Na viagem que fizemos a Pernambuco, estávamos todos ligados aos prazeres do mundo, mas eu estava também sintonizado com a minha missão espiritual, de colocar nessa viagem sempre os pontos de harmonia, solidariedade, mas também precisava colocar de forma mais evidente os valores do mundo espiritual. Mas eu não sabia como encontrar a forma de fazer isso sem parecer enfadonho ou carola. Não que eu tivesse medo de ser visto dessa forma, mas é que se a visão formada fosse desse tipo eu perderia muita força de convencimento. Estava nessa encruzilhada de decisão quando li um texto que me trouxe a solução.
O texto tinha o título, A SURPRESA DO CRENTE e falava de uma pessoa temente a Deus e que encontrou Jesus quando voltou para a pátria espiritual. Ele vivia agora o instante supremo da realização, que esperara pacientemente aquele minuto divino. Suspirara muitos anos para repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em si próprio, no mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens, renunciara aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da existência terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade que se mantinham possuídos pela ilusão ou pelo mal. Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de complicar-se, no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário da adoração e aguardar o Senhor que resplandecia glorificado, ali, diante dos seus olhos. O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe:
-Dize-me, discípulo querido, onde pusestes os ensinamentos que te dei?
O crente levou a mão direita ao tórax opresso de alegria e respondeu:
- No coração.
- Onde guardaste – tornou o Amigo sublime – minhas continuadas bênçãos de paz e misericórdia?
- No coração – retrucou o interpelado.
- E as luzes que acendi, em torno de teus passos?
- Tenho-as no coração – repetiu o devoto, possuído de intenso júbilo.
O mestre silenciou por instantes e indagou novamente:
- E os dons que te ministrei?
-Permanecem comigo – informou o aprendiz – no recôndito da alma.
Silenciou o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu, ainda:
- Ouve! Onde arquivastes a fé, as dádivas, as oportunidades de santificação, as esperanças e os bens infinitos que te foram entregues em meu nome?
Reafirmou o discípulo, reverente e humilde:
- Depositei-os no coração, Senhor!...
A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente. Jesus calou-se num véu de melancolia sublime, que lhe transparecia do rosto.
O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e, reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou:
- Benfeitor divino, poderei doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça? Já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em teu jardim de infinito amor?
O mestre meneou tristemente a cabeça e redarguiu:
Ainda não!... o trabalho é a única ferramenta que pode construir o palácio do repouso legítimo. Por enquanto serias aqui um poço admirável e valoroso pelo conteúdo, mas incomunicável e inútil... Volta, pois, à terra! Convive com os bons e os maus, justos e injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa, meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no santuário do coração para a oficina de tuas mãos!...
Nesse momento, o devoto, em lágrimas, notou que o Senhor se lhe subtraia ao olhar angustiado. Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.
Ao terminar a leitura eu sabia que aquela lição foi dirigida para mim, para que eu pudesse distribuir os bens que Jesus me proporcionou, no meu ambiente de convivência. Pedi a todos meus parentes que fizeram o favor de ouvir esse texto, que interpretassem o que acabaram de ouvir aplicados à minha vida. Ao término da leitura e sua interpretação como uma lição pessoal, onde todos se comportaram com máximo de atenção, e por tudo isso, agradeci convicto ao Mestre. Disse ao meus ouvintes que eu sentia que a lição dirigida ao crente se aplicava com perfeição a mim. Pois então, ali estava eu a procurar uma forma de distribuir aquilo que Deus me deu e que trago guardado em meu coração.