O tema da espiritualidade está cada vez mais dentro das universidades, promovendo pesquisas e criando cursos. Na UFRN, inspirados pela experiência da UFCE, um grupo de colegas sugeriu e eu assumi a condição de coordenador da disciplina de Medicina, Saúde e Espiritualidade que conseguimos aprovar à nível de Departamento de Medicina Clínica onde estou lotado. O curso é montado na experiência de vários colegas interessados no tema e que dão aulas na condição de voluntários, sempre com a minha presença na sala, como apresentador do professor, para explicar como sua aula está inserida no conteúdo do curso, apoio para as necessidades didáticas que ele apresentar, e como fomentador de perguntas.
Sinto que esta atividade está direcionando cada vez mais o meu foco acadêmico, da psicofarmacologia área que fiz minha pós graduação, para a espiritualidade. Tenho aprofundado os estudos e já penso fazer um curso com mais detalhamento doença/espiritualidade para ser ministrado para os residentes médicos, principalmente da área da psiquiatria.
Por ocasião de um evento de AA no qual participei como apresentador da abertura e coordenador da mesa de perguntas e respostas, encontrei um amigo aposentado da UFRN e que ministra aulas na Faculdade Maurício de Nassau. Como ele desenvolve um bom grau de espiritualidade como membro de AA, perguntei se ele não se interessava em apresentar um projeto de curso de espiritualidade à Faculdade que ele ensina. Disse que poderia ser no estilo da que conduzimos na UFRN, com base na experiências de professores voluntários nos quais eu poderia ser incluído. Poderíamos fazer um curso com um direcionamento maior para a atuação dos grupos de mútua ajuda, com um título diferente, que poderia ser assim: “Ciência, espiritualidade e aplicação prática”.
Seria um curso com dois créditos cujas aulas poderiam ser distribuídas assim:
O meu amigo não compareceu a aula que eu o havia convidado, certamente teve algum imprevisto. Mas a ideia permanece acesa e estou motivado para promover junto aos diversos estabelecimentos de ensino superior essa oferta de um curso de espiritualidade com essa base acadêmica ou parecida.
Fui procurado por uma aluna do curso de “Medicina, Saúde e Espiritualidade” ao qual coordeno, para que eu fosse seu orientador no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que ela precisa apresentar. Não tinha nenhuma ideia de como começar um trabalho com esse foco, e eu também não tinha. Mas como era algo ligado à espiritualidade e à saúde, pensei logo no Amor. Disse a ela que poderíamos fazer um trabalho com essa relação e ela aceitou prontamente, mas ambos não colocamos nada de objetivo. Ela ficou de ler sobre o assunto e voltar a entrar em contato comigo.
Depois de duas semanas ela me procurou dizendo da dificuldade de elaborar o plano de trabalho, pois tudo que se referia ao amor se tornava muito abstrato e difícil de objetivar no relacionamento com a saúde. Mas disse das dificuldades afetivas de pessoas que se envolviam no Hospital Giselda Trigueiro onde ela estava estagiando e se não era possível fazermos um trabalho com essas pessoas.
Achei muito interessante a ideia, pois podia fazer uma correlação entre o amor romântico e o amor incondicional na geração de conflitos ou na geração de harmonia. Podíamos investigar grupos especiais como estudantes, profissionais ou pacientes já comprometidos com os transtornos, tipo depressão, causado por esses conflitos. Então preparei um texto que servirá de bússola para ela aprofundar suas leituras e concatenar algum tipo de investigação.
Refletindo sobre o trabalho que queremos realizar sobre o amor e sua influência na saúde, venho fazer as seguintes considerações.
Com essas orientações iniciais poderemos iniciar nosso trabalho e ampliar para a comunidade, tanto em termos conceituais como nos serviços que já estão sendo praticados pelas pessoas que se sentem prejudicadas. Podemos pesquisar os grupos de mútua ajuda como DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos), relacionar amor com qualidade de vida, e diferenciar com clareza amor romântico de amor incondicional.
Cito como leitura inicial os livros: “Metafísica do Amor”, de Arthur Schopenhauer; “Os sentidos da Paixão”, diversos autores, da Editora Companhia das Letras; “Amaridianos – Caminhos energéticos do Amor”, de Darian Zur Strassen; e “Alquimia do Amor – Depressão, cura e espiritualidade”, de Audenauer Novaes.
A terapia familiar hoje está focada em núcleos parentais, a família nuclear. Na minha compreensão de considerar a família universal como foco, apesar da abrangência, é indispensável extrapolar os limites da família nuclear. Devo deixar claro que essa forma de raciocinar e de se comportar não quer anular a importância dos parentes mais próximos, do núcleo familiar que construímos como imperativo da Natureza. Tem sua importância local, imediata, mas nunca sem menosprezar todo o contexto que constrói a família universal, pois somente assim podemos construir o Reino de Deus ensinado por Jesus.
Vejo assim a necessidade de ampliar minhas ações em direção a outros núcleos familiares, que sejam considerados parentes, mesmo que não exista a consanguinidade. É neste ponto de compreensão que vejo a importância de ampliar os meus afetos, mesmo que não exista sexualidade, mas sempre com os critérios de fraternidade, de solidariedade.
Entendo que Deus, vendo minha intenção de cumprir a Sua vontade, de construir relacionamentos na base do Amor Incondicional, colocou na minha área de ação uma família com diversos problemas e que precisavam de minha orientação técnica e principalmente espiritual. Com essa compreensão estou abrindo hoje este espaço que denomino Terapia Familiar para registrar semanalmente o progresso que poderei alcançar com essa atividade, da mesma forma que faço com o registro semanal de Foco de Luz para informar o avanço que construímos na comunidade da Praia do Meio.
Neste domingo foi feito a primeira reunião com vários integrantes dessa família, cujo tema de reflexão foi o Perdão, um texto escrito pelo papa Francisco, onde ele defende que a família seja esse local de perdão. Durante a discussão todos se posicionaram e colocaram essa dificuldade que existe dentro de cada um com suas características pessoais, alguns com mais facilidade, outros com mais dificuldade de perdoar.
Como primeiro passo, essa compreensão foi importante para o início desse trabalho difícil e complexo. Irei denominar cada família nuclear com a inicial de seus componentes para não expor a individualidade de ninguém.
Na família DNAE é que existe o maior problema. O marido passou a se encontrar com outra mulher e a esposa descompensou psiquicamente, com pensamentos obsessivos, ideias de fuga, de autodestruição e com necessidade de medicamentos, psicoterapia e talvez internação psiquiátrica.
Na família CSFP existe um risco da filha menor, de 15 anos, que foge de casa, não obedece aos pais, faz uso de bebidas alcoólicas e se envolve com pessoas perigosas. O pai costuma beber toda a semana e não consegue autoridade para iniciar um diálogo proveitoso. O irmão tenta resolver a situação na base da violência e já se apresenta necessitado de fazer uso também de psicofármacos.
A matriarca, pessoa muito preconceituosa, apesar de muito religiosa, guarda no coração pesadas mágoas que atingem todos os membros da família. O filho que mora consigo é alcoólico e ninguém toma ações necessárias para conter a doença e salvá-lo de morte precoce. A família GS, recém-formada, sofre influência direta da matriarca e se recolhe de forma patológica no seu mundo resumido à casa e ao trabalho, sofrendo constantes dores físicas.
Existe um potencial profissional muito bom que é subutilizado por medo dos integrantes. Esse pode ser um bom argumento terapêutico na terapia do coletivo, atuando na motivação profissional de cada um.
Nesse contexto é que vai se desenrolar as minhas ações terapêuticas neste espaço familiar ampliado. Rogo a Deus que me dê a sabedoria necessária para eu conduzir todos esses conflitos, mesmo porque estou dentro deles. Confio que a aplicação das lições do Evangelho em cada dificuldade apresentada, sejam suficientes para a correção dos desvios num clima de amor, solidariedade e fraternidade, ao lado da justiça e da verdade.
Leviatã é o segundo monstro, depois do Behemot, que a Bíblia cita na conversa de Deus com Jó: “Poderás tu fisgar Leviatã com um anzol, e amarrar-lhe a língua com uma corda? Serás capaz de passar um junco em suas ventas, ou de furar-lhe a mandíbula com um gancho? Ele te fará muitos rogos, e te dirigirá palavras ternas? Concluirá ele um pacto contigo, a fim de que faças dele sempre teu escravo? Brincarás com ele como com um pássaro, ou atá-lo-ás para divertir teus filhos? Será ele vendido por uma sociedade de pescadores, e dividido entre os negociantes? Crivar-lhe-ás a pele de dardos, fincar-lhe-ás um arpão na cabeça? Tenta pôr a mão nele: sempre te lembrarás disso, e não recomeçarás. Tua esperança será lograda, bastaria seu aspecto para te arrasar.” (Jó, 40:20-28)
Deixa claro que a força do Leviatã está na língua, no que vem de dentro e a movimenta; ao passo que a força do Behemot se encontra no ventre, naquilo que vem de fora para alimentá-lo. Fica muito claro o contraste de um poder psíquico de origem externa e outro de origem interna, mas ambos processados na intimidade da orquestra cerebral com seus bilhões de neurônios. Behemot é o peso maciço da necessidade natural que se encontra no ventre; Leviatã é a infra natureza diabólica, invisível sob as “águas do mundo psíquico” cuja agitação pode se refletir na língua como é induzido na conversa de Deus: “Porventura poderás puxá-lo com o anzol e atar sua língua com uma corda?”.
No simbolismo universal, embora Behemot represente o conjunto das forças naturais obedientes a Deus, como os instintos, e Leviatã o espírito da negação e rebelião, ambos são igualmente monstros, forças cósmicas desproporcionalmente superiores ao homem, que movem combate uma a outra no cenário do mundo, e também dentro da alma humana. O Leviatã tende a desviar a força do Behemot para seus projetos inferiores, de prazer pelo prazer, de não se incomodar com o prejuízo causado a terceiros. O Behemot é frágil frente a essas tentações, pois também é movido pelo prazer da carne, mesmo que seja tudo na base dos instintos criados por Deus. Bem que o Leviatã também é uma criatura de Deus, pois Deus foi quem criou tudo. Mas é uma criação indireta, pois foi formado dos resíduos cognitivos inconvenientes e incorretos da evolução da natureza humana dentro da natureza animal. Portanto, não é possível a Behemot, subjugar o Leviatã, nem mesmo o homem consegue isso. Somente o próprio Deus pode fazê-lo. Por isso a iconografia cristã mostra Jesus como o pescador que puxa o Leviatã para fora das águas, prendendo sua língua com um anzol. Mas Jesus nos ensina que, o que Ele fez, nós podemos fazer. O homem animal, mais próximo do Behemot, nunca encontrará forças para subjugar o Leviatã, mas o homem espiritual, consciente que é uma centelha de Deus, pode fazer esse enfrentamento e vencer.
Mas quando o homem se furta a esse combate interior, negando a presença dos monstros ou renegando a ajuda do Cristo, então a influência dos monstros sobre a mente e comportamento se tornam nocivos ou catastróficos para a comunidade. Tomemos como exemplo a sociedade brasileira cujas instituições foram tomadas de assalto por pessoas dominadas pelo Leviatã, que usam a linguagem falsa para iludir eleitores e ganhar eleições, deteriora as condições financeiras do país com projetos de alimentar a fome de Behemot, e deturpa os princípios democráticos com a falácia populista.
Esta guerra contra a ação nefasta desses monstros que se materializam em diversas instâncias do poder, só pode ser ganha com a ajuda do Cristo.
Os monstros bíblicos, Behemot e Leviatã, passam o simbolismo de imperar sobre o mundo. O primeiro com o maciço poder de sua pança, firmemente apoiado nas quatro patas; o segundo agitando-se no fundo das águas, derrotado e temível no seu rancor impotente.
Na Bíblia, Deus exibe Behemot a Jó, dizendo: “Vê Behemot, que criei contigo, nutre-se de erva como o boi. Sua força reside nos rins, e seu vigor nos músculos do ventre. Levanta sua cauda como um ramo de cedro, os nervos de suas coxas são entrelaçados. Seus ossos são tubos de bronze, sua estrutura é feita de barras de ferro. É obra-prima de Deus, foi criado como soberano de seus companheiros. As montanhas fornecem-lhe a pastagem, os animais dos campos divertem-se em volta dele. Deita-se sob os lótus, no segredo dos caniços e dos brejos; os lótus cobrem-no com sua sombra, os salgueiros da margem o cercam. Quando o rio transborda ele não se assusta; mesmo que o Jordão levantasse até a sua boca, ele ficaria tranquilo. Quem o seguraria pela frente, e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas?” (Jó, 40:10-19)
Essa fala indica a unidade da essência entre o homem e o monstro. Behemot é ao mesmo tempo um poder macrocósmico e uma força latente na alma humana. A Bíblia nos traz uma compreensão mística dessa fusão homem/monstro, mas a ciência cada vez mais descortina a origem dos impulsos primitivos, animalescos, brutos, que permanecem como memória do que passamos na evolução, no processo ontológico, onde reproduzimos na replicação do corpo todos os momentos anatômicos de conquistas passadas. Então, o monstro, o animal, o Behemot continua a residir dentro de nós, no profundo de nosso inconsciente, mesmo que tenhamos por fora toda uma educação civilizatória. E Deus é muito claro quando diz: “Eu o criei contigo”!
Eu estou com um monstro dentro de mim, tenho que aceitar essa realidade. Muitos desejos que sobem à minha consciência são provocados por suas ruminações, querendo alimentação, ociosidade, sexo, poder, dinheiro... muito dinheiro! Um bicho tão medonho, que não se incomoda com nada, que não teme a nada, no entanto é dito que é “obra-prima de Deus”... ?!? Coloca o homem em segundo plano? Até insinua que o homem é impotente frente a ele: “Quem o seguraria pela frente, e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas?”
Sim, eu aceito essa informação dada pela Bíblia e reforçada pela Ciência, mas não me sinto intimidado a ser subjugado por ele. Depois que o identifico dentro de mim, posso sentir o que ele sente, mas posso decidir o que meu espírito considera mais conveniente. Sei que não posso lhe segurar à força, pela frente, sei que realmente sou mais fraco fisicamente. Mas o meu espírito é forte, faz parte da centelha divina, tem o potencial de controlar todas as forças da Natureza, inclusive Behemot. Mas tenho que ir devagar, sei que não posso vencer o monstro de uma só vez. Tenho que ver qual é o limite de sua influência maléfica sobre mim e se possível transformar sua energia em algo útil para a estratégia do Amor Incondicional do Espírito. Sei que ele ainda tem ampla influência sobre mim e poderia colocar aqui, com uma certa hierarquia, quais ações que eu faço sob o domínio de Behemot: gula, ociosidade, sexo, poder, dinheiro.
Dessa respiração do monstro sobre a minha consciência, o mais grave e difícil de controlar é a gula e a preguiça, ociosidade. Não consigo manter o meu peso sob a faixa da normalidade, estou sempre no sobrepeso e com entradas na obesidade, o que tento controlar a cada dia; a preguiça impede que eu realize o trabalho necessário e coloque em ação com mais determinação todos os projetos que o Pai coloca em minha mão; o sexo também é um elemento poderoso, mas tenho um melhor controle sobre ele, inclusive usando sua energia para vitalizar o Amor Incondicional que é o meu caminho evolutivo no campo espiritual. Mesmo porque eu consigo dissipar a sua energia reivindicatória de prazeres sexuais com ações imaginativas, dentro dos princípios morais e sem interferir negativamente com os projetos de vida de terceiros. O poder e o dinheiro também estão sob controle, faço o trabalho necessário para conquistar poder e principalmente dinheiro, de forma lícita, mas para utilizá-los em projetos de interesse do espírito e da vontade do Pai.
Portanto, não consegui ainda furar as ventas do Behemot e conduzi-lo pacificamente para os caminhos do espírito, mas sinto que estou tentando fazer isso, sem culpa-lo ou fustiga-lo, e sim considerando-o como parte de meu próprio ser, como assim Deus me construiu.