Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
20/07/2012 11h48
CAIXA PRETA

            Todos nós, por mais honestos que sejamos, precisamos guardar informações em nossa memória que a mais ninguém podemos dar acesso. Damos o nome a esse dispositivo de Caixa Preta, semelhante àquele do avião que somente é aberto quando acontece algum acidente. Por motivo de tratamento, quando estamos com dificuldades e precisamos de algum terapeuta que nos auxilie, essa Caixa Preta pode ser aberta voluntariamente para três profissionais: o padre, o médico e o psicólogo. Todos eles, por força de códigos de éticas de cada profissional, estão proibidos de divulgar o conteúdo dessas informações. Diferente do avião, quando acontece da morte do indivíduo, essa Caixa Preta também se perde, a não ser que a pessoa tenha interesse em guardar os registros por algum meio fora de sua memória. No meu caso tenho esse interesse. A minha vocação de pesquisador também se volta para o meu próprio comportamento e tenho interesse em deixar registrado tudo o que faço, tudo que acontece comigo, principalmente no que diz respeito aos relacionamentos. Então a minha Caixa Preta está registrada fora da minha memória e por ocasião da minha morte pode ser aberta com o meu consentimento, preservando sempre a individualidade das pessoas que confiaram a mim as suas intimidades. Não é que esteja guardando nenhuma informação mentirosa ou desonesta, nada do que está guardado foge daquilo que eu defendo publicamente. Somente as pessoas que se relacionam comigo é que estão preservadas. Nem mesmo eu tenho o direito de mostrar para a pessoa que se relaciona comigo no nível da intimidade, o que acontece com outras pessoas com relacionamento no mesmo nível. Acredito que com a evolução do tempo, do comportamento e das relações interpessoais, não haja mais essa necessidade de Caixa Preta para esses comportamentos íntimos, com a exposição dos sentimentos de amor recíprocos, pois nesse tempo deverá prevalecer o amor inclusivo, mais próximo do amor incondicional, quando essas confissões de amor, mais generalizadas, serão até mesmo incentivadas e elogiadas por quem o pratica.

            Mas na atualidade, corro o risco da minha caixa preta ser devassada sem o meu consentimento e isso trazer constrangimento para todos os envolvidos. Tenho a responsabilidade da segurança desse dispositivo, sob pena de não ser digno da confiança de quem comigo se relaciona. Por outro lado, não posso ser hipócrita, o assunto que foi abordado ontem. Será que se eu tivesse oportunidade de ver a Caixa Preta de alguém que se relaciona comigo, sem a sua permissão, eu iria ver? Gostaria de ver confirmado com plena certeza tudo que ouvi dessa pessoa? Ter oportunidade de confirmar o seu comportamento? Eu iria saber com mais segurança em que terreno estaria pisando. A pessoa não iria saber mesmo que eu tive acesso à sua Caixa Preta. Com todas essas considerações, acredito que o meu critério ético iria permitir essa invasão. Eu não iria usar isso contra ninguém, seria uma forma de me proteger, de ter informações fora de qualquer dúvida. Uma pessoa para agir dessa forma estaria no nível daquelas pessoas do futuro, que considerariam essas informações como naturais e até incentivadas e elogiadas que acontecessem com relação ao nosso ser amada. Acredito que eu poderia ter esse perfil, eu poderia ser um fator positivo para todos os relacionamentos que eu descobrisse da pessoa que se relaciona intimamente comigo. Mas existe uma pessoa que pense no meu mesmo nível, que conviva ao meu lado, que acontecendo isso vá favorecer a todas pessoas que ela teve acesso as suas informações afetivas com relação a mim e as vezes em detrimento dela? Então, se a pessoa de posse dessas informações se torna revoltada ou indiferente, mas não construiu o bem a partir delas, então fez mal.

            Concluindo, deverei ter o maior cuidado, pois a minha displicência pode destruir boas intenções.

 

Publicado por Sióstio de Lapa
em 20/07/2012 às 11h48
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