São Francisco dizia que “ao corpo é doce cometer o pecado, e amargo é servir a Deus; porque como diz o Senhor no Evangelho, todos os vícios e pecados brotam e provem do coração dos homens (Mc 7,21)”. Dizia também que nada temos neste mundo nem no futuro; que julgamos possuir por muito tempo as vaidades deste mundo, mas somos iludidos, porque virão o dia e a hora em que não pensaremos e que desconhecemos e ignoramos; o corpo adoece, a morte aproxima-se e assim morreremos de morte amarga; que todos os talentos e poder, ciência e sabedoria que julgávamos ter serão tirados.
Esse pensamento de São Francisco me faz refletir que existe um paradoxo na existência. O doce do prazer que experimento no cometimento do pecado, lá na frente será perdido, o corpo se dissolve e o tesouro guardado será repartido por outros. A alma imprevidente se sentirá desnuda frente outra realidade. O amargo de servir a Deus faz o controle dos instintos, do imperativo do corpo e faz com que eu possa aprender e guardar na minha memória novos comportamentos e sentimentos. No final, o doce se tornará amargo e o amargo se tornará doce. Então devo evitar o “canto de sereia” dos prazeres corporais. Devo lidar com eles dentro das necessidades do corpo de sobrevivência, mas sempre evitando o exagero. Nesse particular, lembro de seguidas derrotas que tenho na confrontação com o corpo, na questão da alimentação. Sei que uma quantidade pequena é suficiente para nutrir de forma adequada o meu corpo, mas o desejo que vem lá das profundezas do meu ser, exige que eu continue a comer até o ponto do estômago não ter mais condições de armazenamento, de ficar até incomodo a posição de deitado. O prazer que tenho no momento da alimentação, logo será cobrado com a sensação da dispepsia e um pouco mais distante sei que também serei cobrado dessas tantas derrotas sistemáticas que tenho com o excesso de alimentação. Mas também tenho meus recursos. O jejum é um deles. Consigo ficar três dias sem me alimentar de nada e sinto que posso avançar até mais um dia. Tenho forças para conduzir meu corpo para essa situação de jejum, mas não tenho para limitar o prato durante a refeição. Assim acontece também em outras áreas e é por esse motivo que a evolução espiritual é tão demorada e dolorosa.