Entendo que a minha vida funciona como uma roda girando em torno de um eixo. Fui criado por Deus, simples e ignorante, para aprender com as oportunidades que me chegam por sua providência, principalmente no campo material que é o “campus” de aprendizagem. Assumo um corpo material que me permite ir adquirindo esse aprendizado, desde as lições mais primárias, ligadas ao reino mineral, passando pelo vegetal, pelo reino animal, até atingir a condição do hominal, onde me encontro agora. Tendo me desvencilhar das influências instintivas do reino animal e assumir cada vez mais as virtudes do reino angelical. Para isso acontecer, tenho que corrigir os diversos erros que cometo na escola material, principalmente no planeta que me encontro, classificado como planeta de Provas e Expiações. A cada necessidade de corrigenda, volto a reencarnar no planeta, na periferia da “roda”, que gira e com sua força centrífuga tende a me levar cada vez mais à periferia. Tenho que vencer essa força de distanciamento do centro, onde se encontra a energia imanente e transcendente de Deus, que faz tudo funcionar, todas as rodas.
Com a ajuda do Cristo, que veio enviado por Deus para nos ensinar como se aproximar do centro, como se aproximar do Pai, aprendi que a forma mais eficaz é praticar o amor incondicional ao invés do amor condicional. Entendo a lógica do que o Mestre ensinava, aceitei a verdade de suas lições e, para ser honesto com o aprendizado, passei a praticar, mesmo que sofresse severas críticas de todos ao meu lado, pois parece que todos entendem a teoria, mas que ninguém entende a prática. Não era essa falta de compreensão que iria me deter. Eu já estava vislumbrando o caminho em direção ao Centro, em direção à Deus. Nada poderia me impedir, nem mesmo todo o sofrimento que eu passava a sofrer sem ninguém perceber, disfarçado no prazer que todos imaginavam.
Entendi que a prática do amor incondicional iria no primeiro momento quebrar as regras do casamento, o compromisso da fidelidade conjugal, do amor exclusivo, que eu havia assumido. Mas, era minha decisão: ou ficar nesta encarnação girando na periferia e esperando nova encarnação, no mesmo nível ou mais distante do Centro, ou decidiria quebrar as regras e me aproximar de Deus, praticando o amor incondicional que o Mestre ensinou, inclusive com a bússola comportamental, de fazer ao próximo aquilo que desejamos seja feito a nós.
Os prazeres existiam dentro deste novo paradigma de vida que eu assumia, como todos podiam imaginar, pois com a quebra do amor exclusivo da fidelidade conjugal, eu permiti a aproximação afetiva com outras pessoas e que podiam me levar até o clímax do prazer sensual/sexual. Mas ninguém percebia o sofrimento que me atingia ao perceber o sofrimento de minhas companheiras, quando viam que meu paradigma de amor incondicional que a havia incluído, não iria ser desprezado por eu ter me aproximado delas. Elas entendiam, enfim, que eu não me aproximara delas por causa do romantismo de ter encontrado a mulher da minha vida. Entendiam que eu estava á procura de outra coisa, entendiam que eu procurava outra mulher... parece que minhas palavras de estar à procura do Reino de Deus caiam no vácuo da incompreensão, de uma espécie de loucura de alguém que coloca Deus como motivo de ter prazer sexual. Isso elas não podiam aceitar e tinham que se ver livres de mim.
Além do sofrimento por ser rejeitado e expulso algumas vezes, com raias de violência por parte delas, ainda tinha o sofrimento dos filhos que perdiam minha condição de instrutor para suas vidas e tinham apenas a opinião da mãe, opinião distorcida pelo sofrimento que ela experimentava. Eu não podia brigar por um contato que ela raivosamente dizia não querer, nem para ela e nem para os filhos. Deixei que o tempo se encarregasse de levar a verdade para cada um deles e segui o meu caminho, com a alcunha de ser perverso, de fazer todos que se aproximassem de mim afetivamente, sofrerem. Essa é uma verdade, não vou negar, mas é um sofrimento que todas sabem que podem passar, pois não nego a ninguém o caminho que estou percorrendo, e rogo a Deus que surja uma companheira que me entenda suficientemente para ser carne da minha carne, que sofra os meus padecimentos e goze dos meus prazeres, como carne da minha carne, como está escrito na Bíblia.
Enfim, assumo até hoje esse novo caminho que me aproxima de Deus, tentando praticar o amor incondicional que já aumentou minha família nuclear em família ampliada e que me prepara cada vez mais para a família universal, como eu vejo cada vez mais sinais de sua aproximação. Este prazer de eu sentir que me aproximo do Centro, do Pai, é que me dá forças para eu resistir ao sofrimento que essa caminhada provoca.
Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.
J – Vamos dar início a sexta sessão. Chamo o Réu novamente ao banco das testemunhas.
AD - Você explicou na última sessão como se sentiria e faria se tivesse na condição de sua esposa. Ia falar também que não foi fácil aplicar a bússola comportamental, apesar de toda a compreensão que essa aplicação seria necessária para viabilizar sua vida harmônica no futuro. Pode dar seguimento?
R – Agradeço a atenção. Durante cerca de dois anos de minha racionalização dentro dos ensinamentos do Cristo sobre o amor incondicional e da aplicação da bússola comportamental, eu sentia que devia fazer o que os estudos indicavam, não era mais uma opção do que eu, particularmente, deveria fazer, era a vontade do Pai, explicada pelo Cristo, e que eu deveria cumprir. Não era mais satisfazer os meus desejos, experimentar o prazer carnal que o meu corpo desejava... era um caminho muito mais íngreme, pois eu também percebia as consequências de onde ele me levaria. Eu iria ser contestado e rejeitado, principalmente por minhas companheiras, que sempre desejariam uma pessoa que cumprisse o amor exclusivo, a fidelidade na expressão do amor em toda dimensão que ele se manifestasse. Eu possivelmente iria viver sozinho, ou pelo menos, viver temporalmente com alguém, sempre esperando o momento que seria expulso do relacionamento, quando a possibilidade do amor inclusivo que existia nos meus paradigmas e era conhecido por todos, se manifestasse. Você pode perceber que, para mim era interessante do ponto de vista do prazer, mas inconveniente do ponto de vista de manter uma relação fixa com alguém por toda a vida, com harmonia e felicidade. A pessoa poderia até viver certo tempo comigo, poderia ter forças para vencer essa possibilidade, de ficar atenta para quando ela surgisse, de ficar sempre na expectativa de algo que iria lhe ferir. Não estaria vivendo com a mesma qualidade de vida que eu possuía, pois eu estava mantendo coerência com o Pai, com o Cristo e comigo mesmo. Se eu seria expulso quando o amor por outras pessoas se manifestasse de forma íntima, isso seria a consequência que eu teria de pagar, como qualquer missionário cristão pagou ao longo do tempo. Você pode observar que eu tinha adquirido um novo paradigma de vida, bem consolidado com os ensinos que o Cristo passou, estava pronto para abrir a família nuclear que eu havia construído, partir para a construção da família ampliada, incluindo principalmente todas as pessoas que haviam tido a oportunidade e a condição de envolvimento afetivo íntimo. Mas algo ainda me impedia. Não era minha esposa com suas correntes conjugais que me prendiam, essas eu havia destruído. Não era qualquer outra condição externa que pudesse influenciar meus pensamentos e diagnósticos acima das lições que recebera do Cristo. Era a força do Behemoth dentro de mim, a força do egoísmo que ainda influenciava meu comportamento. Essa força se confrontava com a aplicação da bússola comportamental e com a justiça que implica estar presente. Para o Behemoth era muito justo que eu aplicasse a bússola e aprofundasse o amor incondicional até a intimidade do relacionamento, mas não seria interessante que eu desse o mesmo direito à minha esposa. Ela não deveria ter este mesmo direito que eu posso ter, pelo fato de eu ser o homem e ela a mulher. Entendi que essa energia negativa atendia pelo nome de “machismo” e conseguiu, realmente, frear a aplicação da bússola comportamental. Mais uma vez eu estava frente a minha amiga, recebendo convites para namorarmos, estava livre das diversas correntes externas, principalmente a mantida por minha esposa, mas agora eu percebia que existia outra corrente, criada pelos padrões culturais e segura firmemente pelo Behemoth, dentro de mim. Mais uma vez fiquei paralisado sem atender os convites, sem usar a bússola comportamental. Mas o culpado agora era eu mesmo. E o Behemoth, o monstro energético que Deus criou dentro de cada um de nós, para proteger e desenvolver o nosso corpo, era o centro dessa disputa. Por um lado, ele queria o prazer de uma relação íntima, e por outro lado não queria dar o mesmo direito a minha esposa, pois a tinha como um objeto dele, um objeto de oferecer prazeres, serviços e sexo, mas jamais ter a mesma liberdade que eu tinha, de me relacionar intimamente com outras pessoas, ampliar minha família para a direção da família universal. Ela deveria ser apenas um apêndice da minha vontade. Meu senso de justiça que estava associado ao amor incondicional, como deve ser, não permitiu isso. Fiquei por mais um ano sem minha consciência poder decidir pela aplicação da bússola comportamental do Cristo, pois ela dizia que eu deveria fazer ao próximo aquilo que desejasse para mim. Ora, eu desejava sair para namorar com minha amiga, e se minha esposa quisesse também, sair para namorar com algum amigo seu, não teria esse mesmo direito? Aplicando a bússola comportamental do Cristo? Sim, era verdade. Eu teria que dar o mesmo direito a ela. Mas o Behemoth não queria. Eu, enquanto espírito, com a responsabilidade de administrar o corpo e seus desejos, instintos, deveria ser fiel a lei de Deus que eu havia aprendido através do Cristo, acima de qualquer outra providência. Decidi não sair do lugar. Não iria aplicar a bússola comportamental do Cristo com hipocrisia. Se o Behemoth iria ser beneficiado com os prazeres que iria receber, o Behemoth da minha esposa teria o mesmo direito, por aplicação da justiça. Depois de cerca de mais 1 ano nesse conflito interno, meu Behemoth perdeu as forças machistas de considerar a minha esposa como objeto e que ela não poderia ter mesmo direito que eu, pois percebeu que nunca iria ter o prazer que tanto desejava, tanto com esta minha amiga do trabalho, como com tantas outras que iriam surgir. Quando senti que o machismo em mim não existia mais a ponto de não dar a minha esposa os mesmos direitos que eu conquistasse, foi quando me permiti sair para namorar com minha amiga.
AA – Observem, senhores jurados, a maquinação psicológica de uma pessoa que deixou se levar por seus instintos bestiais, do Behemoth, como ele mesmo disse, para se sentir livre para cometer o pecado do adultério com uma pessoa que estava ao seu alcance, assim como com tantas que tivesse oportunidade de induzir ao erro. E tudo isso com a ousadia de dizer que estava aplicando as lições que Deus nos deixou quanto a construir uma sociedade saudável, sem pecados. Dessa forma?
AD – Senhores, quero que vocês observem que até agora não foi cometido nenhum ato criminoso, nenhuma lei foi violada, nem na terra nem no céu. O meu cliente apenas colocou como estava funcionando a sua mente em todo esse conflito racional e comportamental que ele deveria responder de algum modo. Vejam, ele usou a melhor ferramenta para resolver o conflito, pois usou as lições do Cristo, a bússola comportamental, como ele diz, sem qualquer sentido de hipocrisia, de querer atingir apenas os seus prazeres sensuais. Vejam que por trás de tudo que ele colocou existe uma ética que os simples desejos da carne, por mais poderosos que sejam, não conseguiram quebrar. Vamos dar oportunidade para que ele continue o seu relato e ver como a aplicação da bussola comportamental, como ele disse que já estava em condições de aplicar, vai funcionar no mundo real.
J – Encerro os trabalhos neste momento pelo avançado do tempo e continuaremos o relato que o AD propõe na próxima sessão.
Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.
J – Estamos iniciando a quinta sessão do julgamento e autorizo a volta ao banco das testemunhas do Réu, para continuar as suas explicações.
AD – Você estava explicando o uso da bússola comportamental que o Cristo ensinou na relação com sua primeira esposa, que este tribunal considera como a primeira vítima de suas atitudes. Você disse que achou utilidade em usar a bússola, não para as consequências imediatas, mas para as consequências futuras que você já sentia o desenrolar. Mas foi indagado: qual seria a posição da sua esposa se você se colocasse empaticamente no lugar dela?
R – Algumas vezes coloco em minhas orações que o Pai permita que eu volte outra vez reencarnado neste planeta de Provas e Expiações, num corpo de mulher e que eu me case com um homem que tenha o comportamento exatamente igual ao que eu tenho, para que eu possa demonstrar como uma mulher deveria se comportar em tais circunstâncias. Pois é isso que você me pede para fazer, de outra forma. Se eu estivesse no lugar de minha esposa, não iria deixar de ser surpreendida pelo fato que ele me contou. Iria ficar agradecida por ele ter sido honesta comigo. Iria ficar gratificada por ele ainda me amar, apesar de não ter a paixão de antes, e que não quer se separar de mim por qualquer outra pessoa, mesmo que sinta paixão por essa outra pessoa. Eu iria entender os impulsos biológicos que ele sente na condição de homem, de macho, de acordo também com os estudos biológicos que fiz, dos conhecimentos a esse respeito que tenho. Ficaria envaidecida por ele sentir tão fortes desejos instintivos e não esquecer, não deixar de sentir o nosso amor e não querer romper nosso companheirismo ou a proximidade com nossos filhos. Entender os momentos onde ele tenha a necessidade afetiva de ficar com outras pessoas para atender sua afetividade, como entendo a necessidade de ele passar noites de plantões trabalhando para atender sua responsabilidade financeira conosco. Ficaria ainda mais orgulhosa, ao saber que ele atende todos esses desejos afetivos, românticos, sexuais com outras pessoas, com base no amor incondicional e seguindo a bussola comportamental do Cristo. Estaria pronta para ajudar a todas amigas que se aproximassem dele e tivessem a oportunidade de aprofundar o relacionamento até o nível sexual, se fosse conveniente. Sentiria o prazer de ambos como se estivesse na carne do meu marido, seguindo a orientação bíblica de que somos carne da mesma carne, e o que ele sente eu devo sentir, seja prazer ou dor. Iria amar a todas as pessoas que o amam e vice-versa, como forma de consolidar meu amor com ele a dimensões estratosféricas, que imagino ninguém ser capaz de alcançar. Os nossos filhos seriam ensinados, por mim, inclusive, que o pai tem uma sintonia imensa com o amor incondicional, que segue as lições do Cristo, que não mente nem é hipócrita, por mais que falem de forma distorcida do seu comportamento. Ensinaria que a arvore boa se identifica pelos frutos bons que produz, então, se querem saber se seu pai é uma árvore boa ou ruim, procure ver os frutos que ele produz dentro da sociedade. Iria saber que o desejo sexual que ele sente ocasionalmente por outra pessoa, jamais irá ser superior ao amor divino que ele possui e tem em mim a principal companheira, e que o sexo carnal é apenas um detalhe da vida eterna que iremos desfrutar juntos pela eternidade que o Pai nos oferece. Onde eu iria encontrar outro companheiro igual a este? Era assim que eu sentiria, que eu pensaria e que eu faria.
AA – Você está atendendo o compromisso com a verdade que jurou no início?
R – Sim, conforme deixo indícios por onde passo e conforme o Pai sonda o meu coração.
AD – A aplicação da bússola comportamental que o Cristo ensinou, acredito que ninguém nesta sala é contrária a ela, você conseguiu aplicar a contento nessas circunstâncias que você estava vivenciando?
R – Não. Tive dificuldades de aplicar por questões culturais e biológicas...
J – Vamos interromper mais uma vez e continuar na próxima sessão...
Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.
J – Abrimos a quarta sessão, chamando o Réu para o banco das testemunhas e continuar com suas explicações.
AD – Senhor Réu, você dizia que sofria um assédio moral e sexual por parte de sua amiga no trabalho, que não cedia aos seus convites por causa do compromisso conjugal que havia aceito frente à Igreja, que isso causou na sua mente uma espécie de prisão e que estava deteriorando sua relação familiar. Disse que estudou as lições do Cristo e que iria aplicar a bússola comportamental que ele ensinou. Pode prosseguir?
R – Sim. Aplicando essa bússola em minha amiga, eu via que ela tinha motivos que justificavam ela namorar comigo de forma clandestina, pois o marido fazia isso inúmeras vezes. Por aplicação da justiça, companheira da verdade, ela teria esse direito. Eu, atendendo os desejos dela, estaria fazendo com ela o que gostaria que fizessem comigo, e trazendo justiça ao comportamento errado do seu marido.
AA – Então, você justifica o atendimento dos seus desejos como meio de justiça para uma relação de terceiros?
R – Nós não podemos ser instrumentos da justiça, da vontade de Deus? Deus permitirá que o comportamento errado do marido da minha amiga, siga sem nenhuma consequência, que atenue o sofrimento que ele causa nela? Eu não poderia ser esse instrumento, atuando por essas vias? Estará errada a aplicação da minha bússola comportamental com relação a ele e a ela? Ou eu ficaria com a bússola comportamental na mão, somente observando os fatos acontecerem? O Cristo nos ensinou a bússola para usar ou para enfeitar?
AA – Sim, mas para você usar a bússola com sua amiga e levar a justiça e atender seus desejos, tinha que considerar o outro lado da balança onde a sua esposa está colocada como a primeira vítima. Não considerou isso?
R – Sim, eu teria que aplicar a bússola com minha esposa. Minha primeira vítima, como está colocado aqui neste tribunal. Talvez aqui seja onde tenha sido articulado a forma e arma do crime, usando a bússola de Jesus e o amor incondicional que Ele ensinou. Num primeiro olhar, me colocando no lugar da minha esposa, claro que eu não queria que o meu esposo me traísse com outra mulher. A bússola me impediria. Mas eu estava com a visão do futuro à minha frente. Eu sentia que a deterioração que eu percebia consciencialmente da nossa relação iria destruir o nosso casamento, ou pelo menos a minha qualidade de vida, e que isso iria, inevitavelmente, ter consequências para ela. Era preciso eu adquirir a harmonia na consciência para prosseguir a vida com ela e feliz. Então, eu apliquei a bússola, não na perspectiva imediata do prazer, mas futura e na visão dela, de manter o relacionamento comigo até o fim da vida. Eu, pensando como ela, raciocinava assim: “eu quero que meu marido torne o nosso casamento deteriorado em sua consciência e que possivelmente nossa relação conjugal venha fracassar, impossível de continuar? Claro que não! Que poderia eu fazer para evitar isso? Deixa-lo livre para seguir seus desejos em qualquer direção, desde que não se sentisse preso a mim por compromissos que não podia mais manter. Se quisesse namorar com outras pessoas, se sentisse que isso era conveniente do ponto de vista moral e espiritual, que fosse em frente. Se eu não conseguisse suportar tal comportamento, eu diria a ele da impossibilidade de permanecermos com a relação conjugal e nos separaríamos como marido e mulher, mas continuaríamos como amigos. Sei que ele quer namorar com essa amiga do ponto de vista sensual, de atendimento dos desejos sexuais e que não implica no desejo de separação comigo. Sei que ele agindo assim, ele deixa de se sentir como um prisioneiro e eu a sua carcereira. Volta a harmonia do nosso relacionamento. A bússola pode ser aplicada.”
Assim, depois dessas elucubrações, vi que era conveniente a aplicação da bússola, de poder namorar com minha amiga, para não perder a minha identidade em função de regras ou desejos de outras pessoas. O amar ao próximo como a si mesmo que o Cristo ensinou, tem como o próximo mais próximo a nós mesmos. Como podemos amar ao próximo que está distante se não amamos ao próximo que somos nós mesmos? Desde que este amor a mim mesmo não prejudique ao outro?
AA – Mas você não estava vendo que aplicando essa bússola ao seu favor não iria trazer prejuízos para sua esposa, que iria vitima-la?
R – Sim, ela iria ter prejuízos imediatos, mas a longo prazo seria um benefício, como coloquei anteriormente. Se eu não fizesse assim, iria me prejudicar, matar o meu amor próprio, a minha individualidade. Se esses raciocínios me levaram a tais conclusões, eu já não era a pessoa com quem ela casou. Teria que haver algum reajuste comportamental para garantir a nossa convivência com harmonia, o pré-requisito da felicidade. Caso ela não conseguisse conviver com esse novo homem que surgiu, a melhor forma de manter a harmonia do nosso relacionamento era acabar o compromisso do casamento e nos mantermos como amigos, como existem tantas amizades entre pessoas que pensam e se comportam diferentemente.
AA – Você está dizendo que tomou a resolução de viver com harmonia consigo mesmo procurando seguir os novos caminhos que suas resoluções cognitivas chegaram, com base nos ensinamentos cristãos, principalmente. Quem não se sentisse a vontade com esse novo homem que surgiu, devia se afastar, procurar uma separação da convivência. Com você não existiria mais o compromisso de fidelidade conjugal, o amor exclusivo agora não era prioridade, é assim?
R – Sim, por isso quando ela me perguntou se eu teria coragem de traí-la com outra mulher, eu disse que sim, pois ainda estava considerando o ato de namorar com minha amiga uma traição, não havia contado a ela ainda. Ela devia saber a verdade e tomar a decisão de ficar comigo ou não, mesmo eu não querendo perder a sua convivência e a proximidade com os filhos.
AA – Você confessa que a prejudicou, tendo relações sexuais com outra pessoa, sem ela saber, mentindo...
R – Sem ela saber, sim, mentindo não, pois na primeira vez que ela me perguntou, sem ter qualquer ideia do que estava acontecendo, eu contei tudo para ela.
AA – E isso não trouxe prejuízos para ela e para os filhos? Sofrimento?
R – De imediato sim, como já falei, mas a longo prazo foi uma atitude positiva. Evitaria que ela estivesse vivendo até hoje com um marido frustrado por não ter tido condições de ser o que a consciência apontava, de não dar o exemplo aos filhos de lutar por sua integridade consciencial, mesmo que isso o deixe distante de pessoas que aprendeu a amar.
AD – No seu modo de perceber, qual poderia ter sido o comportamento de sua esposa se você tivesse no lugar dela?
J – Vamos interromper neste momento e deixar a resposta para a próxima sessão.
Como orientação ao meu leitor que chega agora, oriento que procure ver o início desta série de textos indicados com o “S” de sessão para não perder a lógica do raciocínio, e se achar conveniente fazer críticas ou comentários.
J – Inicio a terceira sessão deste julgamento e chamo ao banco das testemunhas o Réu, que jurará dizer exclusivamente a verdade, perante o Estado e em nome de Deus.
R – Prometo dizer a Verdade, em nome de Deus.
AD – Você diz que tem motivos para justificar o seu comportamento que hoje vem a julgamento com alegação criminosa. Pode justificar isso? Como começou? Já que a principal vítima, a número 1, lhe considerava uma pessoa honesta, fiel, acima de qualquer suspeita... como isso se transformou na sua mente?
R – É verdade. Eu sofri uma forte transformação, mas acredito que tenha sido para melhor, apesar de tantas acusações, de tanta falta de compreensão. Talvez aqui, neste ambiente onde a verdade é exigida como principal mentora de tudo que acontece, eu tenha melhor êxito em minhas explicações. Desde criança eu tinha uma forte tendência para a justiça, para o amor, para a verdade. Acredito que tenha sofrido até influência planetária do meu signo de Libra. Na adolescência, com a chegada dos hormônios, passei a despertar para a sexualidade e, associado aos valores cristãos que eu defendia como corretos, pretendia casar com a mulher que meu coração escolhesse, formasse uma família tradicional, tivéssemos filhos e vivêssemos felizes para sempre, conforme o juramento que fazemos na frente do padre. Foi assim que aconteceu com V1. Nos conhecemos e nos apaixonamos, mutuamente. Apesar das dificuldades de toda espécie, superamos tudo e vivíamos dias felizes, com os filhos que já estavam conosco. Foi quando começou o assédio moral e sexual sobre a minha mente. Uma colega de trabalho, desejando namorar comigo, mesmo ela sendo casada e eu também, fazia convites para mim nesse sentido. Eu recusava, lembrando a ela do nosso compromisso. Ela alegava que não tinha escrúpulos em namorar comigo, pois o marido dela namorava frequentemente com outras pessoas. Mas isso era com ela, imaginava eu. Comigo era diferente. Minha esposa não namorava ninguém e eu cumpria um juramento de também não namorar ninguém. Mas, cada vez que encontrava com minha amiga no trabalho, recebia novos convites para namorar. Foi por isso que justifiquei esse comportamento como assédio moral e sexual, pois ia de encontro a moralidade que eu defendia e ao desejo sexual que eu também sentia. Não posso negar este detalhe, pois mesmo eu rejeitando os seus convites para namorar, eu sentia desejos de também namorar com ela, pelos atributos físicos que ela demonstrava e pelos arroubos emocionais que ela proporcionava. Ela se sentia livre para namorar comigo, mas eu não. Eu me sentia preso a um compromisso assumido com minha esposa. Achava curioso que o meu desejo fosse tão forte por essa minha amiga e quase nulo por minha esposa, por quem um dia já estive apaixonado e não via ninguém além dela no campo afetivo, romântico, sexual. Agora, com esta nova amiga, tudo parecia ter se invertido, eu não tinha nenhuma paixão por ela, mas o desejo de namorar, de fazer sexo com a minha amiga estava presente e muito forte. Nesses embates obsessivos, onde a fonte de atender ao meu desejo estava ali à minha frente, à minha disposição, bastava apenas que eu dissesse o sim, tinha a barreira do meu compromisso com a minha esposa. O meu paradigma de vida era forte: ser honesto com minha esposa, mantendo a fidelidade do amor exclusivo, amor de profundidade erótica, sexual, que eu não poderia fazer com mais ninguém a não ser com a minha esposa. Eu recebia conselhos masculinos de quem via a situação, que eu devia aproveitar a ocasião, que a minha esposa jamais iria saber. Mas isso não estava previsto por meu paradigma de vida. Chegou um ponto que eu via a minha esposa como carcereira, que eu não podia atender os meus desejos pois ela segurava a ponta da corrente que me prendia aos compromissos. Essa batalha ficava cada vez mais ferrenha dentro da minha mente. O desejo por minha amiga e seus convites constantes de um lado e de outro a minha esposa segurando as correntes do compromisso de amor exclusivo. Comecei a sentir uma reação automática de rejeição por minha esposa. Como eu poderia amar uma pessoa que me prendia, que não me deixava atender os meus desejos, ter os prazeres que o corpo queria? Claro, essa luta era minha, interna, ninguém mais sabia. Mas tinha consequências, e eu sabia, e não podia evitar. A rejeição por minha esposa eu podia disfarçar no comportamento, mas não podia evitar de sentir. Era a imagem da carcereira quando ela inocentemente se apresentava à minha frente, e nós trocávamos afetos, eu disfarçando um sentimento que antes existia naturalmente e ela sem perceber o dilema que eu estava vivendo. A qualidade do nosso relacionamento estava se deteriorando perceptivelmente em minha consciência. Foi quando procurei aprofundar a prática espiritual que existia em mim de forma mais leve. Prestei mais atenção aos ensinamentos de Jesus quanto o amor incondicional, como forma de lei para a construção do Reino de Deus. Foi aí que começou a mudança rígida dos meus paradigmas. O amor incondicional que o Cristo ensinou estava acima de qualquer outra lei, de qualquer outro compromisso, de qualquer dogma ou tabu. O Cristo ensinava ainda que, a principal lei era amar a Deus acima de qualquer coisa e amar ao próximo como a nós mesmos. Ensinou um tipo de bússola comportamental para que não nos perdêssemos na floresta dos relacionamentos: “fazer ao próximo aquilo que desejamos ser feito conosco” ou seu inverso, “não fazer ao próximo aquilo que não desejamos ser feito conosco”. Aceitando a força desses ensinamentos como verdade e que precisavam ser praticados, comecei a coloca-los no dilema consciencial que estava vivendo com minha amiga e minha esposa, sem nenhuma das duas saberem. Eu tinha que usar a bússola comportamental.
J – Devido o excesso de tempo, vou suspender esta sessão e permitir que prossiga com a explicação da bússola comportamental que o Réu recebeu dos ensinamentos do Cristo na próxima.