O Pai tem infinita capacidade de misericórdia e de perdão para os seus filhos ignorantes, medrosos, incompetentes. Ele espera com paciência que essas almas tão pecadoras, mas que demonstre boas intenções, que tenham capacidade de ser erguer do lodo da indiferença para o jardim da ajuda aos mais necessitados. Assim, ele mandou o Anjo da caridade mais uma vez ao meu encontro. Na primeira vez eu até fiz um esforço para lembrar do meu compromisso e cumpri-lo, mas eu logo percebi que o automatismo tomou conta do meu comportamento mais uma vez. Assumi a máscara da indiferença e com um gesto seco com os dedos comuniquei que não queria que fosse lavado o vidro do carro, recurso que é empregado para justificar o ganho de uma moeda, por menor que fosse o valor. Saí do cruzamento e mais uma vez a consciência me bombardeou com críticas. Fiquei até envergonhado de falar com o Pai. Como é que falho em tarefa aparentemente tão fácil!
No outro cruzamento eu tive outra chance. Vi a distância o rapaz com rodo na mão se aproximando e fixei o propósito de minha ação em ir até a caixinha do carro e pegar uma ou duas das moedas ali e entregar para o rapaz. Consegui fazer isso, mas reconheço que foi uma ação mecânica, como se fosse feito um esforço para quebrar meus automatismos internos. Não tinha muito a ver com caridade, mas de qualquer forma eu agi no sentido da ação caridosa que eu quero realizar. Acredito que apesar de tudo o Pai tenha ficado satisfeito, é como se eu tivesse aprendendo a andar e tivesse conseguido dar o primeiro passo, cambaleante, bizarro, deselegante, mas foi o primeiro passo. Espero continuar evoluindo também nesse aspecto!
Encontrei o Anjo da Caridade na forma de uma criança de rua que se aproximou do um carro com uma latinha na mão a espera de uma pratinha. Isso sempre acontece e eu evito dar qualquer coisa, pois sei da existência de pessoas inescrupulosas que abusam dessas crianças que ficam expostas nos perigos da noite, ou mesmo as próprias crianças que ficam juntando as pratinhas para comprar pedras de crack ou cola de sapateiro. Faço isso de forma quase automática, não consigo nem ao menos fitar nos olhos dessas crianças. Mas agora foi diferente. Acabo de vir de uma reunião evangélica, onde eu disse com palavras que foram intuídas em minha mente, que estamos em um planeta que serve de escola e de hospital para nossas almas. Temos que usar o pequeno tempo que iremos passar aqui para aprender lições importantes relacionadas ao Amor Incondicional e de nos curar das mazelas espirituais, dos vícios e pecados que residem no nosso íntimo; que nos reunimos com intuito de tratar de pessoas atormentadas que nos procuram, mas devemos ter a consciência de que também somos doentes da alma e que devemos ser solidários com os necessitados e aprender também com eles, com as dores das suas almas, como aliviar as nossas. Um dos recursos mais eficientes para isso é a prática da caridade. Então saí da reunião com o firme propósito de ser mais caridoso no meu ambiente. Pois fracassei logo no primeiro teste. Depois que acelerei o carro e vi pelo retrovisor o rosto triste da criança, caiu a ficha em minha consciência. Reconheci que logo que os céus receberam a notícia das minhas convicções na prática da caridade, enviaram o anjo para fazer o teste. Falhei fragorosamente. Deixei que o automatismo de minhas ações prevalecessem e mais uma vez eu partisse com as minhas convicções do passado, de não alimentar a ganância e perversidade dos adultos ou a dependência dos menores. Esqueci que o compromisso de ser caridoso estava acima disso, se os comportamentos negativos existissem eram por nossas próprias culpas, incompetências, de não saber ou não querer criar mecanismos de proteção para as crianças e evitar que elas se exponham na rua dessa forma. Então, se elas chegam até mim nessas circunstâncias, assume o papel do anjo da caridade e devo fazer aquilo que o Pai deseja, que eu cuide de cada um dos seus mais frágeis filhos. Se no momento o que está ao meu alcance é dar uma pratinha, um sorriso ou uma palavra de carinho, não devo me esconder na máscara da indiferença e partir.
Assim pensando senti os olhos marearem a ponto de pingarem e embaçar a minha visão da estrada. Fiz uma prece ao Pai pedindo perdão pela falha e que me desse outra chance de provar que posso ser caridoso, que posso vencer o medo de ser usado como um bobo, um cúmplice de adultos malvados ou de facilitador para o uso de drogas. Devo considerar como verdade a fome de quem pede um pedaço de pão!
Temos a tendência de esquecer de Deus quando nos envolvemos em nossa labuta diária e nossa mente fica quase que completamente envolvida com os aspectos materiais da sobrevivência. Assim, é importante que possamos eleger algo que nos lembre sempre do Criador e caso já tenhamos definido, também de nossa missão. No meu caso, que faço esse esforço diário para não esquecer do Criador, também procuro lembrar sempre da minha missão. No caso da missão já é um pouco complicado de lembrar e seguir a frente como faço com relação a Deus. A missão envolve a participação de outras pessoas que podem não compreender o que é proposto ou mesmo que entenda, que decida caminhar junto no projeto, mas que não encontre forças para adequar o comportamento ao que é requerido, o amor incondicional, o amor inclusivo ou não exclusivo, a tolerância, a fraternidade, ou a ausência do ciúme, da prepotência, do orgulho, da vaidade... É este o terreno que fundamenta o caminho da minha missão. Como tive muito tempo para me preparar e tirar as ervas daninhas do caminho, tenho agora facilidade na caminhada. Mas minhas parceiras voluntárias na empreitada se pereem com esses sentimentos negativos e isso faz eu recuar ou mesmo paralisar o ritmo da caminhada para tentar voltar a harmonizar o conjunto. Sempre existe a tendência ao isolamento, a relação se dar num sentido de exclusão com outras pessoas. Isso vai de encontro ao que estar proposto na essência da missão, de criar uma família ampliada com base no amor inclusivo entre todos os envolvidos. Temos que achar uma forma de colocar lembretes ao alcance de nossa atenção para que não esqueçamos dos propósitos da missão que assumimos para o sentido de nossas vidas. Sem esquecer, claro, jamais, da presença e participação efetiva de Deus em todos as etapas da jornada.
Fiquei com uma sensação estranha depois que sai do consultório do dentista. Sei que estou tratando dos dentes, corrigindo as distorções, evitando doenças e favorecendo uma melhor nutrição com uma melhor mastigação. Também é levado em consideração o lado estético. É nesse ponto que sinto essa inquietação. Parece que estou enganando alguém fazendo isso. É como a história de Dorian Gray. Esse personagem fez um pacto com o próprio diabo para nunca envelhecer, então todo o processo de envelhecimento, inclusive as maldades que ele praticava, era passado para o retrato. Por esse motivo o retrato era guardado de forma sigilosa. Enquanto Dorian permanecia sempre jovem, seu retrato que vivia escondido se tornava um velho rabugento de traços fisionômicos marcados pela maldade. Quando são corrigidas as distorções, que próteses são colocadas, que a estética é restaurada, é como se eu fizesse como Dorian Gray e escondesse o rastro feio dos meus pecados na cobertura de porcelana dos dentes.
Este é o terceiro dia de jejum, o dia está acabando e considero que venci a meta que havia proposta. Considero que não foi nem tão difícil assim. Três dias sem alimentação regular e estou aqui sem nenhuma alteração perceptível em minha fisiologia. Não sinto fome. Porem quando coloco a minha imaginação na lembrança ou possibilidade de comer algum tipo de comida, então sinto o apetite surgir. Tenho que voltar a atenção para o propósito do jejum e logo o apetite também desaparece.
Recebi uma advertência de uma amiga que leu este blog, que o jejum devia se estender para todo tipo de pecado, não só evitar o alimento, mas sim todo tipo de carne, que devemos nos abster do pecado também. Acredito que ela tenha querido me advertir quanto o pecado do sexo irresponsável, libidinoso, libertino. Respondi que considero que esses aspectos também estão incluídos no jejum que faço, pois mesmo sem estar fazendo o jejum de alimentos, eu já procuro fazer abstinência de todos esses aspectos. Sei que nosso corpo tem suas necessidades e procuro cumpri-las da melhor forma possível, isto é, dentro dos limites da normalidade. Pecado é todo excesso que praticamos, todos atos que levam prejuízo a mim ou a terceiros. E quanto a isso procuro os evitar dentro ou não de regimes, jejuns.