Encontrei o Anjo da Caridade na forma de uma criança de rua que se aproximou do um carro com uma latinha na mão a espera de uma pratinha. Isso sempre acontece e eu evito dar qualquer coisa, pois sei da existência de pessoas inescrupulosas que abusam dessas crianças que ficam expostas nos perigos da noite, ou mesmo as próprias crianças que ficam juntando as pratinhas para comprar pedras de crack ou cola de sapateiro. Faço isso de forma quase automática, não consigo nem ao menos fitar nos olhos dessas crianças. Mas agora foi diferente. Acabo de vir de uma reunião evangélica, onde eu disse com palavras que foram intuídas em minha mente, que estamos em um planeta que serve de escola e de hospital para nossas almas. Temos que usar o pequeno tempo que iremos passar aqui para aprender lições importantes relacionadas ao Amor Incondicional e de nos curar das mazelas espirituais, dos vícios e pecados que residem no nosso íntimo; que nos reunimos com intuito de tratar de pessoas atormentadas que nos procuram, mas devemos ter a consciência de que também somos doentes da alma e que devemos ser solidários com os necessitados e aprender também com eles, com as dores das suas almas, como aliviar as nossas. Um dos recursos mais eficientes para isso é a prática da caridade. Então saí da reunião com o firme propósito de ser mais caridoso no meu ambiente. Pois fracassei logo no primeiro teste. Depois que acelerei o carro e vi pelo retrovisor o rosto triste da criança, caiu a ficha em minha consciência. Reconheci que logo que os céus receberam a notícia das minhas convicções na prática da caridade, enviaram o anjo para fazer o teste. Falhei fragorosamente. Deixei que o automatismo de minhas ações prevalecessem e mais uma vez eu partisse com as minhas convicções do passado, de não alimentar a ganância e perversidade dos adultos ou a dependência dos menores. Esqueci que o compromisso de ser caridoso estava acima disso, se os comportamentos negativos existissem eram por nossas próprias culpas, incompetências, de não saber ou não querer criar mecanismos de proteção para as crianças e evitar que elas se exponham na rua dessa forma. Então, se elas chegam até mim nessas circunstâncias, assume o papel do anjo da caridade e devo fazer aquilo que o Pai deseja, que eu cuide de cada um dos seus mais frágeis filhos. Se no momento o que está ao meu alcance é dar uma pratinha, um sorriso ou uma palavra de carinho, não devo me esconder na máscara da indiferença e partir.
Assim pensando senti os olhos marearem a ponto de pingarem e embaçar a minha visão da estrada. Fiz uma prece ao Pai pedindo perdão pela falha e que me desse outra chance de provar que posso ser caridoso, que posso vencer o medo de ser usado como um bobo, um cúmplice de adultos malvados ou de facilitador para o uso de drogas. Devo considerar como verdade a fome de quem pede um pedaço de pão!