Percebo que uma certa afinidade moral e harmonia espiritual são essenciais à amizade entre duas pessoas. Uma personalidade amorosa dificilmente pode revelar-se a uma pessoa incapaz de amar. Como Deus é a essência do Amor e com Ele pode ser confundido, para aprimorar o meu conhecimento dEle, todos os dons da minha personalidade deve consagrar-se inteiramente a tal esforço. Uma devoção parcial, com a metade do coração, não aprimorará a minha capacidade de amar.
Como já tenho essa percepção bem desenvolvida no meu psiquismo, ao descrever essas minhas experiências e sentimentos espirituais, não é para convencer os descrentes, mas para a edificação e satisfação mútua dos que já acreditam.
Entendo Jesus como o Mestre que o Pai nos enviou para falar sobre Ele, nos ensinar sobre o Amor no qual Ele é a essência. Jesus é o exemplo superior que possuímos dessa capacidade de amar. Nos ensinou que a natureza do Pai pode ser estudada pela revelação das ideias superiores, que o caráter divino é uma representação dos ideais superiores. A própria vida encarnada de Jesus serve como a própria base de revelação de Deus para os homens. Assim, ele nos ensinou que podemos expressar a nossa capacidade de amar por ações caridosas, por símbolos verbais em qualquer tipo de idioma a respeito da natureza divina
Jesus ensinou que o Pai celestial, cuja fagulha de luz reside em nós, Seus filhos, não é uma personalidade agressiva e vingativa como aparece no Velho Testamento, com o codinome de Deus dos Exércitos. Ele também não requer um mediador, padre, pastor ou qualquer tipo de mentor, para assegurar o seu favorecimento ou o perdão de Pai.
Este Deus que Jesus ensinou e no qual acredito, não é irado, vingativo ou enraivecido. Porém, por respeito à Justiça, o Seu amor pela retidão não pode evitar que com a mesma intensidade, seja manifestado como ódio ao pecado. Pode parecer uma incoerência, este Deus que acredito ser capaz de amar e odiar, sentimentos contraditórios. É necessário que eu me explique. Deus ama a toda a sua criação, porém deixou um espaço nos seres inteligentes, como nós, humanos, onde Ele decidiu não penetrar. Este espaço cognitivo é o Livre Arbítrio, associado à consciência e instrumentalizado pela vontade. É neste espaço que podemos ser co-criadores com o Pai, que podemos escolher os caminhos por onde seguir, dentre as diversas opções que tenho ao meu alcance. Se por ignorância ou má vontade, escolho seguir caminhos errados, se construo contra as leis da Natureza, do Amor Incondicional, esses erros serão chamados de pecados e não podem ser amados como é amado o que é correto, o que obedece a Lei do Amor. Então, é correto que o Criador tenha um sentimento de ódio por essa ação negativa, nefasta, produzida por sua criatura. Mas isso não quer dizer que Ele passe a odiar a Sua criatura. Ele faz isso com perfeição, ama incondicionalmente a sua criatura, mas odeia o pecado. Ama o pecador, mas odeia o pecado.
Acontece algo parecido na minha capacidade de amar, na atuação enquanto médico. Trabalho com dependência química e tenho que fazer essa mesma distinção: amar ao alcoólico e odiar ao alcoolismo. O alcoólico por repetidos erros na sua forma de usar as bebidas alcoólicas, termina por se tornar um dependente, um alcoólico. Caso ele não use a bebida alcoólica, a doença do alcoolismo não se manifesta. Então, tenho que usar toda a minha capacidade de amar para conversar com esse alcoólico enquanto sóbrio, para fazer com que sua consciência aceite os argumentos da verdade e evite o primeiro gole, conforme orienta os grupos de Alcoólicos Anônimos. Mas se a pessoa sofre recaída e se apresenta alcoolizada, sob o domínio da doença, então tenho que agir com o máximo rigor contra esse resultado (erro, pecado) que foi criado. Não é que eu esteja atuando com ódio contra o alcoólico, quando oriento aos familiares a não dar nenhum apoio ao seu parente quando este estiver embriagado, que ele sofra as consequências dos seus atos, quer seja na higiene, no trabalho, na justiça. Somente dessa forma, as consequências dos seus atos podem despertá-lo para o erro que está cometendo, uma vez que a minha orientação não seja suficiente.
Dentro dessa conjuntura da capacidade de amar, posso dizer que: Deus ama o pecador e odeia o pecado; eu, amo o alcoólico, mas odeio o alcoolismo. O pecado/alcoolismo não é uma pessoa. O amor salva a pessoa; a lei destrói o pecado.
Mas, se o pecador se identifica completamente com o pecado, tornar-se-ia inteiramente não espiritual na sua natureza humana e caminharia para a sua extinção, incapaz de ser alcançado por minha capacidade de amar enquanto terapeuta.
Nos estudos que estou fazendo sobre a vida de Maria Madalena, da importância dela entre os apóstolos do Cristo, encontrei o filme “Jesus Cristo Superstar”. É um musical rock e entre as canções uma delas é atribuída a Maria Madalena dirigida a Jesus.
Encontrei uma versão dessa canção interpretada por Sarah Brightman que reproduzirei abaixo:
I Don’t Know How to Love Him Eu Não Sei Como Amá-lo
I don’t know how to love him Eu não sei como amá-lo
What to do, how to move him O que fazer, como comovê-lo
I’ve been changed, yes, really changed Eu mudei, sim, realmente mudei
In these past few days Nesses últimos dias
when I’ve seen myself Quando tenho sido eu mesma
I seem like someone else Eu parecia outra pessoa
I don’t know how to take this Eu não sei como lidar com isso
I don’t see why he moves me Eu não vejo o porquê dele me comover
He’s a men, he’s just a man Ele é um homem, apenas um homem
And I’ve had so many men before E já tive tantos homens antes
In very many ways De várias maneiras
He’s just one more Ele é só mais um
Should I bring him down? Devo deixá-lo triste?
Should I scream and shout? Devo gritar?
Should I speak of love – Devo falar de amor?
Let my feelings out? Deixar os meus sentimentos livres?
I never thought I’d come to this - Eu nunca pensei que ficaria assim
What’s it all about? O que é tudo isso?
Don’t you think it’s rather funny Você não acha engraçado
I should be in the position? Eu estar nesta posição?
I’m the one who’s always been Logo eu, que sempre estive
So calm, so cool, no lover’s fool Tão calma, tão bem, sem um romance tolo
Running every show Correndo para cada festa
He scares me so Ele me surpreende tanto
I never thought I’d come to this – Eu nunca pensei que ficaria assim
What’s it all about? O que é tudo isso?
Yet, if he said he loved me Mas, se ele dissesse que me ama
I’d be lost, I’d be frightened Eu ficaria perdida, ficaria assustada
I couldn’t cope, just couldn’t cope Não aguentaria, só não aguentaria
I’d turn my head, I’d back away Viraria minha cabeça, iria embora
I wouldn’t want to know – Não gostaria de saber
He scares me so Ele me assusta tanto
I want him so Eu o quero tanto
I love him so Eu o amo tanto
Vejo nessa letra a impossibilidade de um amor romântico a alguém que tem uma missão espiritual. Por mais que Jesus ensine sobre o amor, quem dele se aproxima com intenções românticas sempre será vítima de frustrações. É isso que Maria Madalena deixa passar com os seus sentimentos, de medo e de amor, na letra da música. Confessa que ficaria perdida, assustada, se Ele dissesse que a ama, pois sabe que a missão dEle está acima desses sentimentos românticos que tem compromisso prioritário com os desejos da carne. Se Jesus se declarasse a ela nesse termos do amor romântico, justificaria a letra da canção de Raul Seixas, quando diz que “Quando jurou seu amor, traiu a si mesmo”. Se Jesus se declarasse romanticamente a Maria Madalena, estaria traindo ao compromisso que havia feito ao Pai, estaria traindo a si mesmo.
Realmente, enquanto Maria Madalena, ou qualquer mulher no mundo, não souber amar incondicionalmente, não saberá amar a quem tem na sua narrativa de vida o cumprimento dessa tarefa como missão dada pelo Pai.
Cada pessoa, consciente ou não, constrói a sua própria narrativa de vida, de entendimento da vida, e por ele segue os caminhos que lhes são ofertados pelo Pai. A mente que recebe a herança genética dos pais e as experiências de vivências passadas, vai se adaptando às exigências do mundo dentro das diversas contingências, constrói e reconstrói seus paradigmas a cada momento, de acordo com as suas convicções e o acesso à Verdade que consegue alcançar.
O fluxo desses pensamentos assim direcionados, podemos chamar de nossa narrativa, que irá ser característica de cada pessoa, mesmo que nenhuma delas tenha a mesma identidade, mesmo que seja por demais parecidas ou que elas sigam juntas pelo mesmo caminho evolutivo.
A minha narrativa de vida, após tantas correções, encontra-se hoje dentro da perspectiva mais lógica e racional que consegui encontrar e entender: cumprir a vontade de Deus fazendo a aplicação prática do Amor Incondicional em todos os meus relacionamentos.
Quando explico essa narrativa, usando a transparência da Verdade como um dos atributos desse Amor Incondicional, percebo dois tipos de reações, contraditórias, das pessoas que me ouvem ou que se envolvem comigo. Primeiro, uma reação de aproximação natural devido a sensação de bem estar que o meu comportamento amoroso permite, e, segundo, uma reação de distanciamento quando percebem que este amor não pode ser exclusivo de ninguém.
Compreendo que a minha narrativa de vida dá o arcabouço da minha personalidade, progressiva, supra-humana, que funciona em união da mente animal com o espírito imortal. Cada vez mais compreendo que para a melhor contemplação do Pai, devo manter esse conceito de minha personalidade cada vez mais desprovido da ideia de corporalidade. Sou como um peixinho dentro do aquário de Deus; nEle eu vivo, me movo e tenho o meu ser.
Possuo também uma fagulha da Sua luz divina no meu psiquismo, mesmo que esteja coberto pelos milhares de anos da minha evolução ao longo da vivência pelos reinos da Natureza até chegar na condição humana. Faz parte da minha tarefa evolutiva, lutar para livrar dessa capa atávica o meu psiquismo, para que a luz divina possa brilhar em toda sua extensão. Assim, essa luz divina irá também ajustar o meu pensamento. Mesmo sabendo que eu não posso ver Deus face a face, como posso ver qualquer pessoa que eu procure, se eu me submeto ao guiamento de Sua luz divina, fazendo a Sua vontade, serei assim guiado por Ele passo a passo e vida após vida em Sua direção.
Mesmo que eu cometa alguns erros por falha na minha interpretação dos diversos caminhos, bons e ruins, que Ele permite que esteja à minha disposição, e que Ele espera que eu siga o mais coerente com Sua vontade, logo terei outra alternativa, outra correção de rota, da mesma forma como funciona um GPS quando estamos dirigindo em direção a um objetivo material determinado. Assim funciona também quando tenho um objetivo espiritual sintonizado com a vontade do Pai.
Irei assim, de universo em universo, de idade em idade, até que esteja na proximidade mais intima do Pai e com Ele possa me identificar tanto quanto Jesus mostrou que é possível, assumindo a condição de puro Filho de Deus, isto é, aquele que se identifica com a máxima perfeição ao Pai.
Esta é a minha narrativa de vida e tenho total satisfação com ela. Não quero dizer que ela seja a perfeição, a verdade insofismável. Sei da minha imperfeição e que posso estar errado agora, como estive no passado e poderei estar no futuro. Mas dentro desta minha narrativa, o erro está sendo considerado e quando ele acontecer a Verdade será de imediato aceita, logo que seja alcançada. Assim, continuarei seguindo, fazendo a vontade do Pai, por um caminho que Ele aponta como reto, mas que se constitui cheio de curvas devido ao desvios provocados, involuntariamente, por minha ignorância.
A Sabedoria Ancestral nos convoca a resgatarmos os antigos princípios da Naturalidade em Harmonia. São 20 princípios ancestrais dos povos nativos dos Estados Unidos que educam nesse sentido:
Que possamos absorver essa sabedoria antiga e expressá-la com nossa presença em todas as nossas relações. Lembremos que, presentear é estar presente, e onde estivermos presentes, estes princípios devem ordenar nossas ações, afinal, todos eles são coerentes com o amor Incondicional.
No reinício dos estudos da Escola do Evangelho, realizado nos sábados em Ceará-Mirim, surgiram algumas dúvidas sobre a vida de Jesus e de alguns dos seus discípulos, principalmente Maria Madalena. Fiquei em dúvida sobre a entrada dela no círculo dos discípulos, devido a resistência que existe nessa participação dela no círculo mais íntimo dos discípulos, da pecha de prostituta e de edemoniada. Procurei ver uma fonte alternativa e encontrei um filme e um livro que fala sobre ela. O filme passa uma versão que é compatível com a aura que ela demonstra até os dias atuais na sua ligação tão próxima com o Cristo.
No filme, Maria era casada com um judeu. Este recebeu como dote a rica Magdala, a região próspera que mantinha diversos imóveis e servos. Como esse judeu, sem saber que era estéril, vivia pressionando Maria por um filho, chegou ao cúmulo de se divorciar e deixar Maria na miséria e desonrada. Como forma de vingança, Maria se envolve com um capitão do exército romano e deixa o seu antigo lar, com a promessa de ir com esse “namorado” para Roma. Mas logo descobre que está grávida, fica surpresa e mais ainda o militar romano, que acredita que ela tenha lhe enganado se passando por estéril. Age com brutalidade com ela e a deixa exposta aos seus soldados que a estupram sem piedade. Fica vagando pelas ruas, desorientada e enfraquecida, até que aborta e desfalece nas ruas e é acudida por prostitutas.
Maria consegue se recuperar fisicamente, tem contato com João Batista que a interroga sobre o que ela deseja, e termina no palácio de Herodes, com o objetivo de cuidar de Herodíades, esposa do rei Herodes, que sofre de ferimentos pelo corpo. É testemunha da dança de Salomé, filha de Herodíades, e o pedido da cabeça de João Batista, que ela faz induzida pela mãe, sob seus protestos tão veementes quanto inúteis.
Nessa condição privilegiada de serva da rainha, Maria tem envolvimento afetivo com o general romano responsável pela política militar da região, e sugere que o ex-marido é um falso e traidor e que merece ser punido. O general atendendo os seus desejos invade a terra de Magdala, faz chicotear o perverso ex-marido de Maria e incendeia a propriedade. Maria cai em si, do mal que havia induzido, e corre para Magdala para tentar evitar o pior. Mas não consegue. Ver a sua amiga aterrorizada por saber que o filho está dentro de um prédio em chamas. De forma corajosa Maria entra no prédio e consegue resgatar a criança, mas essa está sem vida. Maria fica abatida, desesperada, e recusa seguir viagem com o militar romano, que a convida com veemência para seguir com ele. Maria fica sozinha, ao lado da mãe com o filho morto.
Jesus vem em suas andanças com os discípulos e se aproxima da cena dolorida. Sob o olhar admirado de Maria, Jesus pede para a mãe se afastar, senta ao lado da criança morta, pega delicadamente em sua mão e pede para ela acordar, pois sua mãe a espera. A criança mexe os dedos e abre lentamente os olhos, sob a perplexidade de todos. Jesus segue seu caminho e vai para a casa de um respeitado judeu que quer ouvi-lo falar. Maria é convidada a ir com eles por suas amigas, e com receio ela vai até a casa. Ver a crítica que todos fazem porque a consideram uma prostituta, mas ela não ver no olhar nem na fala de Jesus nenhuma crítica. Uma onda de amor domina a sua mente e ela se aproxima do Mestre, beija os seus pés, lava-os com suas lágrimas e enxuga-os com seus cabelos.
O Mestre ouve as críticas do dono da casa, pois ele como profeta não reconhece uma mulher como um ser inferior, principalmente quando esta é uma prostituta. O Mestre simplesmente lembra que ele, como convidado, não foi recebido com beijos, não teve os seus pés lavados nem enxutos. Mas essa mulher, fez tudo isso: beijou os seus pés, lavou-os com suas lágrimas, enxugou-os com seus cabelos e perfumou-os com óleos. Isso mostra que ela, apesar de pecadora, merece ter todos os seus pecados perdoados, por muito saber e demonstrar o amor.
Jesus olha para Maria e diz com serenidade, que ela pode seguir o seu caminho, pois todos os seus pecados estão perdoados. Maria enfrenta o olhar do Cristo, e diz que ela irá para onde Ele for, em qualquer momento, em qualquer lugar.
Os fatos podem não ter se passado dessa maneira, de uma forma ou de outra. Mas os registros que existem dentro dos Evangelhos, principalmente os apócrifos, mostram que uma situação como esta ou semelhante pode ter existido.
Então, adquiro uma percepção melhor daquela mulher que é considerada pela Bíblia, Novo Testamento, como uma prostituta. Vejo que ela não é uma mulher amoral na acepção preconceituosa que se faz dela a todo momento. Foi uma mulher desonrada e divorciada por iniciativa do seu marido, sem nenhuma justificativa, pois a esterilidade alegada era dele, e não dela. Foi uma mulher que procurou depois disso uma situação que pudesse conciliar o seu senso de justiça com o amor que ela tanto mostrava ter. Não conseguiu isso ao lado de ninguém, nem de mulheres, nem principalmente, de homens, que a queriam mais pelo seu corpo do que pela sua alma. Ela foi advertida sobre isso por João Batista, mas foi o contato mais próximo com Jesus, que a fez despertar definitivamente para o amor incondicional, aquele que está muito além do desejo carnal, do interesse material.
Ave, Maria de Magdala, Maria Madalena!