Os cruzamentos de carros por onde dirijo todos os dias são meus testes diários, ver se eu tenho a persistência de dar a caridade “capenga” que já alcancei, mesmo que venha na minha consciência toda a possibilidade que exista daquela pessoa estar sendo instrumentalizada de forma direta ou indireta para o mal. Dela estar colhendo dinheiro para logo mais ir em, busca de drogas, que tenha uma outra pessoa por tras operando para recolher para si o dinheiro como uma forma de praticar uma escravidão moderna. Deixo tudo isso em segundo plano e coloco em primeiro plano que a ação de doar o que o outro espera é a minha “obrigação” naquele momento e com uma intenção de melhorar esse ato a cada momento. Aliar ao ato de doar o benefício material, dar também algo afetivo... uma simples palavra, um olhar de compaixão?
Foi então aí que surgir a lição da caridade. Uma garota negra se aproximava. Senti que podia fazer algo além da moeda. Ela se aproximou, de forma rápida mecânica, nem mesmo procurou minha aprovação, foi logo jogando água e limpando o para-brisa que nem tão sujo se encontrava. Ao terminar parou ao meu lado na janela do carro, não deu nenhuma demonstração de consideração. Para ela eu era apenas uma peça daquela máquina caça-niquel onde a pessoa coloca uma moeda e aciona uma alavanca para ver se recebe alguma coisa. Ela fez o seu trabalho e agora estava parada na expectativa de como a máquina iria responder, dando ou não sua moeda. Dei a moeda como ela esperava e como eu estava programado. Foi tudo muito mecânico. Da minha parte havia o interesse da troca afetiva; da parte dela a indiferença com a resposta do mundo. Podia também está drogada, pensando em mil coisas, preocupada com outras mil... não sei. Sei apenas que agi como uma máquina que deu o que ela esperava, que tentei fugir dessa situação e responder como humano, mas respondi apenas como peça de uma máquina, o liberador de moedas. A Caridade fez um teste comigo e não me saí bem. Nota 1. O que me salvou do zero foi apenas a intenção de ir mais além.