Ò filho de Bharata, fique sabendo tu que no modo da escuridão, nascido da ignorância, todas as entidades vivas encarnadas ficam iludidas. Os resultados desse modo são a loucura, a indolência e o sono, que atam a alma condicionada.
SIGNIFICADO – Neste verso, a aplicação específica da palavra tu é muito significativa. Isso quer dizer que o modo da ignorância é uma qualificação muito peculiar da alma encarnada. O modo da ignorância é exatamente o oposto do modo da bondade. No modo da bondade, pelo desenvolvimento de conhecimento, pode-se compreender o porquê das coisas, mas o modo da ignorância é exatamente o oposto. Todo aquele que está sob o encanto do modo da ignorância fica louco, e um louco não pode compreender o porquê das coisas. Ao invés de progredir, ele se degrada. A definição do modo da ignorância é expressa na literatura védica: “Sob o encanto da ignorância, não se pode compreender a verdadeira essência das coisas.” Por exemplo, qualquer um pode ver que seu avô morreu e que, portanto, também morrerá; o homem é mortal. Os filhos que ele concebe também morrerão. Logo, a morte é certa. Mesmo assim, as pessoas acumulam dinheiro de maneira desenfreada e trabalham arduamente noite e dia, sem darem a menor importância ao espírito eterno. Isto é loucura. Em sua loucura, elas relutam muito em progredir na compreensão espiritual. Tais pessoas são muito preguiçosas. Elas não se interessam muito quando são convidadas a buscar associação com quem possa lhes dar compreensão espiritual. Elas nem mesmo são ativas como o homem que está sob o controle do modo da paixão. Assim, outro sintoma de alguém soterrado no modo da ignorância é que ele dorme mais do que é necessário. Seis horas de sono são suficientes, mas um homem no modo da ignorância dorme pelo menos dez ou doze horas por dia. Um homem assim parece estar sempre abatido e é viciado em drogas e em dormir. Estes são os sintomas de uma pessoa condicionada ao modo da ignorância. (Baghavad Gita, Cap. 14, Verso 8)
A minha razão mostra que é coerente esse ensinamento de que fomos criados e nascemos ignorantes, e que devo desenvolver ao longo da vida a busca pelo conhecimento. Uma das lições que vou adquirir na busca do conhecimento, é que a minha vida material é passageira, meu corpo tem uma finitude no tempo, mas a minha alma é imortal e sobrevive com todos os sentimentos, emoções e conhecimentos que conseguiu adquirir nas diversas experiências. Na busca do conhecimento, devo ter cuidado com uma armadilha bastante comum, uma determinada fonte de ensino se arvorar de dona de todo o conhecimento e não aceitar nenhuma outra fonte de informação quer seja religiosa, acadêmica, política, ou qualquer outra. Passo a aceitar dogmas criados por essa forma autoritária de pensamento e dessa forma a minha capacidade de aprender se torna capenga.
Assim, para fugir do modo da ignorância pela qual fui criado, devo ir à procura de conhecimentos para atingir o nível do modo da bondade, sabendo evitar a condição do modo da paixão na sua condição de me deixar fortemente condicionado ao mundo material e aos seus prazeres. Tudo isso com o conhecimento da existência do mundo espiritual que é a nossa pátria real e definitiva, cujas leis eu tenho que observar com mais critério e prioridade do que as leis que formulamos no mundo material, cheias de vícios e arbitrariedades.
O modo da paixão caracteriza-se pela atração entre homem e mulher. A mulher sente atração pelo homem, e o homem sente atração pela mulher. Isso se chama modo da paixão. E quanto maior o modo da paixão, maior o anseio pelo prazer material. Deseja-se, então, obter gozo dos sentidos. Na busca pelo prazer dos sentidos, um homem no modo da paixão deseja alguma honraria pessoal ou nacional, e quer ter uma família feliz, com belos filhos, esposa e casa. Estes são os produtos do modo da paixão. Enquanto desejarmos essas conquistas, teremos de trabalhar mui arduamente. Portanto, aqui se afirma com bastante clareza que o ser vivo se envolve com os frutos de suas atividades e assim se prende a essas atividades. A fim de agradar a sua esposa, filhos e a sociedade e para manter seu prestígio, ele tem que trabalhar. Por isso, todo o mundo material está mais ou menos no modo da paixão. O avanço da civilização moderna é medido de acordo com seu envolvimento com o modo da paixão. Outrora, tomava-se como referência o modo da bondade. Se nem mesmo aqueles que estão no modo da bondade conseguem liberar-se, que dizer daqueles que estão enredados no modo da paixão? (Baghavad Gita, cap. 14, verso 7)
Reconheço que essa lição do Bhagavad Gita é muito aplicada à realidade. Podemos observar isso constantemente ao nosso redor. Eu mesmo posso me colocar como exemplo da aplicação do modo da paixão. Tenho facilidade de me apaixonar pelas mulheres. Mesmo depois de casar com uma e tentar viver com harmonia, justiça e fraternidade. Acontece que os meus impulsos biológicos estão sempre atuando no sentido de me envolver com outras mulheres e obter o prazer, o gozo dos sentidos. Este é o motor básico. Acontece que comigo funciona a lei do amor em prioridade e que considera amar ao próximo como a mim mesmo. Então, se desenvolvo a paixão por uma mulher em busca desse prazer individual, logo eu faço a pergunta: qual o benefício que eu levo a essa mulher agindo no modo da paixão? Eu sei que o prazer, o bem estar que eu posso sentir com essa relação, ela pode sentir da mesma forma e isso é útil para nós, desde que não existam impedimentos morais e éticos. E o único impedimento que devo respeitar é a lei do amor, que leva em consideração esses principais itens: justiça, verdade, harmonia. Eu tenho demonstrado vigor e eficiência no seguimento da lei do amor, Amor Incondicional, no confronto com o desejo da paixão, o amor romântico.
Também quando faço a aplicação da Lei do Amor, não faço isso como se tivesse pegando uma ferramenta e a utilizando como faço com uma pá, uma caneta, etc. Sei que a Lei do Amor tem por trás uma inteligência infinita e que aplica essa lei na criação da natureza, do cosmo, do universo. Uma inteligência que posso identificar como Deus. Então, a ferramenta do amor incondicional se confunde com o próprio Deus, que permeia todo o universo, inclusive a mim mesmo e ao meu próximo, que também é a minha imagem e a semelhança do Pai, na forma de sentir e expressar esse Amor Incondicional. Isso me livra do risco da dependência sexual ou afetiva, de correr atrás dessa paixão, desse gozo de forma obsessiva, sem considerar os interesses e bem estar do outro, apenas com a viseira de que nele eu encontro o objeto do meu prazer.
Assim, para mim, o modo da Paixão deixa de trazer os problemas que o Bhagavad Gita aponta. Pelo contrário, ele passa a ser agora mais uma ferramenta subsidiária para que eu possa ativar com mais energia o amor incondicional que permanece dentro de mim. Aproveito toda essa energia de paixão por uma mulher e a coloco como motor para funcionar com mais vigor o Amor Incondicional dentro de mim. Dessa forma, tanto a mulher que é alvo da minha paixão, como todas as outras mulheres da minha convivência, inclusive meu próximo e a própria comunidade, receberão os benefícios dessa sublimação de amor romântico, de paixão, em Amor Incondicional. Considero, portanto, que eu tenha escapado do enredamento do modo da paixão. O meu envolvimento com o trabalho material, não tem agora o sentido de justificar e manter esse modo da paixão, tem o sentido de obter a recompensa material pelo meu trabalho material, para que assim eu me torne mais competente na aplicação do Amor Incondicional ao lado dos meus irmãos que apresentam tantas carências materiais e espirituais, e assim cumpra a vontade de Deus implantada em minha consciência: PRATICAR O AMOR INCONDICIONAL!
O Bhagavad Gita ensina que as entidades vivas condicionadas à natureza material são de várias categorias. Alguém pode ser feliz, outrem, muito ativo, mas há outro que se sente desamparado. Todos estes tipos de manifestações psicológicas são a causa da posição condicionada das entidades na natureza. Como as entidades vivas se condicionam de forma diferente? Primeiro existe o modo da bondade. Quem desenvolve esse modo acaba se tornando mais sábio do que aqueles condicionados a outras circunstâncias. Um homem no modo da bondade não é tão afetado pelas misérias materiais, e ele sente o avanço em conhecimento material. Esta sensação de felicidade deve-se à compreensão de que, no modo da bondade, a pessoa está mais ou menos livre de reações pecaminosas. Significa maior conhecimento e maior sensação de felicidade.
O problema é que, quando se situa no modo da bondade, o ser vivo fica induzido a sentir que é avançado em conhecimento e que é melhor do que os outros. Dessa maneira, ele se condiciona. Os melhores exemplos são o cientista e o filósofo. Cada qual tem muito orgulho do seu conhecimento, e porque em geral melhoram suas condições de vida, eles sentem uma espécie de felicidade material. Na vida condicionada, esta sensação de felicidade superior deixa-os atados ao modo da bondade da natureza material. Nesse caso, eles ficam atraídos a trabalhar no modo da bondade, e, enquanto sentem atração por essa espécie de trabalho, eles devem aceitar algum dos corpos oferecidos pelos modos da natureza. Assim, não há possibilidade de liberação, ou de sua transferência para o mundo espiritual. Repetidas vezes a pessoa pode tornar-se um filósofo, um cientista, ou um poeta, e repetidas vezes envolver-se com as mesmas condições desfavoráveis apresentadas sob a forma de nascimentos e mortes. Porém, devido à ilusão que a energia material lhe impõe, o homem pensa que esta espécie de vida é agradável.
Esta condição eu posso observar com muita frequência, principalmente no meu meio profissional, na academia, na convivência com muitos médicos, cientistas. Não vejo preocupação nenhuma na vida espiritual, na importância que deveria ser dada aos critérios evolutivos do mundo maior. Para alguns deles nem esse mundo existe, pois eles não o podem confirmar de imediato com os seus sentidos perceptivos, e a sua razão não entra na consideração do autor da criação e de onde essas energias criativas provêm. Mesmo porque é difícil, a pessoa adquire ao longo da vida uma série de conhecimentos materiais necessários a sua função de filósofo ou cientista, e de repente ser instado a considerar outra dimensão para a qual não teve preparo.
Mas nunca é tarde para tomar outros rumos à direção do pensamento. Mesmo que o modo da bondade nos traga uma sensação de felicidade, isso nunca é suficiente, pois não aprendemos e praticamos sobre as necessidades do mundo espiritual, e por esse motivo ficamos indo e vindo para essa escola material até que aprendamos a lição mais pertinente: o conhecimento do mundo espiritual e das suas leis as quais não posso deixar de cumprir.
Sempre estamos aprendendo um pouquinho mais, aqui e ali. Aceitei o Amor Incondicional como paradigma de minha vida, tenho uma compreensão do seu conceito que me satisfaz. Porém, ao assistir a história dramatizada do profeta Oseias, cuja esposa ordenada por Deus era uma prostituta, ouvi uma pequena frase sobre o amor de Deus por nós que me fez aprofundar ainda mais no conceito do Amor Incondicional.
Oseias perguntava a Deus como Ele podia amar tanto o Seu povo se esse o traia ao adorar outros deuses, comparando com a dor que ele sentia de se saber traído por sua esposa. Então veio um raio de compreensão na mente de Oseias, que seria o entendimento do porque Deus ama tanto dessa forma: “Porque não depende de nós!”
Deus nos ama independente do que façamos. Este é o Amor Incondicional.
Oseias resgatou sua mulher, prostituta declarada, depois que caíra na desgraça, não fez os desejos do seu amante. Foi levada a leilão e ninguém dava o mínimo que o leiloeiro exigia, com os argumentos de que ela ainda podia trabalhar nos campos, que ainda poderia gerar filhos. Oseias cobriu todos os lances humilhantes que foram dados e ainda pagou 15 vezes mais o que o leiloeiro pedia, não quis pechinchar, ele sabia no seu coração o valor que ela tinha, e mostrou sem vergonha a todos que estavam na praça, que ela era sua companheira, mesmo que tivesse caído em desgraça, mas seu amor por ela permanecia.
Chegou perto dela, que ferida e envergonhada se encolhera nos seus trajes andrajosos. Pegou-a nos braços e a conduziu aconchegada no peito para sua casa. Não deu ouvido a ironias, a críticas, a zombarias... O que ele fazia era a vontade de Deus e Deus encontrou o homem que podia expressar o seu Amor Incondicional, independente das críticas que pudesse sofrer.
Quando essa história é citada num grupo, sempre ouço de todos a opinião de que não fariam o que Oseias fez, não dariam guarida, amor e respeito a uma mulher tão falsa e frívola. Consideram Oseias um bobo, um chifrudo, cornudo. Não percebem a dimensão do Amor que Deus colocou à prova através de Oseias.
Sinto-me solidário a Oseias. Eu acredito que faria o que ele fez, tendo ouvido a vontade de Deus na consciência como aconteceu com ele. Agora fico a meditar: será que essa história não está se repetindo com pinturas de modernidade? Do mesmo modo que Oseias fora convocado para dar demonstração ao Amor Incondicional no seu comportamento com Gumar, sua mulher escolhida por Deus, eu também estou sendo convocado para dar demonstração de Amor Incondicional a tantas mulheres também escolhidas por Ele que se envolvem comigo com a Sua permissão e que Ele promove a sintonia espiritual e afetiva? De também rejeitar o sentimento machista ou exclusivista, em função do Amor Incondicional? Daquela vez para corrigir o sentido de adoração do povo, e desta vez para implementar a construção do Reino de Deus?
Nós os seguidores de Jesus podemos dizer que estamos seguros em relação a verdade do Evangelho e particularmente a sua prática? Como distinguir o verdadeiro do falso? Robert Law fez um comentário sobre I João, em 1885, intitulado Tests of Life (Testes da vida), em que estabeleceu três testes fundamentais, ou três critérios, para discernir entre verdadeiros e falsos cristãos.
Assim, é incoerente declarar amor a Deus enquanto se odeia o irmão. A aplicação desses três testes serve para desmascarar a falsa identidade de ditos cristãos, enquanto reforça a firmeza correta dos cristãos genuínos. Nós, cristãos, somos marcados pela fé verdadeira, pela obediência piedosa e pelo amor fraternal. Os que nascem de Deus (o nascer de novo citado por Jesus) creem, obedecem e amam.
Eu considero que passo nos três testes. Pode existir alguma dúvida com relação ao segundo, pois podem contra argumentar que eu não obedeço a Lei de Deus onde se inclui o decálogo de Moisés e que defende a monogamia, a fidelidade entre esposos. Mas acontece que eu resolvi seguir o principal artigo da Lei como Jesus ensinou, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. No desdobramento do seguimento desse artigo preferencial, eu termino por ultrapassar os limites impostos pela monogamia, pela fidelidade conjugal para aplicar o amor incondicional. Na minha forma de pensar, eu cumpro integralmente também o segundo teste, mesmo sabendo que persistem críticas e que eu não vejo argumentos lógicos para me demover da atual posição. Mas sei que se eu tiver errado, Deus se encarregará de colocar à minha frente os argumentos que poderão reformular os meus pensamentos e paradigmas de vida.