espirituais. São aquelas mulheres que a minha consciência acusa como diferenciadas e colocadas em prioridade no afeto e na solidariedade comparadas a todas as demais irmãs espirituais. Aonde quero chegar?
Fui criado por minha avó desde os cinco até os dezoito anos de idade. A minha avó gerenciava uma boate onde era dona e hospedava e recebia mulheres que trabalhavam com seus corpos como prostitutas. Mesmo eu já sendo adolescente e cheio de hormônios e desejos carnais, a minha avó impedia o meu relacionamento sexual com essas mulheres, até mesmo desviava a minha atenção do real propósito do trabalho delas. Dizia que elas entravam nos apartamentos juntos com os homens para que elas lavassem os pés deles, uma vez que depois de saírem sempre elas jogavam uma bacia de água suja fora. Eu não tinha a curiosidade ou malícia de observar a veracidade dessa informação. O fato é que desse trabalho delas surgia o lucro financeiro que minha avó obtinha para custear os meus estudos e a nossa sobrevivência. Mesmo que eu também trabalhasse de diversas formas, vendendo bebidas e cigarros dentro da boate, ou num carrinho de confeitos em frente a cinemas e locais festivos, ou mesmo carregando galões de água nos ombros para abastecer as casas que solicitavam o meu trabalho, já que não tínhamos água encanada, o foco de nosso rendimento financeiro era o trabalho dessas mulheres.
Assim eu tive oportunidade de ser matriculado nas melhores escolas da cidadezinha que eu morava. Fui matriculado em grupos de escoteiros, ajudava o padre na realização da missa, na condução das procissões. Tinha dinheiro para comprar gibis, revistas em quadrinhos e me identificar com os heróis românticos como Zorro, Tarzan, Batman, Durango Kid, entre outros; era um mundo diferente daquele em que eu morava com minha avó, que era cheio de lascívia e violência. Aonde muitas vezes eu chegava e via dois homens em movimentos coreografados jogando facas um contra o outro para resolver uma disputa; ou mesmo outra pessoa que jogado numa calçada ou na areia da rua, esfaqueado ou baleado, arquejava esperando o último suspiro, com uma pequena vela próxima da sua cabeça e da presença de diversos curiosos ao seu redor. Esse ambiente era tão perigoso no contexto da cidade que recebeu o apelido de “Mata-sete”.
Assim, as prostitutas passaram a ser consideradas por minha consciência como minhas irmãs adotivas do passado, pois eu convivia muito tempo com elas. E hoje ao encontrá-las com tanta frequência ao retornar para casa, vem à minha lembrança esse passado. As mulheres que se prostituem nas calçadas por onde passo são minhas irmãs espirituais, mas a consciência diz que são irmãs um pouco mais especiais. Daí eu dizer que são minhas irmãs conscienciais. Do jeito que a maioria das mulheres não tem a percepção de que somos irmãos espirituais, acredito que nenhuma das prostitutas tenha essa percepção de que sou o irmão consciencial delas. Sei que chegará um dia que eu deverei explicar isso para elas, pois a minha consciência cobra do meu sentimento de justiça que eu faça algo de bom para elas como no passado elas fizeram algo de bom para mim. E com certeza elas irão ter curiosidade de saber por que são alvos de tanta bondade se eu não tenho a intenção de obter o prazer carnal que elas comercializam. Como sou um defensor também da verdade, terei de dizer toda essa justificação que acabei de citar acima.
Ontem ao chegar para a reunião espiritual na Casa de Caridade, recebi um panfleto com uma mensagem de Bezerra de Menezes que foi uma verdadeira convocação para mim.
Ele dizia que estamos convocados pelos Espíritos nobres para ser os lábios pelos quais a palavra de Jesus chegue aos corações empedernidos.
Lembro que eu procuro sempre fazer uma leitura evangélica quando estou em reunião com parentes e amigos, prefiro justamente contar as histórias que Jesus dizia quando estava entre nós. Porém cometo faltas graves, às vezes levo o livro para esses encontros com parentes e amigos, ai me envolvo com as brincadeiras e termino por esquecer de ser os lábios pelos quais as palavras de Jesus possam novamente ser ouvidas como dantes.
Estamos sendo convocados para sermos os braços do Mestre, que afaguem, que se alonguem na direção dos mais aflitos, dos combalidos, dos enfraquecidos na luta.
Neste aspecto eu estou ainda muito fraco, a minha preocupação maior ainda reside na academia e nas diversas formas de trabalho que me envolvo. Percebo a grande necessidade de meus irmãos, mergulhados na miséria, nas drogas, na prostituição e eu não consigo alongar meus braços em suas direções, acudir os aflitos, os combalidos, os enfraquecidos na luta... Pelo menos dei algum sinal de minhas intenções, já parei perto das minhas irmãs que vendem seus corpos nas avenidas da praia e procurei ser solidário com o mínimo que podia fazer.
Bezerra diz que estamos colocados na postura do bom samaritano, a fim de podermos ser aquele que socorra o caído na estrada de Jericó da atualidade.
Pois bem, a minha estrada de Jericó é a avenida próxima da minha casa onde tantas garotas decaídas na prostituição vendem seus corpos, cheias de ignorância dos valores da vida, cheias de fome, tanto do alimento para a nutrição do corpo quanto do alimento para a nutrição da alma. Eu passo por essa estrada “cheio” de moedas no bolso e conhecimentos na mente, e ainda passo a distância como um completo estranho. Eu sei que não sou mais estranho para elas, mesmo que elas ainda pensem assim; eu sei que elas são minhas irmãs que estão sentadas à beira do caminho como aquele viajante que estava desfalecido na estrada de Jericó.
Bezerra é contundente em sua convocação: em qualquer circunstância se interrogue – em meu lugar que faria Jesus? E faça conforme o amoroso companheiro dos que não tem companheiros faria!
Então eu faço isso. Fico a imaginar, se fosse Jesus que viesse dirigindo para o seu apartamento e visse aquelas garotas com os seus corpos expostos no frio da noite, em busca de uma migalha do bolso de alguém em troca do prazer que o seu corpo pode proporcionar... que faria Jesus? Passaria indiferente como eu passo? Teria medo de se contaminar de alguma forma só de falar com essas garotas? Não, Jesus não faria assim. Jesus faria exatamente como fez o bom samaritano na parábola que ele contou. Chegava perto e tentava cuidar de suas feridas, do corpo e principalmente da alma. Mesmo que não pudesse fazer isso com todas, mas para aquela que ele fizesse, a essa serviria como uma lâmpada acesa de solidariedade, como um farol de sinalização de que o Reino de Deus está vivo dentro dos nossos corações... Basta saber externá-lo!
O objetivo do perdão é a reconciliação. Embora nem todos os relacionamentos rompidos possam ser consertados, pois parentes, amigos ou terceiros agredidos devem ser protegido de seus abusadores, o perdão deve visar a reconciliação entre transgressor e vítima.
A reconciliação exige o arrependimento do transgressor, que peça o perdão e, se possível restitua as perdas. A vítima deve liberar o transgressor da necessidade de pagar por seu pecado. Ela escolhe arcar com o prejuízo e, ao invés de planejar vingança, se compromete a amar e procurar o melhor para essa pessoa.
Esse é o padrão conceitual do perdão e a forma de sua realização. Esse padrão implica numa transgressão de normas de relacionamentos e as perdas subsequentes, gerando a situação de transgressor e vítima, de perdas e danos.
Quando eu analiso a minha forma de relacionamento afetivo, que tem padrões muito diferentes dos padrões culturais, vejo que posso causar muito sofrimento a quem se aproxima de mim. Posso causar danos emocionais e perdas de tempo daquela que ficou comigo esperando realizar os seus sonhos. Até mesmo ausência de cuidados presenciais em filhos gerados. Sinto a culpa jogada sobre mim das diversas companheiras com as quais me relacionei e continuo a me relacionar. Agora acontece um dado interessante: para todas que me relacionei (com exceção da minha primeira esposa com a qual não pensava assim no início de nosso relacionamento) sempre falei da minha forma de pensar, sentir e me relacionar. Jamais prometi para nenhuma delas um padrão de amor exclusivo, baseado no romantismo, que é o que elas mais desejam. Quem decide aprofundar o relacionamento até o nível da intimidade sexual, sabe que esse aprofundamento não é uma promessa de mudança na minha forma de pensar, pois se assim fosse colocado de forma explícita, o sexo não se realizaria da minha parte. Se a minha companheira tem um desejo constante e uma esperança secreta de que eu venha mudar o comportamento é uma questão somente dela e que não chegou a compartilhar comigo.
A minha base comportamental e que faço questão de deixar bem explícita, é que pratico o Amor Incondicional alicerçado no amor inclusivo. Não deixo ninguém ficar excluída dos meus afetos, por qualquer tipo de preconceito ou moral pré-estabelecida. Entendo que foi Deus que me deu essa missão na consciência e nenhum outro fator material ou espiritual poderá me desviar dela. Então, quando acontece da pessoa se sentir decepcionada por eu estar cumprindo o que sempre disse que faria, eu fico enquadrado numa transgressão? Não seria o contrário? A pessoa sabe como funciono e mesmo assim se aprofunda numa relação comigo, não é ela a transgressora quando reage negativamente por eu fazer justamente aquilo que ela sabia que eu poderia fazer? Nesse caso sou eu quem estaria sofrendo danos emocionais com o sofrimento gerado e perda de tempo, pois poderia estar com outra pessoa mais coerente com os combinados. Nesse caso eu é quem seria a vítima e quem estaria na condição de perdoar.
Mas as coisas se invertem. Sou considerado o vilão da história pela companheira e por todos que não conhecem os fundamentos da nossa relação. Sou eu que numa atitude de humildade chego a pedir perdão para viabilizar uma reconciliação e uma volta a harmonia do relacionamento, mesmo que não haja mais a possibilidade de uma convivência. Mas acredito que o perdão exija essas discrepâncias na tolerância e a humildade nos permita tomar a cruz que deveria ser de outros.
O Baghavad Gita orienta que devemos conter a ira. Mesmo que recebamos alguma provocação, a pessoa deve ser tolerante, porque tão logo fique irada, ela perderá toda a compostura. A ira é um produto do modo da paixão e da luxúria, então o transcendentalista deve refrear-se da ira. É claro que chamar um ladrão de ladrão não é achar defeito, mas chamar uma pessoa honesta de ladrão é muito ofensivo para alguém que está progredindo na vida espiritual. Deve-se ser modesto e não executar nenhum ato abominável. Deve-se ter determinação e não ficar agitado ou frustrado em nenhum empreendimento. Pode ser que alguma tentativa falhe, mas não se deve ficar triste por isso; deve-se progredir com paciência e determinação.
Sei que no contexto das virtudes que desejo implementar na minha vida, e se consigo ser eficaz nesse projeto, a ira não terá condições de se expressar. Mas acontece que em diversas ocasiões, quando me sinto frustrado ou atingido por algo, a ira continua assomando a minha consciência e dominando meu comportamento, me deixa agitado, com pensamentos acelerados que não se expressam adequadamente por meio das palavras. Sei que na maioria dos eventos frustrantes eu consigo conter a ira, mas quando ela ainda assim consegue se expressar no meu modo de agir, deixa como rastro negativo na minha memória uma sensação de impotência e de culpa, por ter agido de forma não desejada. Não é o fato de minhas reações como resposta a uma ação despropositada, incoerente e prejudicial, ser inadequada. Claro, a reação ou tomada de decisão em função de uma ação negativa perpetrada por terceiros não está sendo criticada. É a forma como ela foi tomada, com toda carga negativa que a ira conduz. Eu poderia ter tomado a mesma decisão com serenidade e até com compreensão pela ação dos outros e pela qual que me tornei vítima.
É fácil de verificar a importância disso quando observamos a ira que as pessoas ao nosso redor desenvolvem. Numa atitude de empatia, me coloco no lugar dessa pessoa e vejo com mais clareza a importância de ter agido com assertividade, mas sem ira. Até justifico a falta de controle dessa pessoa e de como agiu dominada pela ira, mas não deixo de colocar o forte atenuante de que eu mesmo no lugar dela talvez agisse de forma parecida. Então isso termina servindo de lição tanto para mim como para ela, pois costumo dividir com a pessoa as considerações que tirei a partir do fato ocorrido.
Na escola da vida onde Jesus é o meu principal Mestre, aprendi também que a ira é um dos sete pecados capitais e que devo aprender a contê-lo como exercício sempre frequente no aprendizado do Amor. Então, lembro-me do conceito de Amor explicado por Paulo na Bíblia e vejo que ainda tenho muita “estrada” a caminhar para ser devidamente habilitado na capacidade de Amar e a ira é um obstáculo considerável.
A Bíblia mostra o julgamento de Jesus como um fato inigualável. Um homem considerado o filho mais puro de Deus, o Criador do Universo, estava ali sendo julgado pelas criaturas imperfeitas que o seu Pai criou. Um homem pecador julgou e sentenciou o filho mais puro de Deus, que estava ali como se fosse um criminoso, embora tenha sido a única pessoa que viveu sem pecar. A Bíblia registra que, “sendo acusado pelo príncipe dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu.” Será que não tinha o direito de se justificar? Teria sido uma coisa muito fácil desmentir as acusações. O que aconteceria com seus acusadores, se Ele tivesse aberto a boca em Seu divino poder e perfeição? Quantas vezes silenciou seus adversários no passado com Suas palavras irrefutáveis e Sua sabedoria divina!
Agora era Ele quem estava calado. Ele era de fato o Único que quando o injuriavam, não injuriava; e quando padecia, não ameaçava, mas entregava-se sim, a Deus, Aquele que julga justamente.
Posso imaginar-me no lugar dEle. Logo muitas das acusações poderiam ser verdadeiras, e não falsas em sua totalidade como foi no caso de Jesus.
As vozes acusatórias poderiam ser dirigidas para mim da seguinte forma: “Você é preguiçoso, deixou o tempo passar e não cuidou de praticar a vontade do Pai como assim Ele o determinou. Você se deixa levar pelos prazeres do corpo, principalmente na alimentação, deixa o seu corpo com sobrepeso, a um passo da obesidade, um campo favorável para a implementação de doenças e de redução do tempo de vida para cuidar da seara do Pai. Você não consegue aplicar a caridade em sua pureza, em dividir com os necessitados o tanto de amor que o Pai lhe dedica, nem mesmo a afabilidade, algo tão simples você não consegue cumprir à contento. Você esquece das coisas mais simples que o Pai te encarrega, como de difundir a Sua palavra, fica envolvido apenas em brincadeiras mundanas sem prestar atenção no compromisso divino. Você não consegue agir com total justiça, solidariedade e transparência nos relacionamentos afetivos, com medo de magoar o próximo você termina por magoar o Pai. Você não consegue expor com clareza o seu pensamento nas palavras faladas e escritas com eficiência e eficaz através de livros específicos, fica sempre a amontoar conhecimentos que urgem ser colocados acima da mesa, para que a luz que lhe atingiu possa agora beneficiar tantos que esperam por isso. E esse rosário de acusações poderia se estender por muito mais linhas...
Sei que se eu ficasse calado como Jesus, não seria por avaliar a falsidade dos que O condenavam e a pobreza de espírito deles. Ficaria calado por aceitar a veracidade de tudo que estava sendo acusado, mesmo que por pecadores talvez do meu próprio quilate. Cuidaria para receber a pena que me coubesse, nesse caso Pilatos não teria necessidade de lavar as mãos.
Com esta reflexão sobre o julgamento que um dia terei de deparar com ele, devo cuidar para corrigir tantas imperfeições das quais sou acusado, devo providenciar com mais firmeza a reforma íntima em cada dia de minha vida.
Sei que um dia esse julgamento irá acontecer, e mesmo em qualquer dia, um dia como hoje... Tenho que estar preparado, aliviado de tantas imperfeições.