O tributo aos mortos está registrado desde as mais antigas civilizações, como nos mostram as pirâmides do Egito, o Livro dos mortos, também do Egito, e reconhecido como o primeiro livro da humanidade. Mais próximo de nós temos “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, mostrando a forma de pensamento do mundo espiritual que as pessoas iriam encontrar depois da morte. Até hoje observamos cerimônias e colóquios em favor e respeito aos mortos.
Tendo como base essa reflexão da morte como a passagem para uma dimensão ainda desconhecida, mas com certeza muito importante, passamos a verificar qual a melhor forma de nos prepararmos para entrar nesse mundo extra-físico. A caridade como expressão prática do Amor, parece ser a melhor forma de adquirirmos esse preparo.
Tenho visto até hoje a caridade de um ponto de vista orgulhoso e vaidoso. Sinto-me na condição de praticar a caridade por ser uma pessoa melhor, mais conceituada, que tem mais condições do que a maioria das pessoas do meu círculo social. Mas ledo engano! Ao fazer uma reflexão mais apurada, verifico que desde cedo sou alvo da caridade de alguém, que muitas vezes nem soube nem saberei de quem se trata. Lembro-me quando criança ao tentar atravessar correndo uma rua, de repente me vi suspenso no ar pelos braços de alguém, enquanto na minha frente passava um carro em disparada. Eu seria alvo de atropelamento e possivelmente morreria, pela velocidade que o carro desenvolvia. Até hoje não sei o autor dessa caridade.
Em outro momento eu estava em São Paulo capital, hospedado na casa de um amigo, enquanto fazia o curso de pós-graduação. Pegava o coletivo à noite de volta para casa, já bastante tarde. Cochilei no ônibus e fui desperto no terminal. Desci do carro numa rua totalmente deserta, com pouca iluminação. Não sabia como chegar na casa de meu amigo, num lugar que nunca havia passado. De repente chega um táxi perto de mim e atende ao meu pedido de corrida até a casa do meu amigo. No caminho o taxista comenta o que eu fazia nesse horário em ambiente tão perigoso. Comenta também que não tem costume de fazer ponto naquele local, pelo contrário, até procura evitar. Mas nessa noite, ao voltar para casa, não sabe porque resolveu ir por esse destino. Achei surpreendente essa coincidência, e hoje, conhecedor melhor do mundo espiritual, sei que fui mais uma vez alvo da caridade, dessa vez por uma personalidade desencarnada.
Dessa forma passei a conferir os atos de caridade que fazem para comigo em diversas situações. Os meus filhos, por tolerarem as minhas ausências de suas vidas; as minhas companheiras por procurarem entender a minha estranha forma de comportamento afetivo, mesmo que isso traga para elas grande sofrimento; as pessoas que tanto me ajudaram com empréstimos financeiros quando eu fazia o curso de pós-graduação e recebia apenas uma pequena bolsa para me manter, manter a minha família e a família da minha esposa que dependia dela.
Todos esses são exemplos e muitos outros que seria extensivo colocar todos aqui, que mostram claramente que fui muito mais vezes alvo da caridade alheia do que patrocinador dessa caridade. Quebrei o meu orgulho e vaidade no fato de ser caridoso, estou apenas retribuindo e com bem menos frequência e intensidade, a caridade que eu recebo do próximo.
Aprendo agora que tenho diversas forma de fazer a caridade sempre ao meu redor: levar o pranto aos olhos quando observar os pequeninos na miséria; sentir remorso legítimo quando observar os doentes no hospital; sofrer angústia aflitiva quando observar os drogados nas ruas; ter uma inquietação real quando verificar os desequilíbrios sociais; ficar de pesar carregado quando tiver ao lado os moradores de rua; emitir comentários doridos quando ao lado tiver almas desalinhadas, seres humanos em mendicância; e se manter em oração com o coração em intercessão ao próximo.
Temos que desenvolver a caridade antes da queda do irmão, convertendo nossas emoções em atos de caridade, aos vencidos que não podem se levantar sozinhos.
O amor e a caridade são os complementos da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível, que desejaríamos que nos fosse feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como irmãos”.
Devemos agir sempre, com tudo ao nosso alcance para fazer a caridade: acender o alfabeto antes da perversão; doar os pães antes da doença chegar; dilatar a doutrina espírita antes da loucura tomar conta da mente; fazer a bondade em qualquer lugar antes das trevas dominarem; e sustentar o fraco antes de seu amesquinhamento.
Caridade sempre... antes que a demora em discussão e programas, faça chegar tardio aquele que precisa de socorro... antes que o abismo recolha membros e corpos, almas e mentes, tudo devorando de forma voraz, como acontece com os dependentes químicos.
Madre Tereza de Calcutá já dizia: “Dê ao mundo o melhor de você. Mas isso pode não ser o bastante. Dê o melhor de você assim mesmo. Veja você que, no final das contas, é tudo entre você e Deus. Nunca foi entre você e os outros”.
Lembrar sempre que, a espera de nós, existem multidões de mutilados espirituais aqui, no lar, e ali, na rua, em busca de compreensão... que a mensagem espiritual na mente, se torne agasalhada no coração e se derrame pelos braços em favor do mundo.
Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias, perdão das ofensas. Afinal, como Gandhi dizia: “O futuro dependerá daquilo que fizermos no presente”.
Os mensageiros espirituais já chegam e nos instruem: nascer, viver, morrer, renascer e progredir sempre.
Escutemos as lições de Chico Xavier: “Quando alguém lhe magoar ou ofender não retruque, não responda da mesma forma. Apenas sinta compaixão daquele que precisa humilhar, ofender e magoar para sentir-se forte.
O Mestre nos deixou a lição do Bom Pastor. Onde houver uma ovelha perdida, em risco de cair no abismo, devemos ir em sua busca, deixando as outras protegidas no redil. Somos essas ovelhas, que geralmente estamos entrando em desvios perigosos do caminho, e ao mesmo tempo podemos ser o pastor, que ver uma “ovelha” perdida e vai em busca da sua salvação.
“E disse-lhes: Onde está a vossa fé?” (Lucas, 8:25)
A tempestade estabelecera a perturbação no ânimo dos discípulos mas fortes. Desorientados, ante a fúria dos elementos, socorrem-se de Jesus, em altos brados.
Atende-os o Mestre, mas pergunta depois:
- Onde está a vossa fé?
O quadro sugere ponderações de vasto alcance. A interrogação de Jesus indica claramente a necessidade de manutenção da confiança, quando tudo parece obscuro e perdido. Em tais circunstâncias, surge a ocasião da fé, no tempo que lhe é próprio.
Se há ensejo para o trabalho e descanso, plantio e colheita, revelar-se-á igualmente a confiança na hora adequada.
Ninguém exercitará otimismo, quando todas as situações se conjugam para o bem-estar. É difícil demonstrar-se amizade nos momentos felizes.
Aguardem os discípulos, naturalmente, oportunidades de luta maior, em que necessitarão aplicar mais extensa e intensivamente os ensinos do Senhor. Sem isso, seria impossível aferir valores.
Na atualidade dolorosa, inúmeros companheiros invocam a cooperação direta do Cristo. E o socorro vem sempre, porque é infinita a misericórdia celestial, mas, vencida a dificuldade, esperem a indagação:
- Onde está a vossa fé?
E outros obstáculos sobreviverão, até que o discípulo aprenda a dominar-se, a educar-se e a vencer, serenamente, com as lições recebidas.
ATA REUNIÃO AMA-PM E PROJETO FOCO DE LUZ
Em 25-10-17, as 19h, na residência de Paulo Henrique, foi realizada mais uma reunião da AMA-PM e Projeto Foco de Luz, com a presença das seguintes pessoas: 01. Paulo; 02. Francisca; 03. Valdeci; 04. Edinólia; 05. Genilson; 06. Nivaldo; 07. Mano; 08. Márcia; 09. José Firmino; 10. Mirele; 11. Ana Paula; 12. Davi; 13. Jackson 99650-4050; 14. Stela; e 15. Netinha. Após os 30 minutos iniciais de conversa livre, foi lida o tema da reflexão evangélica: “Pregações”. Depois foi lida a ata da reunião anterior com correção na data. Márcia pediu alguns esclarecimentos quanto a prestação de contas, com relação aos empréstimos e a falta de pagamento. Foi sugerido que tivéssemos uma consultoria jurídica para colocar os devedores em pressão para os pagamentos. Também foi colocado a missão cristã da Associação que deve considerar todos como irmãos, mesmo que tenham dificuldade de honrar compromissos. Deve ser lembrado que o dinheiro coletado pela Associação pertence a Deus e portanto, devemos auxiliar o irmão quando esse precise, mas o irmão deve ter a consciência de devolvê-lo para que possa cumprir a mesma ajuda a outros necessitados. A Associação não tem condições de fazer doações, e portanto, o empréstimo realizado deve ter sempre o compromisso de sua devolução, senão ficaremos incapacitados de prestar ajuda com esses recursos. Todos tem conhecimento de que o trabalho na Associação é totalmente voluntário e dentro dos princípios cristãos. Qualquer recompensa que os voluntários almejem está sempre nas determinações divinas do Pai, e nunca em recompensa financeiras ou pagamentos materiais de qualquer tipo. Também foi abordada a questão das casas que foram prejudicadas com a queda do muro do hospital e Jackson orientou a procura jurídica dos interessados pelas universidades privadas, já que não foi viabilizado o documento coletivo que seria encaminhado pela Associação. Paulo falou mais uma vez da importância da criação de departamentos dentro da Associação e que tivesse autonomia de trabalho, como por exemplo, o departamento de saúde que seria muito útil neste momento de dificuldade com o posto de saúde. Jackson colocou a importância de ser mobilizada a comunidade para levantar recursos em torno de 1.000.000,00 reais, e 12.000 assinaturas. As 20h30 a reunião foi encerrada, Jackson conduziu a oração ao Pai, todos posamos para a foto oficial e degustamos o bolo dos aniversariantes do mês, Paulo Henrique e Francisco Rodrigues.
A Igreja, seja qual for a denominação, geralmente é a responsável por trazer o homem à presença de Deus, fazer a religação, re-ligare, religião. Mas o Cristo trouxe uma nova interpretação a essa conexão com Deus, que independe de uma instituição para isso acontecer, mesmo que nos tempos atuais, a Igreja seja importante para guiar as massas animalizadas e exploradas, ignorantes e egoístas.
No livro “Ave Cristo” tem um diálogo de Varro com Corvino que é muito esclarecedor nesse sentido:
Varro abraçou Corvino com mais ternura e aduziu:
- O senhor tem fé e virtudes que estou longe de possuir. Doravante sentir-me-ei sozinho, sozinho...
- Onde situas a confiança em Deus? És moço. Os dias amadurecem a experiência. Atende as instruções do Mestre e nova luz brilhará em tua alma... Em Lyon, muitos de nossos irmãos relacionam-se com os mortos, que são simplesmente os vivos da eternidade. Em nossos ofícios, comunicam-se conosco e amparam-nos cada dia... Em muitas ocasiões, nos martírios, tenho visto companheiros que que nos precederam recebendo os que são perseguidos até o sangue... Acredito, pois, que poderemos continuar sempre juntos... A Igreja, para mim, não é senão o Espírito do Cristo em comunhão com os homens...
Neste instante, Corvino arquejou penosamente. Fitou no amigo os olhos calmos, com mais insistência, e prosseguiu:
- Sei que te vês relegado à solidão, sem parentes, sem lar... Mas não te esqueças da imensa família humana. Por muitos séculos, ainda, os servidores de Jesus serão almas desajustadas na Terra... Nossos filhos e irmãos encontram-se dispersos em toda a parte... Enquanto houver um gemido de dor no mundo ou uma nesga de sombra no espírito do povo, nossa tarefa não terminará... Por agora somos desprezados e escarnecidos, no caminho do Pastor celeste que nos legou o sacrifício por abençoada libertação e, amanhã, talvez, legiões de homens tombarão pelos princípios do Mestre, que, sendo tão simples em seus fundamentos, provocam o furor e a reação das trevas que ainda governam as nações... Morreremos e renasceremos na carne muitas vezes... até que possamos a vitória da fraternidade e da verdadeira paz... Contudo, é indispensável amar muito para, antes, vencermos a nós mesmos. Nunca odeies, filho meu! Bendize constantemente as mãos que te ferirem. Desculpa os erros dos outros, com sinceridade e pleno olvido de todo mal. Ama e ajuda sempre, ainda mesmo os que te pareçam ingratos... Nossas afeições não desaparecem. Quem exercita a compreensão do Evangelho acende lume no próprio coração para clarear a senda dos entes queridos, na Terra ou além da morte... Tua mulher e teu filhinho não se perderam... Tornarás a encontra-los em novo nível de amor... Até lá, porém, luta na conquista de ti próprio!... O mundo reclama servidores leais ao bem... Não procures riquezas que o desengano enferruja... Não te prendas a ilusões e nem exijas da Terra mais do que a Terra te possa dar... Só uma felicidade jamais termina – a felicidade do amor que honra a Deus no serviço aos semelhantes...
Estas lições são sobremaneira a essência do Cristo que devemos consolidar dentro de nossos corações e com elas ser capaz de agir nas diversas áreas do nosso comportamento, na família, trabalho, comunidade...
“E ele lhes disse: Vamos às aldeias vizinhas para que eu ali também pregue; porque para isso vim.” (Marcos, 1:38)
Neste versículo de Marcos, Jesus declara ter vindo ao mundo para a pregação. Todavia, como a significação do conceito tem sido erroneamente interpretada, é razoável recordar que, com semelhante assertiva, o Mestre incluía no ato de pregar todos os gestos sacrificiais de sua vida.
Geralmente, vemos na Terra a missão de ensinar muito desmoralizada. A ciência oficial dispõe de cátedras, a política possui tribunas, a religião fala de púlpitos.
Contudo, os que ensinam, com exceções louváveis, quase sempre se caracterizam por dois modos diferentes de agir. Exibem certas atitudes quando pregam e adotam outras quando em atividade diária. Daí resulta a perturbação geral, porque os ouvintes se sentem à vontade para mudar a “roupa do caráter”.
Toda dissertação moldada no bem é útil. Jesus veio ao mundo para isso, pregou a Verdade em todos os lugares, fez discursos de renovação, comentou a necessidade do amor para a solução de nossos problemas. Nos entanto, misturou palavras e testemunhos vivos, desde a primeira manifestação de seu apostolado sublime até a cruz.
Por pregação, portanto, o Mestre entendia igualmente os sacrifícios da vida.
Enviando-nos divino ensinamento, nesse sentido, conta-nos o Evangelho que o Mestre vestia uma túnica sem costura na hora suprema do Calvário.
ATA DA REUNIÃO DA AMA-PM E PROJETO FOCO DE LUZ
No dia 13-09-17, as 19h, na casa de Paulo Henrique, foi realizada mais uma reunião da AMA-PM e Projeto Foco de Luz com a presença das seguintes pessoas: 01. Soraia (98711-3316); 02. Paulo; 03. Edinólia; 04. Leandro (99956-3030); 05. Francisco; 06. Ana Paula; 07. Nivaldo; 08. João Maria; 09. Mano; e 10. Netinha. Após os 30 minutos de conversa livre, foi lido o preâmbulo espiritual com o título “Semeadura”. Após a reflexão sobre o conteúdo do texto, foi lida a ata da reunião anterior que foi aprovada pelos presentes sem alterações. Francisco faz referência aos moradores da proximidade com o muro do hospital que ficaram de fazer um documento coletivo, mas não compareceram a reunião para fazer qualquer encaminhamento. Edinólia deixou agendado para a próxima terça feira às 10h no hospital Onofre Lopes, a prestação de contas do mês de setembro. Nivaldo coloca o desinteresse da direção da Escola nas atividades da Associação e que poderia ser autorizado alguma atividade pontual dos moradores dentro da escola, desde que solicitado com antecedência. Frente a essas dificuldades que surgem dentro de um trabalho associativo com base cristã, onde não se exige nenhuma forma de recompensa pelo trabalho realizado, político ou financeiro, foram feitas diversas reflexões pelos presentes. A partir da grande maioria dos moradores que não possuem mobilidade nem consciência suficiente para participar do trabalho associativo e esperam sempre a ajuda assistencialista. O pequeno grupo que faz parte da Associação sente que precisa compreender essa dificuldade dentro da comunidade e ser coerente com as lições do Cristo, se tornando uma tocha de Luz, onde o sacrifício do nosso corpo impregnado pelo Amor divino sirva para afastar as sombras e ser modelo para as pessoas de bom coração se aproximem e colaborem conosco, na seara que o Pai colocou à nossa disposição. Paulo ficou de ver a possibilidade de convidar 1 ou 2 jovens a cada reunião para verificar a possibilidade de nossa ajuda as suas dificuldades pessoais e familiares e possível engajamento nas atividades da Associação. As 20h30 a reunião foi encerrada, Nivaldo conduziu a oração do Pai Nosso e todos posamos para a foto oficial.
Quinto Varro, o nobre patrício romano, que tentava viver as lições do cristianismo, descobre que a sua esposa está lhe traindo com seu patrão, a quem tinha como amigo e dedicava toda estima. Fica desesperado com essa descoberta, principalmente por não saber o que fazer com o seu filho pequeno, por não possuir posses suficientes para a sua manutenção e educação. Procurou o aconselhamento de Corvino, um velho gaulês que fazia palestras nas catacumbas sobre o cristianismo e estava hospedado na casa de um amigo. As palavras experientes do gaulês, burilado nas dores do próprio sofrimento, são importantes instruções para nós que pretendemos também seguir as lições do Cristo.
- Varro, aceitaste o Evangelho para que Jesus se transforme em teu servidor ou para que te convertas em servidor de Jesus?
- Oh! Sem dúvida – suspirou o rapaz -, se alguma coisa aspiro no mundo é ao ingresso nas fileiras dos escravos do Senhor.
- Então meu filho, cogitemos dos desígnios do Cristo e olvidemos nossos desejos.
E, fitando o céu pela janela humilde, deixando perceber que solicitava a inspiração do Alto, acrescentou:
- Antes de tudo, não condenes tua mulher. Quem somos nós para sondar o coração do próximo? Poderíamos, acaso, torcer o sentimento de outra alma, usando a maldade e a violência? Quem de nós estará irrepreensível para castigar?
- Todavia, como extinguir o mal, se não nos dispomos a combate-lo? – ajuizou Varro, gravemente.
O ancião sorriu e considerou:
- Acreditas, porém, que possamos vencê-lo à força de palavras bem feitas? Admites, porventura, que o Mestre haja descido das Alturas, simplesmente para falar? Jesus viveu as próprias lições, guerreando a sombra com a luz que irradiava de si mesmo, até o derradeiro sacrifício. Achamo-nos em um mundo envolvido em trevas e não possuímos outras tochas para clareá-lo, senão a nossa alma, que precisamos inflamar no verdadeiro amor. O Evangelho não é somente uma propaganda de ideias libertadoras. Acima de tudo, é a construção de um mundo novo pela edificação moral do novo homem. Até agora a civilização tem mantido a mulher, nossa mãe e nossa irmã, no nível de mercadoria vulgar. Durante milênios, dela fizemos nossa escrava, vendendo-a, explorando-a, apedrejando-a ou matando-a, sem que as leis nos considerem passíveis de julgamento. No entanto, não será ela igualmente um ser humano? Viverá indene de fraquezas iguais às nossas? Por que conferir-lhe tratamento inferior àquele que dispensamos aos cavalos, se dela recebemos a bênção da vida? Em todas as fases do apostolado divino, Jesus dignificou-a, santificando-lhe a missão sublime. Recordando-lhe o ensinamento, será lícito repetir – quem de nós, em sã consciência, pode atirar a primeira pedra.
E, fixando significativamente o ouvinte, acentuou:
- O cristianismo para redimir as criaturas, exige uma vanguarda de espíritos decididos a executar-lhe o plano de ação.
- No entanto – ponderou o jovem romano, algo tímido -, poderemos negar que Cíntia esteja em erro?
- Meu filho, quem ateia fogo ao campo da própria vida, decerto seguirá pelas chamas do incêndio. Compadece-te dos transviados! Não serão suficientemente infelizes por si mesmos?
- E meu filho? – perguntou Varro com a voz embargada de pranto.
- Compreendo-te a aflição.
E vagueando o olhar lúcido pela sala estreita, Corvino pareceu mostrar um fragmento do próprio coração, acrescentando:
- Em outro tempo, bebi no mesmo cálice. Afastar-me dos filhinhos foi para mim a visitação de terrível angústia. Peregrinei dilacerado, como folha relegada ao remoinho do vento, mas acabei percebendo que os filhos são de Deus, antes de pousarem suavemente em nossas mãos. Entendo-te o infortúnio. Morrer mil vezes, sob qualquer gênero de tortura, é padecimento menor que esse da separação de uma flor viva que desejaríamos reter ao tronco do nosso destino...
- Entretanto – comentou o patrício amargurado -, não seria justo defender um inocente, reclamando para nós o direito de protege-lo e educa-lo?
- Quem te ouviria, contudo, a voz, quando uma insignificante ordem imperial poderá sufocar-te os gritos? E além do mais – aduziu o ancião, afetuosamente -, se estamos interessados em servir ao Cristo, como impor a outrem o fel que a luta nos constrange a sorver? A esposa poderá não ter sido generosa para com o teu coração, mas provavelmente será abnegada mãe do pequenino. Não será, pois, mais aconselhável aguardar as determinações do Altíssimo, na graça do tempo?
Detendo-se na dolorosa expressão fisionômica do pai desventurado, Corvino observou, depois de longa pausa:
- Não te submetas ao frio do desengano, anulando os próprios recursos. a dor pode ser comparada a volumosa corrente de um rio, suscetível de conduzir-nos à felicidade na terra firme, ou de afogar-nos, quando não sabemos sobrenadar. Ouve-nos. O Evangelho não é apenas um trilho de acesso ao júbilo celestial, depois da morte. É uma luz para a nossa existência neste mundo mesmo, que devemos transformar em Reino de Deus. Não te recordas da visita de Nicodemos ao divino Mestre, quando o Senhor asseverou convincentemente: “importa renascer de novo”?
Ante o sinal afirmativo de Quinto Varro, o ancião continuou:
- Também sofri muito, quando, ainda jovem, me decidi ao trabalho da fé. Repudiado por todos, fui compelido a distanciar-me das Gálias, onde nasci, demorando-me por dez anos consecutivos em Alexandria, onde renovei meus conhecimentos. A igreja de lá permanece aberta às mais amplas considerações, em torno do destino e do ser. As ideias de Pitágoras são ali mantidas em um grande centro de estudos, com real proveito, e, depois de ouvir atenciosamente padres ilustres e adeptos mais esclarecidos, convenci-me de que renascemos muitas vezes na Terra. O corpo é passageira vestidura de nossa alma que nunca morre. O túmulo é ressurreição. Tornaremos à carne, tantas vezes quantas se fizerem necessárias, até que tenhamos alijado todas as impurezas do íntimo, como o metal nobre que tolera o cadinho purificador, até que arroje para longe dele a escória que o desfigura.
Corvino fez ligeiro intervalo, como a dar oportunidade a reflexão do ouvinte, e prosseguiu:
- Jesus não falava simplesmente ao homem que passa, mas, acima de tudo, ao espírito imperecível. Em certo passo dos seus sublimes ensinamentos, adverte: “melhor entrares na vida aleijado que, tendo duas mãos, te aproveitares delas para a descida às regiões inferiores”. Refere-se o Cristo ao mundo, como escola onde procuramos nosso próprio burilamento. Cada qual de nós vem à Terra, com os problemas de que necessita. A provação é remédio salutar. A dificuldade é degrau na grande subida. Nossos antepassados, os druidas, ensinavam que nos achamos num mundo de viagens ou em um campo de reiteradas expe4riências, a fim de que possamos alcançar, mais tarde, os astros da luz divina para sermos um com Deus, nosso Pai. Criamos o sofrimento, desacatando as leis universais e suportamo-lo para regressar a harmoniosa comunhão com elas. A Justiça é perfeita. Ninguém chora sem necessidade. A pedra suporta a pressão do instrumento que a desgasta, a fim de brilhar soberana. A fera é conduzida à prisão para domesticar-se. O homem luta e padece para aprender a reaprender, aperfeiçoando-se cada vez mais. A Terra não é o único teatro da vida. Não disse o próprio Senhor – a quem pretendemos servir – que “existem muitas moradas na Casa de nosso Pai”? O trabalho é a escada luminosa para outras esferas, onde nos reencontraremos, como pássaros que, depois de se perderem uns dos outros, sob as rajadas do inverno, se reagrupam de novo ao Sol abençoado da primavera...
Passando a mão pelos cabelos brancos, o velho acentuou:
- Tenho a cabeça tocada pela neve do desencanto... Muitas vezes, a agonia me visitou a alma cheia de sonhos... Em torno dos meus pés, a terra fria me solicita o corpo alquebrado, mas dentro do meu coração a esperança é um sol que me abrasa, revelando em suas projeções resplendentes o glorioso caminho do futuro... Somos eternos, Varro! Amanhã, reunir-nos-emos, felizes, no lar da eternidade, sem o pranto da separação ou da morte...
Ouvindo aquelas palavras, repletas de convicção e de ternura, o moço patrício aquietou o espírito atormentado.
Importante esse diálogo, principalmente na imagem que somos a Tocha do Amor, o corpo é a estrutura material embebido na essência do Amor e que gera a luz ao nos consumirmos em benefício do próximo.